terça-feira, 1 de julho de 2025

BYD vai inaugurar fábrica na Bahia sem definir produção local de componentes, FSP

 

São Paulo

A chinesa BYD inaugura oficialmente sua fábrica de carros híbridos e elétricos em Camaçari (BA) nesta terça (1º). Por enquanto, apenas o ar que enche os pneus será nacional.

Representantes da montadora confirmaram que, nesta primeira fase, os automóveis virão praticamente prontos da China. É o regime conhecido por SKD, sigla em inglês para semidesmontado. Nesse caso, as carrocerias chegam pintadas, e o veículo vem parcialmente montado, faltando encaixar alguns elementos.

É comum que a primeira fase de um processo produtivo ocorra dessa forma ou no modelo CKD, em que os carros chegam completamente desmontados. Mas, na percepção de associações do setor, a BYD tem dado sinais de que não pretende movimentar o parque de fornecedores instalado no Brasil.

A imagem mostra uma grande área de construção, onde uma fábrica da BYD está sendo erguida. No primeiro plano, há um letreiro da BYD em destaque. Ao fundo, é possível ver a estrutura metálica da fábrica em construção, com várias colunas e vigas visíveis. À esquerda, há um painel informativo em português, que menciona o empreendimento e a importância do projeto. O cenário é de um terreno amplo, com vegetação ao redor e uma estrada que se bifurca.
Construção de galpões da montadora chinesa BYD em Camaçari (BA); empresa ocupa espaço que pertenceu à Ford - Joa Souza - 1.fev.25/Reuters

Cláudio Sahad, presidente do Sindipeças (entidade que representa as fabricantes de componentes), afirmou que, em reuniões com as montadoras BYD e GWM realizadas entre 2023 e 2024, ouviu dos representantes de ambas que havia um comprometimento com a indústria nacional. Hoje, ele vê que foram seguidos caminhos diferentes.

"Qualquer montadora que queira produzir no país e utilizar a cadeia nacional de fornecedores é bem-vinda, e temos que lembrar que todas as fabricantes aqui instaladas vieram de fora. Mas se vierem para cá gerando meia dúzia de empregos, estão dando empregos lá na China", disse Sahad.

Enquanto a GWM avança nas conversas com empresas locais e pretende nacionalizar até as baterias, a BYD segue acelerando a importação e formando grandes estoques no Brasil. No início do ano, solicitou ao governo a redução do Imposto de Importação que incide sobre os regimes de produção SKD e CKD.

Hoje, para veículos híbridos plug-in, o imposto sobre a importação SKD é de 20%, enquanto os carros que chegam sob o regime CKD recolhem 7%. No caso dos 100% elétricos, as alíquotas são de 18% e 5%, respectivamente.

Há, contudo, uma recomposição gradual, da mesma forma como ocorre com os carros eletrificados que chegam prontos ao país. Para travar as futuras altas, a BYD propõe uma redução para 10% no caso dos híbridos e 5% sobre os puramente elétricos tanto no SKD como no CKD.

O pedido piorou a relação com as associações. "Vejo com maus olhos o pleito [da BYD]. Não sou contra esse tipo de montagem, mas acredito que deve haver um pênalti maior a ser pago por isso", disse Igor Calvet, presidente da Anfavea (associação das montadoras), durante entrevista coletiva realizada no início do mês.

Cláudio Sahad, do Sindipeças, atribui o pedido à visão dos chineses sobre a indústria. "Estão acostumados a ter fomentos na matriz e acham que aqui terão o mesmo, mas não é assim. Acredito que o governo brasileiro será responsável e não vai ceder à esse pleito, que é frontalmente contrário à produção nacional e ao emprego."

O engenheiro Cassio Pagliarini, que é sócio da consultoria Bright, diz que a solicitação da BYD pegou o mercado de surpresa. "Eles têm uma capacidade de produção gigantesca na China, por isso compensa importar, mas não é necessariamente bom para o Brasil."

A reportagem entrou em contato com a BYD no dia 9 de junho solicitando entrevista para falar da produção local e do pedido de redução tributária. A assessoria explicou que a agenda do vice-presidente da empresa no Brasil, Alexandre Baldy, estava complicada devido à proximidade da inauguração da fábrica.

O contato foi retomado no dia 16, sem sucesso. Na semana passada, foram enviadas perguntas por mensagem de texto, com a promessa de que seriam respondidas até sexta (27). Na tarde desse dia, a montadora comunicou que não enviaria as respostas..

A BYD tem evitado dar declarações desde o início das investigações por suspeitas de trabalho escravo e tráfico de pessoas na construção da fábrica, conduzida por empresas chinesas terceirizadas. Em maio, o Ministério Público do Trabalho levou o caso à Justiça com uma ação civil pública.

Sobre esse caso, em nota, a companhia afirmou ter um compromisso inegociável com os direitos humanos e trabalhistas, e diz atuar com respeito à legislação brasileira e às normas internacionais de proteção ao trabalho.

