08 de maio de 2011 | 0h 00
Mac Margolis - O Estado de S.Paulo
Que tal uma casa nova por R$ 486? Parece piada. Nem uma porta decente sai por essa bagatela na maioria dos lugares. Só não conte isso a Vijay Govindarajan e Christian Sarkar. Ano passado, quando a dupla de professores da Escola Tuck, de administração, da Universidade de Dartmouth, lançou em seu blog o desafio de criar uma casa por US$300, a resposta foi impressionante.
Quem encarou o desafio, porém, não foram apenas ordens caridosas, mas dezenas de gabaritados profissionais nas áreas de design, arquitetura e engenharia. Que será que viam nesse concurso de valores tão pífios? A economia de amanhã, afirma Govindarajan.
Nos últimos anos, América Latina comemora a forte queda da pobreza. Graças ao aquecimento das economias e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, milhões de pessoas estão ultrapassando a linha da pobreza. A classe média emergiu e, no seu cangote, seguem as classes de baixo. Melhor para a justiça social e para a economia.
Hoje, as empresas sabem que cidadania dá dinheiro. Há mais de uma década, o indiano C.K. Prahalad apontou para as oportunidades enterradas no fundo da pirâmide.
Os pobres que, se imaginava, possuíam apenas os seus sonhos de fato se revelaram consumidores importantes, engordando, vintém a vintém, os lucros das empresas. Dos sem teto aos sem telefone, tornou-se feroz a disputa por essa nova clientela das classes C, D e E - o "pré-sal" da economia, como diz o economista Marcelo Neri.
Como atender a base da pirâmide sem afundar a empresa? A resposta: inovação frugal. Termo cunhado por Carlos Ghosn, CEO da Renault, a inovação frugal é a arte de fazer mais com menos.
São serviços, máquinas, bens de consumo, até casas que são funcionais, atraentes e fáceis de construir e usar. Inventos resistentes, enfim, que saem a preços módicos.
Nesse quesito, a América Latina tem muito a aprender com a Índia. Com suas poderosas empresas de software e também a miséria abjeta, os indianos aprenderam a navegar entre extremos sociais. Os empreendedores nativos abraçam estratégias inusitadas para cortejar clientes que pouco interessavam à multinacionais ocidentais.
É que, anos atrás, pobres agricultores do Punjab inventaram uma máquina de irrigação móvel, montada sobre rodas, e a batizaram de "Jugaad". A metáfora pegou. Hoje ela significa a arte de improvisar soluções com recursos limitados, uma espécie de quebra-galho sistematizado.
Parece oximoro, mas há diversos exemplos. É o GE MAC 400, aparelho de eletroencefalograma portátil, desenvolvido pela General Electric da Índia, que realiza exames ao custo de US$ 1 por pessoa, já certificado em 113 países.
Há a Godrej Chottukool, uma minigeladeira que usa baterias. Outra é o Swach, um purificador de água que aproveita a energia da casca de arroz, em vez da eletricidade. A fabricante é o Grupo Tata, o mesmo do Nano, carro de US$2 mil, um upgrade do velho riquixá.
A adversidade é a mãe da inovação. Onde não tem banco, clientes recorrem a caixas eletrônicos móveis, dispositivos que cabem na palma da mão e permitem fazer transferências, depósitos e pagamentos - agência bancárias virtuais.
Puxados pela Índia, e agora China, os países emergentes viraram laboratórios de inovação. Das 500 maiores empresas da lista da Fortune, 98 já têm centros de pesquisa e desenvolvimento na China e 63 na Índia. O que levou a inovação aos países do "Sul" foi um forte caldo de cultura e circunstâncias: populações continentais, prioridade para educação (sobretudo tecnológica e científica) e abertura econômica (tardia, mas firme, no caso da Índia).
Na América Latina, a inovação tem seu charme, mas não tantos adeptos. "Apesar de algumas ilhas de excelência, a inovação não aflora na economia brasileira", concluiu, duramente, um estudo da Economist Intelligence Unit.
Parte do problema é o vício educacional, o país que privilegia advogados e médicos em detrimento de engenheiros e cientistas, com consequências para a economia. A Toyota, sozinha, registrou em 2009 mais patentes que todas as empresas do setor privado brasileiro naquele ano.
Clientes em potencial, a América Latina têm. No Brasil, onde 16 milhões moram na miséria, faltam 5,5 milhões de casas. Na Argentina, 2,5 milhões. O déficit habitacional colombiano cresce 140 mil casas por ano. Quem sabe os latinos podem imaginar uma casa de US$300? Quem ganhar o concurso de Dartmouth, que termina dia 31, leva US$ 25 mil - e a senha para a economia do futuro.
É COLUNISTA DO "ESTADO", CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK" NO BRASIL E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM
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