sexta-feira, 7 de junho de 2024

Baterias de carros elétricos podem reduzir despesas e ajudar rede de energia, FSP

 

Jack Ewing
MUNIQUE e NOVA YORK | THE NEW YORK TIMES

Carros elétricos são mais caros do que modelos a gasolina principalmente porque as baterias não são nada baratas. Mas uma nova tecnologia poderia transformar esses dispositivos caros em um ativo, dando aos proprietários benefícios como contas de luz e aluguel reduzidos ou estacionamento gratuito.

Ford, General Motors, BMW e outras montadoras estão explorando como as baterias de carros elétricos poderiam ser usadas para armazenar energia renovável excedente para ajudar as concessionárias a lidar com as flutuações na oferta e demanda de energia.

Já as montadoras ganhariam dinheiro atuando como intermediárias entre os proprietários de carros e os fornecedores de energia.

Pátio com carros da Tesla na Califórnia - Stephen Lam - 22.jun.2018/Reuters

Milhões de carros poderiam ser considerados como um enorme sistema de energia que, pela primeira vez, estará conectado a outro enorme sistema de energia, a rede elétrica, disse Matthias Preindl, professor associado de sistemas eletrônicos na Universidade de Columbia.

"Estamos apenas no ponto de partida", disse Preindl. "Eles interagirão mais no futuro e podem potencialmente se apoiar mutuamente —ou pressionar um ao outro."

Uma grande tela plana na parede dos escritórios de Munique da Mobility House, uma empresa cujos investidores incluem a Mercedes-Benz e a Renault, ilustra uma maneira pela qual as montadoras poderiam lucrar enquanto ajudam a estabilizar a rede.

Os gráficos e números na tela fornecem uma imagem em tempo real de um mercado de energia europeu onde investidores e concessionárias compram e vendem eletricidade. O preço muda de minuto a minuto à medida que a oferta e a demanda aumentam ou diminuem.

A Mobility House compra energia quando a energia solar e eólica é abundante e barata, armazenando-a em veículos elétricos que fazem parte de seu sistema e estão conectados em toda a Europa. Quando a demanda e os preços sobem, a empresa revende a eletricidade. É um jogo clássico: comprar barato, vender caro.

Integrantes dos setores automobilístico e de energia têm conversado há anos sobre o uso de baterias de carros para armazenamento na rede. À medida que o número de carros elétricos nas estradas aumenta, essas ideias estão se tornando mais tangíveis.

A francesa Renault está oferecendo a tecnologia da Mobility House para compradores de seu carro compacto elétrico R5, para o qual a empresa começou a aceitar pedidos no mês passado.

O carro, que a Renault começará a entregar em dezembro, tem preço inicial de 29.490 euros (cerca de R$ 170 mil) na França.

Os compradores que optarem pelo serviço receberão um carregador residencial gratuito e assinarão um contrato permitindo que a Renault retire energia dos veículos quando estiverem conectados.

Os proprietários do R5 poderão controlar quanto de energia devolvem à rede e quando. Em troca, terão um desconto em suas contas de luz.

"Quanto mais conectam, mais eles ganham", disse Ziad Dagher, executivo da Renault responsável pelo programa. A Renault estima que os participantes poderiam reduzir em 50% suas contas de luz.

A Renault, que oferecerá a tecnologia na França antes de lançá-la na Alemanha, Reino Unido e outros países, receberá parte do lucro que a Mobility House gera com a negociação de energia.

Se tais serviços se mostrarem bem-sucedidos, o argumento financeiro para veículos elétricos, uma ferramenta importante contra as mudanças climáticas, se tornará mais forte.

"Isso realmente impulsionaria a adoção de veículos elétricos", disse Adam Langton, executivo da BMW que trabalha em assuntos de energia.

A BMW já oferece um software que permite aos proprietários carregar seus carros elétricos quando a energia renovável é mais abundante. Isso permite à empresa ganhar créditos de carbono e pagar aos clientes que participam do programa.

Uma nova geração de veículos elétricos que a BMW começará a vender no próximo ano, conhecida como Neue Klasse, terá a chamada capacidade bidirecional, o que significa que os carros poderão receber eletricidade da rede e devolvê-la, além de usar a energia para alimentar seus motores.

A Ford foi pioneira no carregamento bidirecional com a picape F-150 Lightning, que pode fornecer energia para uma casa durante um apagão.

General Motors, Hyundai e Volkswagen também oferecem ou planejam oferecer carros com carregamento bidirecional. À medida que tais veículos se tornam mais comuns, o potencial de armazenamento pode ser enorme.

Até o final da década, estima-se que 30 milhões de veículos elétricos poderiam estar nas estradas dos Estados Unidos, ante cerca de 3 milhões atualmente. Todos esses carros poderiam armazenar energia equivalente a um dia de produção de dezenas de usinas nucleares.

Mas é claro que esses milhões de carros também podem sobrecarregar a rede, que já está recebendo uma demanda crescente de bombas de calor e data centers, disse Aseem Kapur, diretor de receitas da GM Energy, uma unidade da General Motors que fornece serviços aos proprietários de carros elétricos.

Ao ajudar a suavizar a demanda, "os veículos podem ser um recurso significativo", disse. Mas alguns problemas precisam ser resolvidos antes que essa visão possa ser realizada.