Com os resultados obtidos desde que acelerou as importações, a montadora não teria motivos para pressa no processo de nacionalização.

A BYD detém uma fatia de 4,26% do mercado nacional no acumulado de janeiro a maio, período em que emplacou 39,6 mil carros no Brasil, de acordo com dados da Fenabrave (associação dos distribuidores de veículos). No ranking geral, a marca ocupa a oitava posição em vendas, entre as japonesas Honda (4,47% de participação) e Nissan (3,21%).

O resultado se equipara aos números atingidos pela sul-coreana Kia em 2011, que levaram a queixas da Anfavea junto ao governo Dilma Rousseff (PT). Os lamentos foram ouvidos e motivaram a adoção de cotas de importação e sobretaxa no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Agora, contudo, o cenário é outro. Já existe uma fábrica, que vem a ser a unidade desativada da Ford em Camaçari. Em 2022, o processo de aquisição por parte da BYD aproximou a marca chinesa do então governador Rui Costa (PT), que hoje é ministro da Casa Civil.

Ao longo do segundo semestre de 2024, representantes das montadoras se reuniram com o governo para solicitar a recomposição imediata do Imposto de Importação que incide sobre carros eletrificados. Pela regra vigente, a alíquota de 35% só voltará a ser cobrada em julho de 2026. Pessoas presentes nesses encontros afirmaram que Costa se mostrou contrário à mudança.

Como um socialista e muçulmano pode se tornar prefeito de NY?, Juliano Spyer, FSP

 

Juliano Spyer

Misture a articulação de Marçal, o uso competente das redes de Nikolas, conhecimento nativo do TikTok e grandes doses de socialismo.

Em 2010, tive a honra de atuar como comunicador digital na campanha presidencial da hoje ministra Marina Silva. Meu trabalho consistia em acompanhar a candidata e produzir conteúdo digital. Mas ela preferia ser interpelada por repórteres a falar diretamente com sua audiência sobre o que quisesse.

Lembrei dessa experiência ao ouvir a entrevista no Ezra Klein Show com o jornalista Chris Hayes, âncora da MSNBC e autor do livro The Sirens' Call: How Attention Became the World’s Most Endangered Resource (em tradução livre, O chamado das sereias: como a atenção se tornou o recurso mais ameaçado do mundo), sobre a atenção na política.

Um homem de terno cinza está em pé em frente a um microfone, fazendo um discurso. Ele segura um cartaz azul com o nome "ZOHRAN FOR NEW YORK CITY" e o site "ZOHRANFORNYC.COM". Ao fundo, há árvores e um portão de parque, com flores e edifícios visíveis. O homem parece estar gesticulando enquanto fala.
Zohran Mamdani, candidato à prefeitura de NY - Angela Weiss/AFP

Além de estudar como a atenção mudou a partir das mídias digitais, Hayes foi criado no Bronx, o bairro mais barra-pesada e trabalhador dos cinco grandes vizinhanças de Nova York. Isso lhe permite examinar, como eleitor e observador da cidade, a corrida eleitoral que definiu o futuro candidato democrata à prefeitura.

Se você ainda não ouviu falar de Zohran Mamdani vale saber que ele é um imigrante, nascido em Uganda, de origem muçulmana, e venceu a indicação a partir de uma plataforma socialista. (Imagine Nova York, a capital financeira do mundo, sendo administrada por um imigrante, muçulmano e socialista.) É cedo para se falar em um novo Obama?

Entre suas promessas de campanha estavam: transporte público gratuito, creches para todos, moradias a preços acessíveis e a criação de minimercados públicos para vender itens básicos a preços populares. Mas não foi apenas esse programa que transformou um virtual desconhecido no assunto do dia na cidade. Foi sua maneira de se comunicar.

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A disputa pela prefeitura de Nova York, como debatem Klein e Hayes, opôs um político que raciocina a comunicação pela lógica da TV e outro que pensa com a cabeça do digital.

No primeiro caso, pense no presidente Lula que, em vez de usar um celular como todos os outros brasileiros, conta com um fotógrafo premiado a seu lado o tempo todo. No segundo, pense em Pablo Marçal, um comunicador e negociador que fala diretamente com eleitor, a partir do smartphone e das redes sociais.

Uma das técnicas de Marçal era premiar com muito dinheiro quem fizesse o corte de vídeo dele com mais visualizações. Mamdani associou o uso eficiente do vídeo — pense em Nikolas Ferreira — à presença constante nas ruas, interagindo e, principalmente, escutando seu eleitorado.

A questão importante, no caso do Brasil, é que partidos de esquerda, especialmente o PT, ainda dominados por lideranças formadas na política pré-internet, têm sido lentos em identificar e fortalecer seus representantes que entenderam que, neste novo mundo da comunicação política, a atenção não está à venda — ela precisa ser conquistada.

Se eu fosse político, especialmente na esquerda, estaria dissecando essa conversa entre Klein e Hayes, item por item. Tanto pelo aspecto prático — o know-how sobre como fazer comunicação política em tempos de Instagram e TikTok — quanto pelas consequências indesejadas dessas novas práticas.

