sábado, 2 de janeiro de 2021

Morre Padre Ticão, líder de movimentos sociais na zona leste de SP, FSP

 Cristina Camargo

SÃO PAULO

Líder de movimentos sociais na zona leste de São Paulo, o padre Antonio Luiz Marchioni, conhecido como Padre Ticão, morreu na noite desta sexta-feira (1), aos 68 anos, sendo 48 deles atuando como sacerdote.

Ele era pároco da Paróquia de São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo.

Segundo informações da Diocese de São Miguel Paulista, Padre Ticão foi internado quarta-feira (30) no Hospital Santa Marcelina com água no pulmão. Na sexta sofreu uma parada cardíaca e não resistiu.

Paulista de Urupês (a 421 km da capital), o padre chegou a São Paulo nos anos 1970, após apoiar greves de bóias-frias e de professores na região de Araraquara (SP).

"No interior, me chamavam de comunista", disse ele certa vez em entrevista à Folha.

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Ele tem na biografia ações como a invasão, ao lado de fiéis, do prédio da Secretaria de Estado da Habitação, na década de 1980, para pressionar o então governador Franco Montoro (1983-87) a construir conjuntos habitacionais.

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Padre Ticão no curso sobre maconha medicinal, na Igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, no extremo leste paulistano - Marlene Bergamo/Folhapress

Também foi um dos líderes do movimento pela criação do Parque Dom Paulo Evaristo Arns e do Hospital de Ermelino Matarazzo, ambos na zona leste, além de liderar manifestações pela criação de postos de saúde na região.

Ticão participou da mobilização para a instalação da USP Leste e da Universidade Federal de São Paulo na zona leste. Na região, entre suas obras estão o Centro de Convivência para Melhor Idade e o Centro de Recuperação de Crianças Deficientes.

Recentemente, provocava polémica após criar na paróquia um curso sobre o uso medicinal da maconha em parceria com a Universidade Federal de São Paulo. Afirmava que ela só não é liberada no Brasil devido ao interesse de grandes grupos pelo monopólio.

Em 2019, provocou a fúria de segmentos conservadores ao convidar para uma palestra membros do grupo Católicas pelo Direito de Decidir —apontado como pró-aborto.

O prefeito Bruno Covas (PSDB) lamentou a morte de Ticão dizendo que 2021 começa com uma notícia triste.

"Grande defensor da população mais carente da zona leste de São Paulo. Um guerreiro na luta pela diminuição das desigualdades sociais", disse Covas.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL) também lamentou a morte do religioso, chamado por ela de liderança fundamental da zona leste.

"Sempre em defesa dos direitos humanos, dos oprimidos e das liberdades democráticas, deixará saudades e um legado de generosidade e luta por justiça social", afirmou.

As informações sobre velório e sepultamento ainda não foram divulgadas.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Ainda faltam 17,5 mil horas, Editorial OESP

O Brasil conta as horas para o fim do governo de Jair Bolsonaro. A partir de hoje, quando se completa a primeira metade do mandato, faltarão cerca de 17,5 mil – uma eternidade, considerando-se que se trata do pior governo da história nacional.

Se os dois primeiros anos da gestão de Bolsonaro servem de parâmetro para o que nos aguarda na segunda parte do mandato, o Brasil nada pode esperar senão mais obscurantismo, truculência e incapacidade administrativa, pois essa é a natureza de um governo cujo presidente não se elegeu para governar, e sim para destruir.

Não se tem notícia de que alguma das promessas formais de campanha de Bolsonaro tenha sido cumprida. Ele e seu “superministro” da Economia, Paulo Guedes, passaram quase toda a primeira metade do mandato a anunciar privatizações em massa, desenvolvimento econômico, criação de empregos, modernização do Estado e competitividade internacional. A frustração de todos esses retumbantes compromissos levou o ministro Paulo Guedes a anunciar: “Acabou. Não prometo mais nada”.

Também as alardeadas reformas foram ou esquecidas ou sabotadas por Bolsonaro justamente na época mais propícia para sua aprovação. Somente a reforma da Previdência foi aprovada, mas como resultado do esforço da liderança do Congresso, muitas vezes à revelia do presidente da República. 

Será uma surpresa se a pauta de reformas avançar na segunda metade do mandato, em meio ao previsível clima de campanha eleitoral alimentado pelo próprio presidente. Não há motivo para otimismo – e não há porque Bolsonaro não se mostrou competente nem mesmo para encaminhar as pautas ditas “de costumes”, tão caras ao bolsonarismo. Assim, como se vê, o governo do ex-deputado do baixo clero não se define pela capacidade de formular políticas – qualquer uma –, restando-lhe exclusivamente o discurso ideológico.

Nisso, Bolsonaro foi competente. Durante dois longos anos, conseguiu entreter o País com um misto de violência e escárnio pelas instituições, tão ao gosto de uma parcela reacionária da população para a qual a política não presta e democracia equivale a balbúrdia.

