segunda-feira, 9 de julho de 2012

Ilusão temporal


Fernando Guarnieri e Lara Mesquita - O Estado de S.Paulo

Serra amava Maluf que amava Haddad que amava Erundina que não amava ninguém. Esse tipo de "quadrilha", no sentido da metáfora de Drummond, surge sempre em junho, como as quadrilhas reais das festas de São João, em ano eleitoral. Junho é o mês em que são finalizados os acordos em torno das coligações eleitorais. Do ponto de vista normativo, os partidos deveriam se coligar com aqueles com os quais tenham maior identidade ideológica. Mas na prática a coisa não é bem assim. Existem casos em que partidos com posições opostas no espectro ideológico acabam por se unir, como aconteceu este ano em São Paulo, com o acordo do PT com o PP, seu adversário histórico na cidade.
O que ditaria o ritmo da dança das coligações seria o horário gratuito de propaganda eleitoral na TV e no rádio. Este criaria incentivos para a formação de alianças amplas, o que significa mais exposição do candidato, mas também a possibilidade de maior incoerência ideológica. O horário gratuito é uma fórmula adotada pelos países para tornar a disputa eleitoral mais equilibrada. Ao controlar o tempo à disposição dos partidos para expor seus candidatos e programas o Estado estaria evitando a influência de fatores externos à competição, como o "poder econômico". É assim no Brasil, Argentina, Chile, Reino Unido, França, Alemanha, Austrália, Rússia e em inúmeros outros países.
Em todos, o tempo de TV ou é distribuído igualmente ou depende da força dos partidos em eleições anteriores. No Brasil o critério tem como base a bancada de deputados federais eleita na eleição imediatamente anterior à contenda. Isso vale para todas as disputas, de presidente a vereador, independentemente de o partido ter ou não representação nos Estados e municípios. É um esforço da legislação brasileira de fortalecer os partidos nacionalmente. No entanto, essa intenção acaba criando distorções. Partidos sem expressão local em termos de voto acabam por ter grande influência na eleição pelo fato de ter mais tempo no horário gratuito. O PMDB de Chalita, que elegeu apenas um deputado federal no Estado de São Paulo, é, individualmente, o detentor do segundo maior tempo de propaganda no rádio e TV.
Será essa característica do horário gratuito brasileiro a responsável pela convivência no mesmo ninho de aves de tão diferentes plumagens e colorações ideológicas? Antes de responder, é preciso fazer uma ressalva.
Que as alianças eleitorais não se detêm no mesmo campo ideológico é um fato, mas elas são menos promíscuas do que parecem. O casamento entre PT e PP, por exemplo, já é antigo no plano federal. Desde 2003 o PP faz parte da base de sustentação do governo petista, sendo um dos partidos mais disciplinados da base. Seria muito mais raro, e mais incoerente, encontrarmos o PT coligado com o PSDB ou o DEM.
Voltemos ao impacto do horário gratuito na coerência ideológica das coligações. Pela legislação apenas municípios com emissoras de televisão tem obrigação de transmitir o horário gratuito. No caso da Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, só a capital, Guarulhos e Mogi das Cruzes tiveram acesso ao horário na TV em 2008.
Quando comparamos municípios da Região Metropolitana em que há propaganda eleitoral na TV com municípios vizinhos onde ela não está presente, verificamos que não é o tempo de TV o responsável pela configuração que tomam as coligações eleitorais. Estas são, nos municípios com horário gratuito, muito parecidas com as coligações em locais que não contam com esse recurso. Se não é o tempo de TV, o que as explica? Tudo indica que em São Paulo as coligações reproduzem as estratégias nacionais dos partidos. Em quase todos os municípios da Região Metropolitana de São Paulo dois blocos se enfrentam. Um se forma em torno do PT e outro do PSDB. Nesse sentido, temos em nível local uma reprodução da disputa nacional.
O tempo de TV é importante para vender o peixe do candidato. No caso paulistano, o tempo de TV ajudará a tornar conhecido Fernando Haddad, quadro antigo do partido, mas ainda desconhecido de grande parcela do eleitorado. Quanto mais tempo, mais exposição para Haddad. Entretanto, a necessidade de tornar Haddad mais conhecido não é o único motivo para a al iança. Ela pode significar um aceno aos eleitores mais à direita. Prova disso é o assédio que o PT fez ao recém-lançado PSD, do prefeito Gilberto Kassab, mesmo sem saber se o partido contaria com tempo no horário gratuito, uma vez que ele não disputou a última eleição.
Vimos a mesma coisa nas eleições presidenciais quando o PSDB teve que se aliar ao PFL para vencer em 1994 e o PT teve que se aliar ao PL para vencer em 2002. Não foi só o tempo de TV que contou. Se o eleitor mais à esquerda conseguir assimilar a imagem incômoda de Lula, Maluf e Haddad confraternizando, essa estratégia pode dar certo.
FERNANDO GUARNIERI É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, PESQUISADOR DO CENTRO DE ESTUDOS DA METRÓPOLE (CEM/CEBRAP)
LARA MESQUITA É DOUTORANDA EM CIÊNCIA POLÍTICA NO IESP/UERJ, PESQUISADORA DO CEM/CEBRAP

