sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Amor Crônico - Carol Tilkian - Como superar um 'quase algo'

 Me arrisco a dizer que os "amores quase" estão entre os mais desafiadores de superar. Um "amor quase" não é um "quase amor" — pelo contrário, é um amor inteiro, que chega como Caetano sussurrando nos nossos ouvidos: "Sem correr, bem devagar, a felicidade voltou pra mim". Eles trazem para o ordinário uma camada de extraordinário, uma sensação de intimidade súbita, um arrebatamento que contagia a vida de sentido. O imprevisível nos seduz: de repente, descobrimos que não controlamos nada e que o amor pode surgir mesmo em tempos de hiperindividualismo e descompromisso.

Sentimo-nos como se tivéssemos encontrado um portal para outra dimensão de vínculos. "A vida presta!", pensamos, vivendo nosso momento Fernanda Torres. Mas então, de repente, não mais que de repente… os laços afrouxam. Desencontros, timings errados, palavras não ditas. Um amor abortado no início do que pensávamos ser uma gestação promissora (seria mesmo?).

Enquanto não há um ponto final, podemos fantasiar com um recomeço - Adobe Stock

O perverso dos "amores quase" é que eles ficam em suspensão exatamente no auge, no instante em que acreditávamos que voaríamos juntos, confortáveis, cúmplices. Como não vivemos o suficiente com essas pessoas, a competição com os amores vividos é sempre desleal: a história parou antes dos barracos, do desgaste, do desamor. O "quase" carrega a nostalgia do que poderia ter sido e nos alimenta com seus momentos de trocas de intensidade para que tenhamos certeza de que não foi miragem. Talvez só precisemos de tempo. "O sol há de brilhar mais uma vez."

"O real é o possível endurecido", diz Juliano Garcia Peña Pessanha. E, em tempos duros, a fantasia se torna refúgio. Mantemos um baú do tesouro no coração, guardando memórias como chaves que, quem sabe um dia, reabrirão o portal para outra realidade. Estamos resistindo ou nos iludindo?

Curioso perceber que reclamamos do afastamento silencioso, mas nos alimentamos dele. Enquanto não houver um ponto final, ainda podemos fantasiar com um recomeço. E talvez mais do que a pessoa, queremos mesmo é uma relação séria com nossa idealização. Assim, a saudade nos faz companhia — e cultivá-la é manter-se próximo do amado, ou melhor, da nossa versão editada dele. É também uma maneira de dizer para nós e para o mundo: foi breve, mas foi significativo. Como se o tempo da espera e do amor reforçasse a intensidade do vínculo.

Para não encararmos nossos vazios e um presente esvaziado de vínculos e sentidos, preenchemos a vida de esperança rumo a um futuro feliz. Me lembro de Natalia Timerman em "Copo Vazio": "Ele escapou. Mas e se voltasse? Estaria de fato feliz com ele? Perderia a busca".

Gostávamos da pessoa ou da experiência de gostar dela? A psicanálise sugere que, ao nos apaixonarmos, o que está em jogo não é o outro, mas como nos sentimos ao lado dele. Freud discute o amor como uma forma de narcisismo: amamos no outro o que idealizamos ou reconhecemos como parte de nós. Assim, o amor pode ser uma tentativa de completar algo que nos falta. E talvez esse seja o ponto mais cruel dos "amores quase": não sabemos se sentimos falta do outro ou do que ele nos fazia sentir. O amor não realizado tem um brilho que o amor vivido raramente sustenta. E, por isso, permanece.

Não decidimos desistir para não perder. Mas estamos perdendo ao nos manter em suspensão. A dificuldade de abrir mão da fantasia esconde o medo de viver possibilidades reais, incompletas, faltantes.

Mas, antes de superar, precisamos validar esses amores. Sim, eles existiram. Sim, nos atravessaram e são dignos de luto. Chore o fim dos amores abortados, ainda que tenham durado dois encontros ou dois meses. A intensidade do luto não é proporcional ao tempo da história. Vele os sonhos, crie um altar simbólico, faça um ritual de despedida. Há que se honrar os "quases". A história foi linda no tamanho que teve, e talvez seja hora de entender que vivemos um amor "curta-metragem", e não a primeira temporada de uma série romântica.