Bolsonaro passou a primeira metade de seu mandato a fazer o elogio do homem medíocre, menosprezando a respeitabilidade e rejeitando qualquer autoridade que não fosse a sua. Elevou a crueldade à categoria de virtude, contrariando valores humanitários, considerados hipócritas por ele e seus devotos. Ao fazê-lo, ofereceu a seus ressentidos eleitores a possibilidade excitante de mudar a história por meio do autoritarismo messiânico de seu “mito”.

Como em todo regime autoritário, programas partidários são irrelevantes – e Bolsonaro nem partido tem. O que interessa é a palavra do “mito”, que muda ao sabor das circunstâncias, tornando irrelevante até mesmo a assinatura de Bolsonaro em leis e decretos que ele não se envergonha de renegar ou esquecer quando lhe é conveniente.

Até aqui, Bolsonaro dedicou-se a criar um discurso em que todos são responsáveis pelos problemas, menos ele. E, como se trata de ideologia, pouco importa se o discurso é baseado em falsas premissas, como quando reitera a mentira segundo a qual não tem responsabilidade no combate à pandemia porque o Judiciário a atribuiu a Estados e municípios. O que importa é disseminar a impressão de que não o deixam governar, numa imensa conspiração.

Para que esse discurso funcione, é preciso desqualificar a imprensa profissional, que trabalha para revelar fatos concretos, e valorizar as redes sociais, que criam “fatos” sob encomenda. É o que Bolsonaro faz a todo momento. Nesse ambiente, todo aquele que é capaz de pensar e questionar torna-se automaticamente suspeito. Nada do que a experiência científica oferece é válido, pois tudo o que é preciso saber será revelado pelo “mito”, de acordo com a lógica de suas, digamos, ideias.

Nas 17,5 mil horas desse pesadelo que ainda temos pela frente, é preciso que a sociedade e as instituições democráticas impeçam Bolsonaro de completar sua obra deletéria. Se não se pode esperar que Bolsonaro se emende, ao menos é possível tentar reduzir os danos de sua catastrófica passagem pelo poder. 

Em 2021, é provável que a Europa veja aparecer insetos em cardápios, João Pereira Coutinho, FSP

 Certo dia, experimentei uma barrinha energética com insetos lá dentro. Explico. Eu não sabia. Eu era mais inocente do que uma criança que acredita no Papai Noel. Mas aceitei a oferta, comi, estranhei e depois perguntei a um amigo o que era aquilo.

“Grilos”, disse ele, com um sorriso mórbido. Foi o que bastou para que as três últimas refeições saíssem do meu corpo a uma velocidade estonteante. Grilos?

Pois é. A revista Economist, todos os finais de ano, publica um número especial só para contar como vão ser os 365 dias seguintes. Por essa altura, eu achava que 2020 tinha dado uma lição a esses profetas. Não deu. A Economist é reincidente.

Algumas previsões não são previsões; são já fatos. Exemplo: seremos vacinados contra a Covid-19 na maior operação médica da história. Novo exemplo: alguns hábitos online adquiridos durante a pandemia —trabalhar em casafazer compras pela internet, usar o Zoom para reuniões etc.— vieram para ficar.

Larvas da start-up francesa Ynsect, que cria insetos para alimentação
Larvas da start-up francesa Ynsect, que cria insetos para alimentação - Ardee Napolitano/Reuters

Mas depois, no meio dos grandes temas, lá vêm os insetos. Não podemos continuar a produzir carne como até aqui. O planeta não aguenta. Donde vamos caçar os nossos amigos que se escondem por baixo da geladeira e fazer um risoto?

Os insetos, informa a revista, são riquíssimos em proteínas, razão pela qual 2 bilhões de pessoas já se entregam a eles.

Infelizmente, o Ocidente resiste: informa a International Platform of Insects for Food and Feed que só 2% dos europeus comeram um burger de larvas ou uma barrinha de grilos em 2019. É manifestamente pouco.

Em 2021, com a introdução de autorizações legais para cada espécie de inseto, é provável que a Europa veja um crescimento exponencial desses petiscos nos seus cardápios.

Imagino: na Itália, haverá pizza Centopiedi; na França, um cassoulet Scarabée; Espanha vai apostar na paella Saltamontes. E o Brasil? Que fará o Brasil quando chegar a sua vez?

O Brasil pode ir ainda mais longe, sobretudo na reinvenção da sua feijoada. Mal posso esperar pelos meus almoços de sábado em São Paulo.

Agora a sério: prometo que farei um esforço para me adaptar aos novos tempos. Se a carne e o peixe caminham lentamente para a clandestinidade, as opções oscilam entre o mercado negro, a fome pura ou a entomologia.

O mercado negro será caro e perigoso. A fome pura é mais barata, sim, mas não é Gandhi quem quer.

Os insetos, pelo menos, estarão um degrau acima do canibalismo, ainda que eu possa hesitar, na hora de verdade, entre uma Joana ou uma joaninha. Ninguém disse que era fácil.

Bom ano, leitor! E, já agora, bom apetite.

João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.