quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Soltura automática? O que pode acontecer com presos se STF liberar porte de drogas, FSP

Mariana Schreiber
BBC NEWS BRASIL

Após oito anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para esta quarta-feira (2/8) a retomada de um julgamento que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo.

A ação não trata da venda de drogas, que continuará ilegal qualquer que seja o resultado.

O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006, com a sanção da atual Lei de Drogas.

Mão segura cigarro de maconha
O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006 - Getty Images

Caso a descriminalização seja aprovada no STF, a pessoa que portar entorpecentes para consumo próprio não poderá mais ser submetida a outras punições atualmente em vigor, como prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programa ou curso educativo, nem terá um registro na sua ficha criminal.

Apesar disso, estudiosos do tema afirmam que esse julgamento pode ter o impacto de reduzir o número de pessoas presas no país, caso a decisão do STF permita libertar pessoas que estariam, ao seu ver, erroneamente encarceradas por tráfico de drogas.

Para que isso ocorra, dizem, seria necessário que a Corte estabelecesse parâmetros objetivos para diferenciar qual a quantidade de drogas deve ser considerada voltada para consumo e qual deve ser enquadrada como tráfico.

Defensores da medida, como a associação que representa os peritos da Polícia Federal (APCF) e integrantes da Procuradoria-Geral da República, afirmam que a falta de parâmetros objetivos para que policiais, promotores e juízes diferenciem o consumo da venda faz com que muitas pessoas detidas no país com pequenas quantidades de maconha ou cocaína, por exemplo, acabem presas pelo crime de tráfico.

No entanto, há organizações que estão participando do processo que duvidam deste efeito porque discordam da avaliação de que pessoas estejam sendo presas por tráfico equivocadamente.

Quando o julgamento foi iniciado, em 2015, três ministros decidiram a favor da descriminalização do porte para consumo, mas apenas Gilmar Mendes votou pela liberação para qualquer tipo de droga, enquanto Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram para restringir a medida à maconha, por considerarem uma droga mais leve.

Barroso foi o único que, até o momento, defendeu a fixação de parâmetros de quantidade. Na sua visão, pode ser considerado usuário quem estiver com até 25 gramas de maconha ou que cultivar até seis plantas cannabis fêmeas para consumo próprio.

O ministro ressaltou, porém, que essas quantidades são uma referência básica, podendo o juiz considerar o indivíduo como usuário, mesmo que esteja com quantidade maior, ou ainda enquadrá-lo como traficante, mesmo que tenha quantidade menor, desde que outros elementos corroborem o crime de tráfico, como apreensão de armas ou balança para pesar drogas, por exemplo.

'NÃO HAVERÁ SOLTURA AUTOMÁTICA DE PRESOS'

Há mais de 180 mil pessoas presas hoje no país por tráfico de drogas. A quantidade de presos que seria eventualmente beneficiada por uma decisão neste julgamento dependerá de a maioria do STF concordar com a fixação de parâmetros que diferenciem consumo e tráfico e de quais seriam os parâmetros adotados.

No entanto, nenhuma decisão do Supremo levaria a uma liberação automática de presos, explica a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen à BBC News Brasil.

Cada pessoa detida pelo crime de tráfico de drogas e potencialmente impactada pelo julgamento, ressalta, teria que apresentar um recurso à Justiça solicitando a revisão de sua pena.

Gilmar Mendes
Em 2015, apenas Gilmar Mendes votou pela liberação para qualquer tipo de droga - Getty Images

"Se o Supremo decidir que até determinada quantidade não é tráfico de drogas, o que vai acontecer é que, nos casos em que houver pequena quantidade [de droga apreendida], as defesas vão arguir que aquilo não seria crime. E isso vai ser analisado caso a caso. Então, será um impacto de médio prazo", afirma.

"O efeito mais imediato é que pessoas com pequenas quantidades não seriam mais presas e processadas, se não estiverem presentes outros elementos que denotem tráfico, como por exemplo, anotações de contabilidade [da venda de drogas], a balança [usada para pesar a droga vendida], o dinheiro, a arma, a munição", acrescenta.

Uma fixação de parâmetros nas condições propostas por Barroso é apoiada também pela associação que representa os peritos da Polícia Federal (APCF).

A instituição não se posiciona a favor ou contra a descriminalização do porte para consumo, mas defende que, independentemente do que for decidido nesse ponto, o Supremo estabeleça parâmetros para diferenciar o usuário do traficante.

