quarta-feira, 30 de setembro de 2020

OTAVIANO HELENE Sobre escolas, exclusão e segregação, FSP

 Perto de 20% das crianças abandonam a escola antes de completar os nove anos do ensino fundamental —obrigatório, por sinal. Até o final do ensino médio, a exclusão já terá atingido cerca de metade dos jovens. Se já hoje não ter completado o ensino fundamental e mesmo o médio é um limitante terrível na luta por empregos e pela inserção na sociedade, que perspectivas terão essas pessoas em um futuro cada vez mais complexo?

Além da exclusão pura e simples, há também o enorme problema da dependência do desempenho estudantil com sua situação socioeconômica. Quinze mil escolas públicas e privadas, cujos estudantes prestaram as provas do Enem, foram classificadas pelo Inep em sete níveis, de acordo com a situação socioeconômica.

O físico nuclear e professor da USP Otaviano Helene, ex-presidente do Inep - Evelson de Freitas - 29.nov.10/Folhapress

Em nenhuma das escolas classificadas entre os três estratos inferiores, sejam elas públicas ou privadas, os estudantes conseguiram uma média superior a 650 pontos em matemática, uma nota de corte típica para cursos com procura intermediária. Nos quarto e quinto grupos socioeconômicos, menos do que 0,1% das escolas superavam aquele limite. Já no sexto grupo, apenas 2% das escolas conseguiram superar aqueles 650 pontos.

A enorme maioria das escolas cujos estudantes atingem aqueles 650 pontos pertence ao sétimo grupo mais bem aquinhoado —aquele cuja renda familiar era de pelo menos dez salários mínimos, contava com empregado doméstico, tinha pelo menos três carros e duas geladeiras e outros indicadores equivalentes. Ou seja, o acesso às carreiras mais competitivas em instituições de ensino superior de qualidade, quer pelos critérios da nota no Enem, quer por vestibulares tradicionais, é coisa existente, como regra, apenas nos grupos economicamente superiores. Quando uma nota de corte perto de 700 é considerada, a situação se mostra ainda mais excludente: fora dos 5% ou 10% mais ricos, praticamente não há chances de sucesso.

Seja pela simples eliminação do sistema escolar —que afeta, repetindo, perto da metade da população jovem antes do final do ensino médio—, seja pela deficiência na formação escolar, o sistema educacional brasileiro exclui grande parte de sua população da oportunidade de uma vida com plenas condições de se inserir na sociedade e, também, de dar sua contribuição à ela na forma de um profissional competente.

Por causa dessas características, o sistema educacional brasileiro está contribuindo para reproduzir no futuro as desigualdades atuais, sejam elas nas diferenças de rendas entre as pessoas, sejam nas diferenças entre as várias regiões do país, de cada estado e de cada município. Nosso sistema educacional é simplesmente excludente e segregacionista.

Além disso, o país não está formando os quadros profissionais de que precisaria para se impor soberanamente entre os demais países. Sobre esse aspecto, vale lembrar que o Brasil, proporcionalmente à população, está próximo da centésima posição no que diz respeito à formação de profissionais em áreas absolutamente estratégicas, quer para o bem-estar da população, como nas áreas de saúde, quer para a produção econômica, no caso das áreas técnicas mais avançadas.

Para superar tal absurda situação é necessário um reforço nos recursos financeiros das escolas públicas, que são as que atendem a enorme maioria dos estudantes, em especial os mais desfavorecidos economicamente, para que possam oferecer oportunidades iguais a todos, independentemente de seus estratos sociais, econômicos e culturais.

Mas, por tudo o que já se escreveu e debateu, e nada mudou, só podemos chegar à conclusão de que essa situação é um projeto de país dos donos do poder. Portanto, só mudaremos esse estado de coisas com muita pressão popular e luta dos trabalhadores, em especial dos trabalhadores da educação, seja em que governo for, pois sabemos que esses poderosos estão acima de qualquer governo.


terça-feira, 29 de setembro de 2020

Tesouro vê dívida pública passar de R$ 4,4 tri, com prazo menor e juros longos mais altos, FSP

 Fábio Pupo

BRASÍLIA

A dívida pública federal aumentou 1,56% e chegou a R$ 4,412 trilhões em agosto. Apesar de certos indicadores mostrarem melhora devido a um ambiente externo mais favorável, o Tesouro Nacional afirma que há incerteza de investidores sobre as contas públicas brasileiras, o que tem limitado os números e pressionado taxas de juros no longo prazo.

“No mercado doméstico, a gente não viu um cenário tão favorável quanto no mercado externo”, afirmou Luis Felipe Vital, coordenador-geral de operações da dívida pública do Tesouro. “A gente viu a curva de juros subir mais uma vez, principalmente nos vértices mais longos. Ou seja, a curva de juros ganhando inclinação, com investidores mostrando maior preocupação com o cenário fiscal”, disse.

O CDS (Credit Default Swap, indicador de risco do país) de 5 anos registrou redução considerada marginal (de 1,3%), ficando em 215 pontos ao fim do mês. Pares emergentes como Colômbia, Chile, Peru e México mostraram uma retração mais forte em agosto, com o CDS em patamar mais baixo.

Em meio ao cenário, os investidores estrangeiros aumentaram a participação na dívida pública federal interna de 9,04% em julho para 9,4% em agosto, após cinco meses seguidos de queda. Apesar disso, o Tesouro vê o movimento como pontual.

“Em momentos em que a taxa de juros, combinada com a taxa de câmbio, atinja níveis mais atrativos, a gente pode ver maior fluxo principalmente daquele investidor com mais flexibilidade”, afirmou Vital.

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“Mas quando a gente olha a figura maior, nos parece uma entrada muito mais pontual, relacionada a taxas, do que um fluxo consistente que já vimos no passado e esperamos ver num futuro próximo. Isso claramente depende do avanço na consolidação fiscal”, disse.

Ao longo de agosto, o Tesouro foi ao mercado e fez uma emissão líquida de R$ 31,9 bilhões. Houve melhora no percentual de vencimentos da dívida total para os próximos 12 meses, que diminuiu de 22,09% em julho para 21,65% em agosto.

Por outro lado, o prazo médio da dívida total caiu de 3,94 anos em julho para 3,9 anos em agosto. Segundo o Tesouro, atualmente há preferência dos investidores por ativos menos arriscados e mais líquidos no mercado doméstico de títulos públicos.

O custo médio acumulado da dívida total nos últimos doze meses caiu de 8,73% ao ano em julho para 8,54% ao ano em agosto.

Na visão do Tesouro, a alta nos juros observada ao longo do mês provocou aumento nas taxas. Mesmo assim, o custo médio seguiu mostrando níveis historicamente baixos, segundo o órgão.

Em relação a setembro, os dados prévios observados pelo Tesouro apontam para um mês marcado pela realização de lucros nos mercados internacionais, após altas sucessivas nos meses anteriores.

A preocupação com a possibilidade de uma segunda onda da Covid-19 na Europa e as eleições nos Estados Unidos levaram a um cenário de maior aversão ao risco. “No mercado doméstico, a curva de juros futuros seguiu ganhando inclinação, refletindo o cenário externo e as discussões sobre a trajetória fiscal no Brasil”, afirma o Tesouro.

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