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FAREED ZAKARIA - O ESTADO DE S.PAULO
10 Fevereiro 2016 | 08h 05 - Atualizado: 10 Fevereiro 2016 | 08h 05
Em meio à redução do preço do petróleo, as nações produtoras precisam desesperadamente investir em outros setores
Uma das frases mais repisadas da campanha de Donald Trump diz que o acordo nuclear com o Irã foi “terrível”. Começo a me perguntar se será verdade, mas no sentido oposto ao que ele entende. O Irã acabou com um acordo muito pior do que esperava. De fato, Teerã entrou nas negociações na época vertiginosa dos altos preços do petróleo. Como os iranianos estão descobrindo, aqui fora o mundo é bem diferente.
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Tentemos nos colocar no lugar do Irã. A República Islâmica negociou com toda seriedade e acabou assinando um acordo provisório em 2013. Naquele ano, o petróleo estava em torno de US$ 100 o barril. A grande concorrente do Irã, a Arábia Saudita, prosperava, com uma economia que crescera cerca de 6% em 2012. Gastando generosamente interna e externamente, em 2013 seu orçamento cresceu 19%.
Ao mesmo tempo, o Irã estava isolado, com uma economia em declínio. Para Teerã, o prêmio não era o regresso dos seus fundos congelados em bancos na Ásia e na Europa em razão das sanções internacionais (totalizando cerca de US$ 100 bilhões). Era a possibilidade de voltar finalmente aos mercados como o segundo maior produtor de petróleo do Oriente Médio, e de colher os enormes frutos do boom. Em 2010, as autoridades iranianas previam que, até 2015, as receitas do petróleo e do gás do país poderiam chegar a US$ 250 bilhões ao ano. Foi com isso que contaram ao fazer suas concessões.
No mês passado, o petróleo do Irã começou a chegar aos mercados, com preços abaixo de US$ 30 o barril. A Bloomberg News calcula que o país ganha US$ 2,35 bilhões por mês com suas vendas de petróleo. Não é este o prêmio que a República Islâmica esperava por desistir do seu programa nuclear.
Mas provavelmente poderá lidar com a crise do petróleo melhor do que outros países produtores. A economia iraniana diversificou-se até certo ponto, e, graças às sanções, há uma maior flexibilidade tanto na economia quanto na sociedade, como destaca a Moody’s. Não é o que ocorre em muitos outros grandes países que sofrem com a queda dos preços do produto.
Basta ver o vizinho Iraque. Tim Arango, do New York Times, pinta o retrato de um país “envolvido numa guerra dispendiosa contra o Estado Islâmico que atualmente enfrenta a calamidade econômica provocada pelo colapso dos preços, em que desapareceu mais de 90% das receitas do governo iraquiano”. Ele observa que cerca de 8 milhões de iraquianos dependem dos salários do governo, o que representa por volta de US$ 4 bilhões por mês. O total das receitas petrolíferas hoje é inferior a US$ 3 bilhões mensais. Um político de alto escalão do Iraque disse que o país não sobreviverá como nação se os preços do petróleo permanecerem baixos por muito tempo.
Do outro lado do mundo, a Venezuela, por muitos anos mal administrada por Hugo Chávez e seu sucessor, está à beira da insolvência e até pior. A economia encolheu 10% no ano passado. E acredita-se que encolherá mais 8% este ano, enquanto a inflação chega a 720%, digna da República de Weimar, segundo o Fundo Monetário Internacional. Como afirma Matt O’Brien do Washington Post: “A única questão agora é saber quem entrará em colapso antes, o governo da Venezuela ou sua economia”.
Quando perguntaram recentemente o que a mantém acordada à noite, a presidente do FMI, Christine Lagarde, falou dos países produtores de petróleo, como a Nigéria, onde 90% das exportações e 60% da receita do governo provêm das vendas de petróleo. Crescendo na esteira da crise, o Boko Haram, que desbancou o Estado Islâmico como organização terrorista mais sanguinária do mundo, matou 6.644 pessoas em 2014.
Enquanto o governo da Nigéria combate o Boko Haram no norte, enfrenta também a possibilidade de nova violência no sul, no Delta do Níger, onde se encontra grande parte do petróleo do país. No auge da violência, os insurgentes do sul fecharam a metade da produção do petróleo. Os rebeldes acabaram com uma frágil paz e anistia para os insurgentes em 2009. Mas o governo não dispõe dos recursos para cumprir muitas de suas promessas. Agora, talvez acabe lutando contra dois movimentos brutais com a perspectiva de uma divisão do país.
Há outros países produtores, não tão atolados em dificuldades quanto estes, mas a maior parte deles tem problemas. A solução, segundo os economistas, é adotar reformas estruturais, fazer com que a economia não dependa essencialmente dos recursos nacionais, e investir em outros setores e em capital humano. Isso é difícil em qualquer época, mas particularmente quando um país está em queda livre.
De qualquer modo, as nações produtoras de petróleo em todas as partes do mundo têm governos que precisam desesperadamente de dinheiro, quando mais não seja para pagar os salários e atender a obrigações básicas. Isso significa que eles bombearão o máximo de petróleo que puderem, influindo ainda mais na queda da oferta e dos preços. Bem-vindos ao novo mundo do petróleo barato e das políticas precárias. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
*FAREED ZAKARIA É COLUNISTA
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