rendição ao realismo


Renato Lessa - O Estado de S.Paulo
O lendário deputado norte-americano Tip O'Neill, presidente da Casa dos Representantes - a Câmara de Deputados dos EUA - de 1977 a 1987, certa feita pontificou que "toda política é local". Democrata da velha e boa cepa rooseveltiana, hoje, para os padrões da política praticada ao norte do Rio Grande, O'Neill seria considerado um esquerdista ferrenho. Sua frase célebre admite distintas interpretações. Em comentário a uma biografia recente de O'Neill, o ex-governador de Nova York Mario Cuomo definiu a frase "all politics is local" como um motto do velho prócer democrata, falecido em 1994. A frase seria portadora da ideia forte de que o exercício da representação política exige vínculo com os representados e escuta para suas expectativas e apreensões. Em outros termos, o sistema representativo, fundado na necessária distinção entre representantes e representados, só faz sentido se houver vínculos entre ambos, não limitados aos jogos de captura de sufrágio.
Não é, contudo, essa a única maneira possível de entender a sentença de O'Neill. Em registro um tanto cínico, localismo pode significar tão somente precipitação e dissolução da política na pequena guerrilha, na esperteza da pequena área, na adoção de uma subespécie de maquiavelismo de fancaria. Precipitação que acaba por implicar uma continuada ressignificação da política, pela qual a lógica de curto prazo e o apetite infrene apresentam-se como devoradoras de patrimônios políticos e simbólicos duramente construídos. Localismo, nessa chave, não indica apenas escala de intervenção. Tomado em termos geográficos, o localismo é inevitável e não constitui, em si mesmo, um problema. Afinal, há problemas e conflitos que são locais.
Há, contudo, outra dimensão aqui envolvida, que pode ou não coincidir com o localismo geográfico. Trata-se da prática de uma cultura política fundada em um ativismo personalizado, pela qual voluntarismo e genialidade autoatribuída aparecem como o ápice da virtude política. Claro está que a vigência de tal padrão exige a crença na existência de sujeitos extraordinários, com recursos pessoais incomuns de clarividência e senso de oportunidade.
Duas intervenções políticas recentes, ambas sob a forma de visita, do ex-presidente Lula podem ser associadas ao predomínio da pior versão possível do axioma de O'Neill: as visitas ao escritório do ex-ministro Jobim, da qual quase não mais lembramos, e à residência de Paulo Maluf. Em ambas, o caráter de intervenção personalizada e caprichosa, ao contrário de esgotar seus efeitos locais, produz consequências de ordem mais geral.
Na visita ao ex-ministro Jobim, e na semana seguinte à introdução do tema da verdade, em chave maior, no debate público brasileiro - pela implantação da Comissão da Verdade -, o mesmo tema escorre pelo ralo, com a diversidade de versões a respeito do que ali se disse e das motivações dos dois interlocutores envolvidos (o ex-presidente e o ministro Gilmar Mendes). Diante da indeterminação da verdade, recomenda-se a incredulidade e a despresunção generalizada de inocência. Desconfio, contudo, que o ministro Gilmar não tenha se sentido infeliz com os efeitos públicos do evento.
Na visita ao deputado Paulo Maluf, independentemente do resultado líquido do encontro, sua marca, digamos, doutrinária é da lavra do ex-prócer arenista: foi sua doutrina - um tanto surrada, é claro - que parece ter dado sentido doutrinário à coisa, fixada no límpido enunciado: "Não existe mais direita e esquerda". Temo que o efeito da sentença sobre as mentes dos observadores comuns - ressalvo aqui os áulicos e os técnicos - seja semelhante ao da apresentação a estudantes de geometria do conceito de triângulo equilátero. Dir-se-á, tanto diante da sentença malufista, quanto do conceito geométrico, a mesma coisa: "Isso é evidente"; "Assim como um triângulo equilátero possui três lados iguais, não há diferença alguma entre direita e esquerda." Em outros termos, a frase malufista, tal como a demonstração do triângulo, traz consigo, com toda força, seu próprio efeito de verdade.
O que é grave em tudo isso é que não há passagem possível da geometria para a política; na geometria demonstra-se, na política usam-se argumentos. Quando um argumento político ganha foros de evidência geométrica, para além da inautenticidade aí implicada, é de vitória sobre formulações rivais que se trata. Em termos mais diretos, a teoria malufista passa por verdadeira, dada a supressão de alguma possível teoria rival.
A natureza dessa supressão merece atenção. Suspeito de que se trate de um esforço consistente e cumulativo de autossupressão do possíveis versões alternativas ao cinismo da indistinção. Por autossupressão entendo a adoção de um padrão político típico de um estado de natureza, ou, se quisermos, de um grau zero da política, no qual todos se igualam no pior e de modo necessário. A rendição a tal realismo é devoradora, no campo da cultura política, de expectativas e de patrimônios de difícil construção e consolidação, mas de facílima dissipação. Disso sabe bem Paulo Maluf, com razões de sobra para estar feliz.  
RENATO LESSA É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE; INVESTIGADOR ASSOCIADO DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA; DIRETOR PRESIDENTE DO INSTITUTO CIÊNCIA HOJE

