quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Paulistano gasta em média 2 horas e 42 minutos por dia no trânsito


Mais de sete em cada dez deixariam carro em casa se transporte público fosse melhor, diz pesquisa

16 de setembro de 2010 | 12h 01
     
Gabriel Pinheiro, do estadão.com.br
SÃO PAULO - Quase sete em cada dez paulistanos (68%) avaliam o trânsito em São Paulo como ruim ou péssimo. Em média, o motorista gasta diariamente 2 horas e 42 minutos no deslocamento para todas as suas atividades. As conclusões são da pesquisa "Nossa São Paulo/Ibope - Dia Mundial Sem Carro 2010", divulgada nesta quinta-feira, 16.
O levantamento revela que mais pessoas estão dispostas a usar o transporte público - de 40% registrado em 2009, a proporção neste ano subiu para 52%. Mais gente também está deixando o carro em casa. Entre 2008 e 2010, o porcentual de quem usa o veículo todos ou quase todos dias caiu de 30% para 26%.
Quanto ao transporte coletivo, a maioria dos paulistanos (67%) concorda que o setor deveria receber mais atenção dos governos. Mais de sete em cada dez (76%) se disseram dispostos a deixar de usar o carro caso houvesse uma boa alternativa de transporte público.
Em uma escala de 0 a 10, a nota média dada aos ônibus de São Paulo ficou em 5,5. A lotação dos veículos foi o quesito pior avaliado, com média de 3,4. A proporção dos que acham que aumentou a limpeza e conservação dos coletivos, porém, foi de 16% para 32%.
 Soluções. Para 68% dos entrevistados, a medida mais importante para atenuar os problemas no trânsito em São Paulo é construir ou ampliar linhas de trem e metrô. Já a porcentagem dos que consideram novos corredores de ônibus importantes para diminuir o problema caiu de 45% em 2009 para 42% neste ano.
A construção e ampliação de ciclovias também ganhou força. Mais de nove em cada dez (92%) são favoráveis, enquanto o grupo contrário caiu de 11% para apenas 5%. Por sua vez, o pedágio urbano no centro expandido enfrenta resistência de 78% dos entrevistados.
A quarta edição da pesquisa foi feita pelo Ibope entre 25 e 30 de agosto. Foram ouvidos 805 paulistanos com mais de 16 anos. A margem de erro é de 3 pontos para mais ou para menos.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Como se vai às urnas de lenço no nariz


27 de agosto de 2010 | 10h 19
Marcos Sá Corrêa - O Estado de S. Paulo
Se há uma coisa que não está acontecendo pela primeira vez na história do País é essa mistura de ar seco, horizonte encardido e céu opaco que marca mais uma estiagem como a hora tradicional de botar fogo no mato.
Disso o entomólogo alemão Hermann von Burmeister se queixou há uns 200 anos, em suas viagens de pesquisa pelo interior do Brasil, onde “tamanha era a quantidade de fumaça que, durante dias ou mesmo meses, o Sol ofusca quase totalmente oculto e, se o vemos, ele é vermelho”.
É a mesma fumaça que nos amplia o entardecer com um festival de panoramas alaranjados, para alegria dos fotógrafos. Burmeister, mais crítico, vaiou o espetáculo, resmungando contra esse efeito especial equivalente a enxergar o mundo “através de um vidro enegrecido”, sem contar que, nessas ocasiões, a atmosfera dos trópicos ardia nos olhos, irritava as narinas e inflamava os pulmões.
O que ele viu foi o Brasil crescendo do jeito que sabe. No caso, estava diante de Burmeister a prosperidade do café no Vale do Paraíba, derrubando as florestas para abrir alas a uma festa que durou uma geração, deixando de herança barões falidos, casarões em ruínas e um mar de morros carcomidos que a posteridade até hoje não sabe como consertar.
Nisso, o Brasil está cansado de ter história. O que 2010 registra pela primeira vez nos anais da imprevidência política no País é o encontro das queimadas com uma campanha presidencial em que pelo menos uma candidata, Marina Silva (PV), tenta, em vão, discutir se é isso mesmo que os brasileiros querem daqui para a frente.
Pelo visto, sim. É pelo menos o que as pesquisas andam dizendo. Pobre Marina. Mais sufocante que o ar poluído e seco, só uma eleição conservada em índices tóxicos de pasmaceira conformista. O Brasil vai às urnas em um dos piores ciclos de seu desastroso currículo ambiental. E não está nem aí para isso.
Aos inconformados, como Sérgio Leitão, do Greenpeace, resta apontar a revoada de sinais agourentos em direção a caminhos sem saída. Este foi o ano em que o Código Florestal caiu em desuso, entregue a um Congresso que só ouvia a voz dos pequenos, médios, grandes e enormes agricultores, todos alegando que não dá para sobreviver no campo sem enterrá-lo.
A reforma sequer acabou. E o triunfo do fogo sobre o código mostra em que deu o movimento nacional para malhá-lo ainda em vida.
Na Amazônia, o Imazon contabilizou 37 propostas simultâneas de madeireiros, mineradores, pecuaristas e grileiros em geral para avançar sobre 48 áreas protegidas na região. São quase 50 mil quilômetros quadrados de florestas nesse butim.
Na Bahia, a Bamin, um consórcio de indianos e cazaques, acaba de derrubar os entraves legais ao Porto Sul, um terminal de exportação de minério a se erguer no último trecho do litoral onde a legítima terra do Descobrimento – ou seja, a paisagem original descrita na carta de Caminha – tinha chance de progredir economicamente sem pisar nas próprias cinzas.
Os parques nacionais estão sob ataque na Justiça. O Jardim Botânico acaba de ser deserdado no Rio de Janeiro pela Secretaria do Patrimônio da União, que prefere deixar invasores aboletados no arboreto a reaver seu primeiro laboratório ao ar livre de pesquisa aplicada à conservação.
Isso, claro, numa terra que precisa como nunca formar especialistas em manejo de florestas nativas.
Futuro desolador
E lá vamos nós. Estamos prontos para cutucar o pré-sal com canos enferrujados. Temos cada vez mais projetos de hidrelétricas em bacias fluviais sujeitas a reviravoltas climáticas. Perdemos um século culpando os ingleses que levaram nossos seringais para a Malásia.
E nem notamos que, hoje, o tambaqui da Amazônia já se mudou para a China, que aprendeu antes de nós a cultivá-lo em cativeiro.
Aliás, o Peru é o maior exportador mundial de castanha-do-pará. Aquela que, lá fora, é chamada de “Brazil's nuts”.
Mas nada disso tem a ver com eleição presidencial, não é mesmo?

