domingo, 3 de fevereiro de 2013

Muita coisa mudou na economia, por Alberto Tamer

Uma semana de debates sobre dois temas que se cruzam nos caminhos da economia e desafiam o governo. Usar o câmbio para evitar que a inflação passe da meta ou para beneficiar a indústria, e combater a competição dos produtos importados, principalmente, de países como a China que desvalorizam suas moedas para vender mais no mercado mundial?

Os economistas estão divididos, e pode-se dizer, a equipe econômica também. Já se insinua nos bastidores de Brasília a volta do câmbio fixo.

Alguns analistas mais afoitos dizem abertamente que as intervenções do Banco Central para manter o dólar em torno de R$ 2, já caracteriza uma política de câmbio fixo. Não chega a ser bem isso. O Banco Central não | concorda é com um câmbio maior, como o reivindicado pela indústria, de R$ 2,3 e até mais, pois isso pressionaria os preços dos produtos importados, não só acabados, mas insumos.

Para tratar desse assunto, que alguns analistas já dizem ser um dilema, mas não o é pois podem caminhar juntos e há alternativas, a coluna conversou com um dos economistas de maior lucidez na análise desse tema, o professor Antônio Corrêa de Lacerda, que é também colaborador do Estado. Em seus artigos, sempre bem fundamentados, Lacerda tem feito análises realistas e equilibradas, e previsões muitas das quais têm se confirmado.

•A primeira pergunta é sobre o tema principal da coluna que domina hoje 0 debate econômico nacional, câmbio versus inflação, professor?

Muita coisa mudou na economia. Houve mudanças expressivas em preços fundamentais da economia, primeiro a taxa de juros, que foi reduzida a menos de 2% real ao ano, fato inédito na nossa economia. Segundo, medidas para reduzir o “custo Brasil”, como a desoneração de investimentos, facilitação de crédito, incentivos à produção e desoneração da folha de salários.

Terceiro, uma correção do rumo do câmbio, que apontava para R$1,50 em 2011 e tem se mantido ao redor de R$ 2,00. Não vejo que as recentes intervenções do BC para valorizar o real represente um recuo nessa estratégia de ampliar a competitividade, não apenas das exportações, mas da produção interna sufocada pelas importações. O importante é o câmbio real, aquele descontado a inflação. Muitos poderiam querer uma taxa de câmbio mais desvalorizada, mas se isso impulsionar a inflação tenderia a ser nulo para a competitividade. Portanto, um câmbio entre R$ 2 e R$ 2,10, me parece razoável para atingir os objetivos, desde que se persista na diminuição do custo Brasil.

; •Vamos à economia. Lacerda, vai dar para crescer mais este ano? Essa parece ser a prioridade do governo, assustado pelo choque do 1% do ano passado.

O ano de 2012 foi um ano atípico em termos de crescimento. Em 2013 poderemos crescer entre 3,0% a 3,5%. Trata-se de um desempenho aquém do desejável, mas factível para o Brasil. O interessante é que deve haver uma retomada dos investimentos, que devem crescer quase o dobro do desempenho do PIB. Muitos projetos que foram adiados para preservar o caixa das empresas serão retomados. Trata-se não apenas de projetos de expansão da capacidade produtiva e infraestrutura, mas também investimentos para ampliar a produtividade: automação das linhas de produção, informatização de processos, etc. Isso também vai colaborar para ampliar a produtividade das empresas e melhorar a competitividade da nossa produção.

• Mas a mídia internacional tem sido impiedosa, diríamos até estranhamente grosseira ao criticar a política econômica brasileira... -

Há um misto de desinformação, mas também uma falha de comunicação e interlocução do governo. Primeiro, a empolgação de anos atrás, nunca se sustentou na prática. Agora, há também uma tentativa descabida de desqualificar a estratégia do governo. Aqui poderia haver um canal mais claro de comunicação da equipe econômica. Isso ajudaria muito o setor privado a entender os objetivos, a estratégia e os instrumentos em curso na política econômica.

• Ao lado, ou melhor, quase que entrelaçado com o câmbio há a inflação. Acha que há o risco de sair do controle?

É pouco provável. A inflação caiu um pouco em 2012, ficou em 5,8%, contra 6,5%, em. 2011, e pode cair mais um pouco em 2013. É uma inflação acima do centro da meta, mas dentro da tolerância. Não é um nível muito diferente da média dos países em desenvolvimento, que é por volta dos 5%. Há países badalados; como a índia, que tem inflação anual de 10%! Isso não significa um álibi para o Brasil deixar a inflação rolar, mas temos de ser realistas e entender as causas da inflação: preços de alimentos e de serviços. Tem mais a ver com a oferta, do que com a demanda. Há ainda uma elevada indexação, formal e informal. Temos de combater tudo isso de forma estrutural.