Penduricalhos inflam salários de juízes e remunerações acima do teto somam R$ 10,5 bilhões em 2024, OESP

 Férias em dobro e amplas folgas; saiba como parlamentares e juízes acumulam tempo de descanso

Capa do video - Férias em dobro e amplas folgas; saiba como parlamentares e juízes acumulam tempo de descanso

Crédito: Larissa Burchard/Estadão

BRASÍLIA — Os pagamentos acima do teto constitucional a juízes somaram R$ 10,5 bilhões em 2024 no Brasil, de acordo com estudo do Movimento Pessoas à Frente. O crescimento foi puxado por verbas indenizatórias conhecidas como “penduricalhos”, que entram no contracheque dos magistrados sem respeitar o limite e sem pagar Imposto de Renda.

Vista da Estátua da Justiça, no Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Vista da Estátua da Justiça, no Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para você

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Os valores pagos em 2024 representam um aumento de 49% em relação ao ano anterior (R$ 7 bilhões). A expansão é dez vezes a inflação no mesmo período, que foi de 4,83% (IPCA). Segundo o estudo, houve uma “corrida” do Judiciário para aumentar privilégios justamente no momento em que o governo e o Congresso discutiam um projeto de lei para limitar os supersalários no funcionalismo público. Os números foram calculados pelo pesquisador Bruno Carazza a partir de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Procurado, o CNJ não se manifestou.

A Constituição determina que nenhum servidor público pode ganhar mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2024, o salário máximo permitido foi de R$ 44.008,52 mensais. Em 2025, o valor subiu para R$ 46.366,19. Juízes, porém, acabam “furando” o teto com verbas que são classificadas como indenizatórias por decisões administrativas a todos os integrantes da categorias e pagas de forma permanente, quando deveriam ser eventuais e transitórias, como remuneração por acúmulo de serviço e auxílio saúde.

Com essa classificação, os magistrados também escapam de pagar Imposto de Renda sobre as verbas. “O pagamento dos supersalários é muito danoso dentro do funcionalismo público. Os servidores devem ser remunerados de acordo com a responsabilidade de suas funções, mas isso deve ser feito pelo valor que é entregue à sociedade”, diz a diretora executivo do movimento, Jessika Moreira. Para ela, o crescimento dos valores repassados não tem conexão com o desempenho dos juízes no serviço. “É puramente privilégio.”

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O contracheque ajuda a explicar o crescimento. Em 2023, os magistrados brasileiros recebiam em média R$ 45 mil por mês. O valor subiu para R$ 54,9 mil em 2024 e chegou a R$ 66,4 mil em 2025. Os juízes passaram a ganhar em média mais que os ministros do STF em setembro de 2022. A diferença está justamente no que é pago acima do teto com os “penduricalhos”. Não há clareza sobre o que é indenizatório e o que é remuneratório e as verbas são classificadas de forma diferente em cada tribunal, o que dificulta a transparência e análise, destaca o estudo.

“As verbas indenizatórias estão muito presentes nessa corrida porque, se não estivessem, os rendimentos não ultrapassariam o limite do STF que é o teto constitucional”, diz Eduardo Couto, líder da área de Conhecimento do movimento que elaborou o estudo. Para ele, as verbas indenizatórias precisam ressarcir despesas eventuais e transitórias e devem ser expressamente autorizadas por lei, e não por medidas administrativas, como acontece hoje. “Não podemos pegar uma verba e pagar mês a mês para um servidor público. É preciso explicar por que ela aconteceu.”

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Em maio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que proíbe todos os tribunais do País de criarem e pagarem novos penduricalhos com efeito retroativo por meio de decisões administrativas. Para os especialistas, porém, o quadro ainda é negativo e é necessário uma lei mais rígida, pois 93% dos juízes ganham acima dos ministros do STF com mais de 3 mil tipos diferentes de verbas pagas no País inteiro.

No ano passado, o governo enviou ao Congresso uma proposta para limitar os supersalários, estabelecendo que os benefícios deveriam ser autorizados por lei complementar. Os parlamentares flexibilizaram a medida, definindo que uma lei ordinária (mais fácil de ser aprovada) vai dizer quais tipos de “penduricalhos” poderão ser excluídos do teto remuneratório.

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O Ministério da Fazenda estuda enviar um novo projeto com a definição das verbas para limitar os pagamentos acima do teto. No Senado, há outra proposta em tramitação, mas o texto acaba criando exceções e fixando uma série de verbas indenizatórias fora do limite, como o pagamento em dobro do adicional de de férias e a gratificação por acúmulo de ofícios.

Câmara criou um grupo de trabalho para elaborar uma proposta própria de reforma administrativa e colocou os supersalários na discussão. “Qualquer reforma sem tocar nisso vai gerar um sentimento de frustração”, afirmou o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do grupo de trabalho, ao Estadão. O relatório deve ser apresentado até o dia 14 de julho.