E entenda: renunciar à espera desse "quase" não é jogar fora as chaves do tal portal. É reconhecer que esses amores quase nos presentearam como lanternas, iluminando traços em nós que há muito não víamos. Ele se foi, mas você fica com sua expansão linda da capacidade de amar, se apaixonar, se entregar, relembrar.

Que possamos encarar nossos vazios e os vestígios desses amores com menos medo. Com doçura, carinho, honrando o que foi, mas nos permitindo seguir adiante.

Se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love . Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Rodrigo Tavares - Os desvarios de Trump já impactam o Brasil, FSP

 Quando Hitler chegou ao poder, desmantelou a ADGB, a maior federação de sindicatos do mundo, que representava milhões de trabalhadores alemães.

Após o golpe de Estado, Pinochet extinguiu organizações de direitos humanos e a Cora, a agência responsável pela reforma agrária.

Em 1926, Mussolini substitui os prefeitos eleitos ("sindacos") por uma rede de acólitos fascistas nomeados por ele.

Regimes autoritários frequentemente desmantelam as instituições públicas que não representam o narcisismo messiânico e ideológico do novo regime, acusando-as de serem ineficientes, dispendiosas ou corruptas. É um primeiro passo na tomada de controle do aparelho do Estado e na degola da liberdade e da democracia.

Trump decidiu paralisar a Usaid, a maior agência do mundo de ajuda pública ao desenvolvimento e cooperação internacional, criada em 1961. Os EUA são o maior doador internacional (US$ 65 bilhões em 2023), seguidos, com muito espaçamento, por Alemanha, União Europeia e Japão. Cerca de 30% de todos os recursos financeiros aplicados por países em programas internacionais de desenvolvimento socioambiental tem impressões digitais americanas. A Usaid opera em 130 países com 1% do orçamento federal.

Jeremy Konyndyk, ex-diretor do Escritório de Assistência a Desastres Estrangeiros da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) fala sobre o fechamento da agência em frente ao Capitólio - Chip Somodevilla/Getty Images via AFP

Trump afirmou que a agência é liderada por "um bando de lunáticos radicais", e Musk escreveu que a Usaid é um "ninho de víboras marxistas radicais de esquerda que odeiam os Estados Unidos" e a classificou como uma "organização criminosa". "É hora de ela morrer", sentenciou.

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Empresas terceirizadas pela Usaid tiveram os seus contratos anulados e os empregados da agência foram colocados em licença administrativa e obrigados a regressar a casa. A sede em Washington está fechada, tal como o website. O ambiente é de repressão, patrulhamento e medo.

Nos últimos dias, contatei nove funcionários da Usaid por e-mail, telefone e WhatsApp, incluindo o diretor da agência no Brasil, Mark Carrato. Ou não responderam ou informarem que não queriam falar.

No Brasil, a Usaid desenvolve um longo cardápio de programas de apoio, focado na prevenção de incêndios florestais, no combate a crimes ambientais, na inclusão, na igualdade de gênero e no turismo sustentável. No início do ano, a agência lançou uma nova política de promoção global da biodiversidade que tinha o Brasil como carro-chefe.

A Usaid trabalha em todos os estados da Amazônia Legal. Em 2023, foram realizadas atividades em 170 áreas protegidas, inclusive treinamento para mais de 13 mil pessoas. O seu trabalho melhorou práticas de gestão florestal em um território amazônico de 48 milhões de hectares. Funai, Ibama, ABC, ministérios da Saúde e do Meio Ambiente e dezenas de outros organismos públicos brasileiros são parceiros da agência americana. Em maio de 2024, a Usaid mobilizou milhões em apoio às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.

Protesto em frente ao Capitólio (Washington) contra o fechamento da Usaid - Chip Somodevilla/Getty Images via AFP

Se Trump concretizar a sua vontade, o trabalho da Usaid no Brasil será encerrado. Como reagirá o governo brasileiro?

Poderá retaliar. O Brasil apoia várias iniciativas e agências federais norte-americanas em áreas como educação, cultura, defesa, meteorologia, combate ao tráfico de drogas, meio ambiente, energia, saúde, agricultura, ciência e tecnologia. Nem todos esses programas de cooperação beneficiam apenas o Brasil.