Os proprietários podem não estar ansiosos para que seus carros sirvam à rede elétrica porque estão preocupados que a carga e descarga constantes desgastem suas baterias mais rapidamente. Alguns especialistas em energia disseram que a degradação seria insignificante, especialmente se as concessionárias utilizassem apenas uma pequena fração da capacidade de uma bateria.

A Renault está lidando com esse problema oferecendo aos participantes de seu programa de armazenamento de energia a mesma garantia de oito anos ou 160 mil quilômetros que as pessoas que não participam recebem.

Outro desafio é que algumas concessionárias dos EUA e os reguladores estaduais que as supervisionam preferem operar redes centralizadas nas quais a energia flui quase que inteiramente em uma direção —das usinas para as residências e empresas.

Para superar a resistência das concessionárias, Maryland adotou uma lei no mês passado que exige que elas acomodem esquemas de carregamento bidirecional e forneçam incentivos financeiros.

Há um reconhecimento crescente de que as baterias de veículos elétricos são investimentos valiosos que a maioria dos proprietários usará ativamente por apenas algumas horas por dia.

"Queremos desbloquear o valor total das baterias de veículos elétricos", disse Gregor Hintler, CEO da Mobility House para a América do Norte.

Se todos os carros elétricos da cidade de Nova York fossem usados como armazenamento, Preindl disse que "esses veículos seriam de longe a usina de energia mais valiosa na cidade".

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Plano Real marcou história, mas não foi vitória definitiva contra a inflação, diz Pedro Malan, FSP

 Stéfanie Rigamonti

SÃO PAULO

Participante do núcleo duro criado para combater a hiperinflação no início da década de 1990, o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Pedro Malan disse nesta quinta-feira (6) que o Plano Real marcou história, mas não representou uma vitória definitiva contra o descontrole de preços.

Em julho, o plano implementado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso completa 30 anos. Durante evento em São Paulo organizado pela B3 e pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), Malan e o ex-presidente do BC Gustavo Franco relembraram os bastidores daquele marco da história brasileira.

Logo no início de sua fala, Malan relembrou outros instrumentos implementados nos anos seguintes ao Plano Real, que foram importantes no controle dos preços, como o câmbio flutuante, o regime de metas de inflação e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Pedro Malan e Fernando Henrique Cardoso durante o lancamento do livro "Uma certa ideia de Brasil: entre passado e futuro", de Malan
Pedro Malan e Fernando Henrique Cardoso durante o lancamento do livro "Uma certa ideia de Brasil: entre passado e futuro", de Malan - Marcus Leoni/Folhapress

"Não foi uma operação milagrosa em 400 dias, entre a entrada de Fernando Henrique na Fazenda em maio de 1993 e o lançamento do Real em 1º julho de 1994", disse. "Foram 400 dias que foram um divisor de águas, que marcaram a história do Brasil, mas não representaram uma vitória definitiva contra a inflação", acrescentou.

"Teve uma longa jornada não trivial nos meses e anos que se seguiram", afirmou em outro momento de sua fala.

Segundo Malan, várias medidas tiveram de ser implementadas para consolidar a ideia de que o Brasil tinha condições de conviver com uma inflação que preservasse o poder de compra na moeda nacional.

O ex-ministro citou como exemplo o Plano de Ação Imediata, que surgiu antes do lançamento do Real e que buscava reorganizar as contas públicas. Ou seja, o Plano Real começou com uma espécie de ajuste fiscal.

Malan lembrou das dificuldades que o Brasil tinha em reconhecer que convivia com uma hiperinflação, tema sensível para os brasileiros.

Segundo ele, durante as três décadas que seguiram do início de 1960 ao começo de 1990, o país foi recordista mundial de inflação. Junto ao Brasil estavam somente Rússia (recém-saída da União Soviética), Ucrânia e Congo.

Apesar de Malan ter dito que a operação em si do lançamento do Real não foi um milagre sozinho, Gustavo Franco, que também fez parte daquele núcleo duro de combate à hiperinflação, diz que, dada a realidade dos interesses em Brasília, o que Fernando Henrique Cardoso fez na época foi milagroso.

"Se a gente fosse dizer, em 1994, que em quatro anos íamos trazer a inflação de 2.500% para 1,6%, seríamos recebidos com uma gargalhada", diz.

"A agenda de consolidação fiscal é complicada em Brasília. O Fernando Henrique foi para nós um milagre", afirma. "Não temos mais essa capacidade de articulação em Brasília", completa.

Apesar disso, Franco diz que o país tem mais condições de resolver essa questão hoje do que tinha naquele momento.

"O bom comportamento fiscal pode trazer taxas de juros menores e criação de riquezas", disse em referência ao fato de o governo atual focar suas ações olhando apenas para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).

Para Malan, o Plano Real trouxe lições importante para os governos atuais nesse sentido. Segundo ele, é preciso liderança política para o governante formar ao redor de si uma equipe com pessoas que estejam entrosadas e que não queiram competir entre elas.

Ele defendeu que a agenda fiscal seja perseguida em algum momento e lembrou que, diferentemente de medidas implementadas no passado —como as metas de inflação e o regime de câmbio flutuante, que são fixos e que para serem mudados é necessária a aprovação de uma nova política—, o regime fiscal não traz clareza para além do horizonte do governo da vez. "Estamos devendo isso ainda".

Ele criticou o fato de o governo brasileiro ainda conviver com despesas obrigatórias que comem mais de 90% do orçamento total do país, o que engessa o controle das contas públicas.