• Administrá-la com a alta dos juros?

Não vejo que haverá elevação dos juros no Brasil este ano.
Até porque prevalece um quadro de juro real negativo (abaixo da inflação), nos países desenvolvidos e isso representa uma janela de oportunidade para o Brasil.

Brasil é o quinto país que mais contrata


LUIZ GUILHERME GERBELLI - Agencia Estado
As SÃO PAULO - contratações no Brasil tiveram em 2012 o melhor desempenho dos últimos três anos. Segundo o International Business Report (IBR), 42% das empresas que atuam no País admitiram trabalhadores no ano passado, acima dos 40% verificados em 2011. O contexto geral é de otimismo, apesar de situações pontuais, como o aumento do desemprego em áreas específicas da indústria.

O mercado de trabalhado aquecido colocou o Brasil como o quinto país que mais contratou no ano passado, entre 44 economias pesquisadas pela Grant Thornton - ao todo, foram entrevistadas 12,5 mil empresas. "O nível de desemprego no Brasil está tão baixo que as empresas estão com dificuldade para contratar mão de obra", afirmou Paulo Sérgio Dortas, sócio diretor da Grant Thornton Brasil.

Entre os motivos que mantêm o mercado de trabalho aquecido, ele cita o fortalecimento das classes emergentes - que mantém a demanda por bens e serviços em alta - e as grandes obras de infraestrutura.

Vale lembrar que a taxa de desocupação atingiu no ano passado o nível mais baixo da história, apesar do crescimento econômico decepcionante - o mercado acredita que Produto Interno Bruto (PIB) tenha crescido apenas 1%. Em dezembro, a desocupação foi de 4,6%, a mais baixa desde março de 2002, quando teve início a nova metodologia da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano, a desocupação média foi de 5,5%.

Em 2012, a maior quantidade de contratações foi na Índia (62%), seguida pela Turquia (60%). Na frente do Brasil, também ficaram dois países latino-americanos: Peru (57%) e Chile (43%). "Peru, Chile e até a Colômbia vêm aparecendo como importantes receptores de investimentos dos estrangeiros. Isso se explica por dois grandes motivos. O primeiro é a estabilidade econômica desses três países: os níveis de inflação estão bem inferiores ao brasileiro, por exemplo. O outro motivo é que alguns desses países estão crescendo num ritmo maior do que o Brasil", disse Dortas. "Isso, de certa forma, é preocupante porque esses países não tinham tradição de aparecer nessas pesquisas", afirmou.

Na parte de baixo da tabela, nenhuma surpresa. As últimas posições foram ocupadas pelos países europeus afetados pela crise: Grécia (-38%) e Espanha (-24%).

Reajuste

A intensa disputa pela mão de obra também deve fazer com que boa parte das empresas brasileiras conceda reajustes acima da inflação na comparação com outros países. Segundo o levantamento, 29% das companhias no País devem dar reajuste real. Esse número só é maior na Tailândia, onde 42% das empresas pretendem conceder ganho acima da inflação. "O Brasil tem uma disputa grande pela mão de obra. Uma parte desse aumento real no salário se justifica pela necessidade de reter o talento. Quando existe uma escassez de mão de obra, há uma tendência de as empresas serem mais agressivas na concessão de aumentos salariais", afirmou Dortas.

A tendência, na avaliação do executivo, é que o mercado de trabalho continue aquecido neste ano, justamente por causa das obras de infraestrutura. "A grande questão que fica é onde é que vamos achar esse povo para trabalhar", disse Dortas, sobre a necessidade de ingresso de mão de obra estrangeira qualificada no País.

A pesquisa também coloca o Brasil como o sexto maior em "otimismo empresarial" para os próximos 12 meses. As empresas que atuam nos países emergentes, porém, demonstram insatisfação com a situação da infraestrutura. Na área de transporte, por exemplo, 26% das empresas no Brasil afirmam que as deficiências do setor prejudicam o crescimento da economia. Esse indicador só é maior na Tailândia (36%), na Índia (39%) e no Vietnã (42%). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A porta aberta


Cláudio Couto: 