O país também poderá ser criativo. Em 2019, em meio ao autoritarismo do governo Bolsonaro e ao cerceamento das políticas ambientais, a Usaid conseguiu inteligentemente firmar um acordo com o Ministério do Meio Ambiente de Ricardo Salles para promover a biodiversidade na Amazônia e lançar o Amazon Biodiversity Fund (ABF), o primeiro fundo de investimento de impacto voltado para negócios sustentáveis na Amazônia. Furou o bloqueio.

Agora, o governo brasileiro poderá também apresentar iniciativas de cooperação em democracia diante do autoritarismo de Trump. A tecnologia eleitoral brasileira, por exemplo, é muito mais sofisticada que a norte-americana. Os EUA ainda votam arcaicamente com papel e caneta.

A terceira alternativa é ficar calado.

Rosana Hermann - Sabe o que é mais surpreendente na demissão de Bocardi?, F5

 

Um homem está posando para a câmera em um estúdio de rádio. Ele usa óculos e uma camisa azul escura. O microfone próximo a ele tem um logotipo vermelho com a inscrição 'CBN'. Ao fundo, é possível ver uma iluminação suave e parte do estúdio.
O jornalista Rodrigo Bocardi - @rodrigobocardi no Instagram
São Paulo

O jornalista Daniel Castro publicou uma apuração bombástica nesta quarta-feira (5) sobre a demissão do jornalista Rodrigo Bocardi. A notícia traz as acusações que causaram a demissão do jornalista por justa causa: "Bocardi foi acusado de cobrar de empresas de ônibus, coleta de lixo e de obras públicas para não criticá-las no ar".

O texto segue dizendo que Bocardi nega as acusações e se prepara para processar a Globo. Como era de se esperar, diante da gravidade das suspeitas, o "chá de revelação das acusações" ficou em primeiro lugar entre as mais lidas do portal UOL.

O assunto da quebra da ética profissional rodou todas as conversas em grupos de WhatsApp e redes sociais. Muitos lembraram de outros momentos infelizes do apresentador, alguns bem tolos, outros mais sérios.

Em 2017, por exemplo, Bocardi foi criticado por associar o uso de uma cebola que não provoca lágrimas exclusivamente às donas de casa, o que levou a pedidos de desculpas públicas.

Em 2019, ele fez outro comentário considerado machista ao sugerir que uma capivara fêmea estava "apreciando" roupas em uma loja. A colega de bancada, Gloria Vanique, rebateu o comentário ao vivo, chamando a atenção para o tom inadequado. Mas não foi nada grave.

Em 2020, o problema foi bem mais sério: o jornalista foi acusado de racismo por perguntar a um jovem atleta negro se ele estava indo ao Clube Pinheiros para "pegar bolinhas de tênis", referindo-se aos gandulas do clube.

O jovem, na verdade, era atleta de polo aquático. O comentário gerou grande repercussão e críticas nas redes sociais, levando Bocardi a se defender publicamente, alegando que confundiu o uniforme do atleta com o dos gandulas. O público nunca esqueceu. O vídeo desse momento constrangedor, para dizer o mínimo, voltou às redes após a demissão.

É comum que qualquer profissional que tenha uma carreira na televisão tenha admiradores e detratores, fãs que gostam do trabalho e críticos que apontam seus defeitos. Com Bocardi não foi diferente. Mas nada do que foi dito ou publicado foi tão surpreendente quanto um detalhe que passou despercebido: o silêncio dos colegas.

Não teve um jornalista que saísse em defesa de Bocardi. Nem na Globo nem em outras emissoras, nem na rádio onde trabalhava. Ninguém. Ao contrário. Em conversas privadas, as críticas eram unânimes. Palavras como "arrogante", "desagradável" e "deselegante" eram sempre repetidas para descrevê-lo.

Bocardi disse que recebeu convites de outras emissoras e que logo estaria de volta ao ar. Um jornalista amigo, porém, disse em off que, embora uma das negociações já estivesse adiantada, a publicação da matéria de Daniel Castro mudaria provavelmente os rumos desse contrato.

Ainda vamos ver muitos desdobramentos desse episódio. Mas, por enquanto, fica aquela lição: cada pessoa sempre tem duas chances de dar alegria aos outros: quando chega ou quando vai embora.

A escolha é de cada um.