Doenças podem ir de problemas de pele até hepatite A


O Estado de S.Paulo
Na Favela do Porto de Areia, caminhões de lixo dificilmente passam para recolher sujeira. Geralmente deixam um rastro pelas ruas, forradas de restos trazidos de toda a cidade. Próximo dali, fica o terreno de um lixão desativado que em 2000 foi classificado como o pior do Estado e desativado quatro anos depois. Apesar disso, chinelo é o calçado mais usado por moradores. A dona de casa Isabel Borges, de 46 anos, afirma que pisou no chão com o pé machucado e teve infecção grave. "Quase morri", há quatro anos vivendo às margens da Lagoa de Carapicuíba.
Segundo o médico infectologista Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as consequências de se morar em locais contaminados são imprevisíveis. "O esgoto pode causar de infecções intestinais a hepatite A", afirma. Além disso, o chorume pode causar problemas de pele e respiratórios, entre outros.
A cidade diz que desenvolve projetos de saúde para tentar minimizar os problemas da população da favela. "A prefeitura de Carapicuíba realiza regularmente ação em saúde para atender famílias que vivem ali, com visitas feitas pela equipe médica (enfermeiros, médicos, dentista, assistentes sociais entre outros), para verificação das condições de saúde da população", afirmou, em nota.
Segundo o município, a maioria das famílias do local foi desapropriada para construção do Rodoanel. "Na época, não houve assistência adequada por parte de Dersa e Prefeitura."
Apesar do atraso na solução habitacional, o projeto da construção de um parque na área já começou. Trata-se de mais uma contrapartida que o governo estadual vai realizar por causa do despejo de lama na área. Depois de pronto, o espaço deve ser administrado pelas mineradoras donas do terreno, com o dinheiro de um centro de logística que será construído na área. / A.R.