Uma palavra vale mais que mil palavras




10 de setembro de 2010 | 0h 00
Marcos Sá Corrêa - O Estado de S.Paulo
Sombrio como um túnel de árvores e manso como um igarapé, o Iguaçu nem parece o rio que dali a pouco vai despencar em mais de 200 cachoeiras, por quase três quilômetros de precipícios cavados a prumo no basalto.
Sob as copas, o bote inflável desce devagar. E, menos para empurrá-lo rio abaixo que para manter a sensação de imobilidade, o guia move os remos com a pachorra de quem sabe que, por baixo da superfície mansa e espelhada, a lenta correnteza nos deixará sem falta no porto, antes das corredeiras e quedas.
Ele tem traços indígenas. E se sente notoriamente em casa. Para ele, tudo ao seu redor conserva, ali na margem argentina, o nome que lhe deram os guaranis. E assim ele chama em voz baixa, quase falando sozinho, os yaguás-pindás, guembés, jotes, ñanguapiris ou comadrejas do caminho.
Está falando de trepadeiras, epífitas, urubus e roedores que ali existem - iguaizinhos aos do outro lado, o brasileiro. Mas, assim em guarani, a fauna e a flora soam como invocações de uma floresta mítica, a que existiu ali antes que as últimas sobras da mata nativa se enquadrassem nos estritos limites de dois parques nacionais, entre cidades e fazendas, no trecho final do Iguaçu. São molduras das cataratas.
Antes de chegar a esse ponto, o Iguaçu atravessa mil e tantos quilômetros de afluentes barrentos, comportas de hidrelétricas e bocas de esgoto. Nem parece. Na margem argentina, a curva do rio espalha o leito pela terra adentro, cavando um labirinto meio amazônico de braços, ilhas e praias. O rio passaria por selvagem se as grandes cheias deste ano não tivessem pendurado nos galhos, agora fora do alcance dos mutirões de limpeza, sacos de plástico e tiras de pano, balançando como fantasmas da poluição industrial.
Foi lá que o guia usou, na descrição da paisagem, uma palavra mais ou menos universal: "meandro". Talvez por falta de equivalente em guarani. E, sem saber, citando um clássico do desmatamento. Meandro era, antes de se transformar em substantivo comum, um rio da Anatólia, na Ásia Menor.
Banhou, até cerca de 200 a.C., um berço da civilização. Na bacia do Meandro, os gregos reencontraram os recursos naturais exauridos a oeste pelo apogeu da Idade do Bronze no Mediterrâneo. Era um território de montanhas e florestas. Virou uma região de campos e trigais.
Em aproximadamente 500 anos - ou seja, a idade do Brasil -, o machado e o fogo acabaram com as florestas do Meandro. A fertilidade do solo diminuiu. E o arado colaborou com as enxurradas para levar a terra ao curso do rio.
Tanto sedimento caiu no Meandro que os agricultores, quando perdiam suas propriedades pela erosão, podiam legalmente processar o rio. Pelo menos segundo Strabo, filósofo, geógrafo e incansável andarilho do mundo antigo, que morreu há quase 2 mil anos. John Perlin, historiador contemporâneo, diz coisa pior em A Forest Journey, livro escrito em 1989 e atualizado em 2005.
"No século 5 a.C.", conta Perlin, "o que hoje é o baixo vale do Meandro foi mar aberto". Mios, o porto marítimo da época, fica agora a 25 quilômetros do litoral. Engolido por pântanos, acabou colonizado por mosquitos. E os mosquitos derrotaram os gregos da Anatólia a golpes de malária. É daí que vem "meandro". A palavra pegou. Continua tão viva que está na boca do guia guarani no Iguaçu. Só o seu significado ambiental o mundo fez questão de esquecer.