domingo, 30 de junho de 2013

Sanduíche


30 de junho de 2013 | 2h 15

AMIR KHAIR - O Estado de S.Paulo
O Brasil é a 7.ª economia mundial e ocupa a 85.ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre 187 países. Esse índice procura captar a situação social de cada país, através da média de três fatores: educação (anos médios de estudos), saúde (expectativa de vida) e Produto Interno Bruto per capita.
Essa distorção é caldo de cultura para a elevação da temperatura social que explode nas ruas e praças de todo o País. Tem saída?
Com a explosão social, a pressão por ampliação de atendimento com melhor qualidade nas áreas sociais ganhou relevância no debate público. Aí surge a pergunta: quanto custará isso e de onde sairão os recursos. Tem-se agora um sanduíche a comprimir os governos federal, estadual e municipal, que amargam arrecadação fraca por causa do baixo crescimento, e elevação das despesas de custeio para atender a demanda popular.
Na quinta-feira o jornal Valor Econômico deu em manchete: "Demanda das ruas já tem custo de R$ 115 bi por ano". É uma primeira estimativa de despesas com educação, saúde e transporte coletivo considerando apenas os projetos de lei em discussão no Congresso, que afetam o governo federal, sem considerar os custos para Estados e municípios.
A educação consumiu R$ 90,6 bilhões em 2012, ou 2,06% do PIB, num total de 6,2% do PIB gastos pela União, Estados e municípios. A proposta em discussão prevê atingir 10% do PIB. Caso seja mantida a participação da União de 33,2% na despesa, seriam necessários mais R$ 71 bilhões.
Os Estados e municípios, responsáveis por 66,8% da despesa, teriam de passar dos atuais R$ 182 bilhões para R$ 325 bilhões, com acréscimo de R$ 143 bilhões (!).
Há dois projetos para a área da saúde, que preveem gastar 10% da receita corrente bruta da União. Em 2012, as despesas foram 6,9% dessa receita. Para passar a 10%, seriam necessários mais R$ 40 bilhões. No transporte está previsto, por enquanto, apenas a desoneração do PIS e Cofins dos insumos, principalmente, do diesel para os ônibus e energia elétrica para trens e metrô. Isso daria R$ 4 bilhões por ano.
Resumindo para o governo federal: educação, R$ 71 bilhões; saúde, R$ 40 bilhões; transporte, R$ 4 bilhões. Total: R$ 115 bilhões. Para Estados e municípios, R$ 143 bilhões só para educação.
A área mais nevrálgica e explosiva é a da mobilidade urbana, que piorou sensivelmente devido a: a) estímulo à produção de automóveis via redução do IPI; b) crescimento explosivo da classe média com a política de melhoria na distribuição de renda, especialmente pelo forte crescimento do salário mínimo e; c) congelamento por mais de sete anos nos preços da gasolina, que vem sendo subsidiada pela Petrobrás.
O transporte coletivo foi deixado para segundo plano, pois a visão predominante priorizou o curto prazo para o crescimento econômico, dado o efeito multiplicador elevado da indústria automobilística.
O melhor para o País teria sido priorizar o transporte de massa para desafogar as cidades, acelerar os percursos, reduzir acidentes de trânsito e diminuir a poluição de gases de combustão dos automóveis. A gasolina seria majorada pela Cide Combustíveis, cujos recursos seriam aportados aos investimentos necessários à ampliação dos metrôs, trens e frota de ônibus.
Agora, com toda certeza, os valores para o transporte coletivo para reduzir a tarifa e investir em equipamento e viário urbano deverão alcançar mais de uma centena de bilhão de reais por ano. É a explosão em marcha das despesas de custeio.
De onde sairiam esses recursos? Para educação estão previstos 75% dos royalties do petróleo. Para saúde, 25% desses royalties. Não dá para saber se serão suficientes.
Para o transporte, se não sobrar nada proveniente do petróleo, só vejo a elevação via Cide da gasolina, que foi zerada. É o transporte individual financiando o transporte coletivo.
Fato é que profunda reviravolta irá ocorrer na composição das despesas públicas com avanço principalmente nas despesas de custeio, onde se situa a área social. Os investimentos feitos diretamente pelo setor público, tendem, assim, a recuar.
Novos recursos. Creio que os novos recursos, independentes do petróleo e da Cide, só poderão sair do concurso de três ações: a) redução da Selic para 5%, como nos países emergentes; b) crescimento econômico de 5%, como nos países emergentes e; c) eficaz gestão das despesas públicas. Trato aqui só das duas ações: Selic e crescimento. A gestão, que pode reduzir despesas, será tratada no próximo artigo.
Selic. Devido à Selic muito acima do nível internacional por décadas, tem-se despesa com juros no governo federal de R$ 16 bilhões por mês (média do primeiro trimestre), ou R$ 192 bilhões por ano (!). Isso sem contar o custo de carregamento das reservas internacionais e o rombo causado pela bomba de sucção de dólares como resultado das aplicações dos especuladores internacionais nos títulos do governo federal, agora isentos do IOF. O estrago é monumental!
Defendo a imediata suspensão da emissão de títulos para saldar o déficit fiscal, passando o Tesouro Nacional a demandar ao Banco Central a emissão monetária para isso, como vem fazendo os Estados Unidos, Europa e Japão, entre outros países, que estão injetando liquidez em suas economias para desvalorizar suas moedas e, assim, ganhar musculatura para competir no mercado externo.
A reação imediata a essa proposta é o aumento da inflação. De fato, num primeiro momento, é isso que ocorre, mas a forte disputa internacional, aliada aos altos preços internos, abre espaço suficiente para acomodar a redução em dólares dos bens importados. Quem opera no mercado internacional sabe que os preços se amoldam aos mercados para os quais se destinam.
Vale, ainda, frisar que entre 2011 e 2012 ocorreu desvalorização cambial de 17,4% e a inflação recuou de 6,5% para 5,8%, apesar do choque agrícola, que contaminou o preço dos alimentos. O câmbio já pulou para R$ 2,20, desvalorizando-se 12,2% sobre 2012 e a inflação deve se manter nas vizinhanças de 5,8%.
Crescimento. Nada melhor para as finanças públicas do que o crescimento econômico. É dele que depende a arrecadação pública. Se baixo, como os atuais 2% ao ano, a arrecadação mal acompanha o crescimento do PIB, pois cresce a inadimplência tributária pela piora das finanças das pessoas e das empresas. Com crescimento de 4% a 5%, a arrecadação tende a se situar em dois a três pontos acima do PIB pela redução da inadimplência. Isso pode dar uma arrecadação extra de R$ 50 bilhões por ano.
Tenho dúvida se o governo, em resposta aos novos desafios, consiga se desamarrar da política ultrapassada de se subordinar ao medo do fantasma da inflação, e siga na direção de retomar o crescimento, que é indispensável para manter o bom nível de emprego e de arrecadação, e reduza suas despesas com juros desperdiçados pela alta Selic.
Felizmente tem saída para os desafios postos pela demanda popular, e ela depende exclusivamente de medidas internas, pois potencial para isso tem o País.

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