Artigo publicado pelo pesquisador do Cepesp Cláudio Couto no caderno Aliás, do jornal O Estado de S. Paulo, em 20 de janeiro.
Há um dito popular segundo o qual o cachorro entrou na igreja porque a porta estava aberta. Pode-se dizer que o mesmo se aplica à proliferação de partidos no Brasil. Não há incentivos institucionais para que os políticos prefiram agregar-se em partidos maiores (e menos numerosos)em vez de ingressar em agremiações menores – por vezes optando por criar as próprias entidades. A coleta de milhares de assinaturas dificulta a criação de novos partidos,mas não é barreira intransponível.
Claro que se pode sugerir que o motivo de o cachorro ter adentrado a igreja é que havia ali algo atraente. Embora isso não tire a importância da porta aberta, ressalta que a mera ausência de impedimentos não é suficiente para acarretar certas ações, sendo necessária também uma motivação. Pois há motivos para que nossos políticos criem, mantenham e se filiem a tantos partidos diferentes, além da mera ausência de impedimentos para fazê-lo.
1) Motivos ideológicos. Políticos podem fundar novos partidos por acreditarem que apenas por meio deles será possível defender determinadas causas, valores e ideias. Essa talvez seja a melhor explicação para a criação do PSOL, dissidência à esquerda do PT. Diante do pragmatismo cada vez maior dos petistas, que abriram mão de diversos pontos de seus programas históricos para governar, algumas de suas alas mais ortodoxas optaram por criar uma nova agremiação. Os custos não são negligenciáveis, algo evidenciado pelo tamanho diminuto do PSOL e pela dificuldade de angariar apoios que permaneceram fiéis ao petismo.
2) Motivos fisiológicos – espaço político. A criação ou a migração para outro partido podem se justificar pela falta de espaço que um político tinha em sua antiga agremiação. Assim, migra-se não em função de mudança ideológica ou desacordo político de fundo, mas porque as ambições são tolhidas. Tais movimentos dos políticos fazem com que a manutenção de várias legendas seja algo viável e rentável,pois sempre haverá quem tenha interesse em mudar de ares. Casos recentes desse tipo de operação foram a idade Agnelo Queiroz do PCdoB para o PT,de Gustavo Fruet do PSDB para o PDT, assim como o ingresso de diversos políticos país afora na nova agremiação criada por Gilberto Kassab, o PSD.
3) Motivos fisiológicos – governismo. A criação ou a manutenção de um partido podem também se justificar porque sua existência facilitará a vida dos que não conseguem permanecer muito tempo na oposição. Novamente, o PSD de Kassab é bom exemplo disso– veja- e o estrago que provocou nas hostes oposicionistas. Da mesma forma, o inchaço que PTB e PL (hoje PR) tiveram durante o primeiro ano de Lula se deveu ao fato de ser em eles um estuário natural da adesão de adesistas natos que se elegeram  por partidos de oposição – PFL (hoje DEM) e PSDB, eles mesmos beneficiários de movimento similar quando FHC governou o país – e não pretendiam ingressar no PT, partido de disciplina interna mais rígida.
4) Motivos fisiológicos – recursos. A criação de um partido pode ser um bom empreendimento.
Há um montante garantido vindo do Fundo Partidário, mesmo que o partido seja bem pequeno. Se a legenda tem a felicidade de eleger alguém para a Câmara dos Deputados, aumenta o valor ganho. Mas a legenda também pode angariar recursos da contribuição de doadores de campanha e filiados, sobretudo os que pretendem se candidatar a alguma posição, mesmo sem chance alguma. Com isso,
os dirigentes partidários (sempre os mesmos) têm seu ganha-pão assegurado, com poucos riscos negociais. Decerto, a maioria dos casos é uma combinação desses vários motivos. O novo partido pretendido por Marina Silva, por exemplo, pode ser entendido como resultante de uma combinação entre os motivos 1 e 2; já o PSD de Kassab é uma misturados motivos 2 e 3 . Os partidos nanicos sem ideologia podem ser enquadrados na motivação 4.  A proliferação de legendas não traz ganho à democracia. Pelo contrário, já que torna o sistema partidário de difícil inteligibilidade para a maioria dos eleitores e dilui responsabilidades.
Isso não significa que o cenário ideal seria um bipartidarismo, já que esse hipersimplifica a disputa, eliminando nuances políticas enriquecedoras e sub-representa preferências eleitorais. Contudo, nem por isso o extremo oposto que temos é o antídoto dessas mazelas. Ele convém aos políticos profissionais sem causas públicas, à busca de ganhos fisiológicos: cada um cria ou ingressa em agremiações nas quais terá maior importância relativa e possibilidades de ganho. Nesse assunto, ao contrário do verificado noutras situações, foi o Congresso que produziu uma reforma política e o Judiciário que a sepultou. Uma cláusula de desempenho eleitoral mínimo vigoraria para as eleições de 2006, tendo até mesmo forçado fusões (como PTB/PSD e PL/PRONA). Ela foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal por alegada inconstitucionalidade. Foi o Judiciário que manteve a porta aberta.

CLÁUDIO GONÇALVES COUTO É CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA FGV-SP.