Segundo Davi Ory, advogado que representa a associação, a APCF avalia que "o principal fator para o aumento do encarceramento foi a adoção de critérios subjetivos demasiadamente amplos e que transferiram à estrutura do Poder Judiciário o ônus de definição de quem seria usuário e traficante tendo por base 'as circunstâncias sociais e pessoais', bem como o 'local e condições em que se desenvolveu a ação'".

Isso, ressalta, estaria gerando prisões indevidas, principalmente, de pessoas negras e pobres.

Já o advogado Cid Vieira, que representa a Federação Amor Exigente no julgamento do STF, questiona o impacto do julgamento na redução dos presos.

A organização, que atua como apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos, foi uma das instituições aceitas pelo Supremo para atuar no julgamento como amicus curiae (colaborador da Justiça que detém algum interesse social no caso mas não está vinculado diretamente ao resultado).

"Eu não tenho notícia que dependente químico esteja preso. O artigo 28 da atual legislação de drogas não prevê a prisão daqueles que sejam surpreendidos com posse de droga para consumo pessoal. É uma colocação que não existe. Não é sob esse aspecto que as prisões vão estar mais lotadas ou não", afirmou Vieira, que conversou em maio com a BBC News Brasil.

PRESOS POR TRÁFICO SÃO MAIS DE 25% DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Estudos indicam, no entanto, que a atual Lei de Drogas, sancionada em 2006 por Lula, contribuiu para o aumento do número de pessoas presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas.

Essa lei acabou com a pena de prisão para usuários e aumentou a punição para traficantes. A expectativa era que isso reduziria o número de prisões, mas o efeito foi o oposto, afirma o advogado Pierpaolo Bottini, que era secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça naquela época.

"A impressão que se tinha é que isso ia desencarcerar, porque as pessoas que estavam presas por uso iam sair [da prisão]. Mas acabou aumentando o encarceramento porque justamente as autoridades policiais acabaram jogando tudo para o tráfico, então acabou tendo efeito absolutamente inverso", disse em entrevista à BBC News Brasil em maio.

Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, quase 28% da população carcerária no país está presa por crimes previstos na Lei de Drogas.

No caso das prisões estaduais, por exemplo, onde havia um total de 659.351 pessoas detidas provisoriamente ou condenadas no primeiro semestres de 2022 (dado mais recente), 182.958 estavam presas por esse tipo de delito, 27,75% do total.

Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou uma amostra dos processos julgados na primeira instância judicial de todo o país no primeiro semestre de 2019, estimou que 58,7% dos réus que respondiam por tráfico de maconha portavam até 150 gramas. E apenas 11,1% levavam mais de dois quilos da droga.

Uma análise semelhante dos réus em processos por tráfico de cocaína identificou que 62,3% dos processos se referem a 100 gramas ou menos, enquanto 6,8% dos casos tratavam de apreensões de mais de um quilo.

Preso em cela escura
Quase 28% da população carcerária no Brasil está presa por crimes previstos na Lei de Drogas - Getty Images

LIMITE DE 25 GRAMAS PODERIA IMPACTAR 27% DOS CONDENADOS POR TRÁFICO DE MACONHA, ESTIMA IPEA

Esse mesmo estudo estimou quantas pessoas condenadas por tráfico de maconha ou cocaína poderiam ter sua pena revista caso fossem fixadas quantidades máximas de porte para consumo dessas drogas.

Foram analisados processos de 5.121 réus por tráfico de drogas julgados na primeira instância judicial no primeiro semestre de 2019, uma amostra representativa do total de pessoas presas por esse crime no país.

A conclusão do estudo do Ipea foi que se o parâmetro proposto por Barroso (25 gramas de maconha) fosse adotado, por exemplo, 27% dos condenados por tráfico de maconha poderiam ter sua pena revista.

Se fosse adotada uma quantidade de 40 gramas de limite para consumo, 33% dos condenados poderiam ser impactados.

Por outro lado, se o parâmetro fosse fixado em 100 gramas, quase metade (48% dos condenados) poderia ter a revisão de pena.

Os cenários testados pelo Ipea levaram em conta três opções de parâmetros propostos em uma nota técnica do Instituto Igarapé, de 2015, que analisou pesquisas sobre uso de drogas no Brasil e experiências internacionais de fixação de quantidades para diferenciar tráfico e consumo.

No caso da cocaína, 31% dos condenados por tráficos poderiam ter sua pena revista caso o STF fixasse um parâmetro de dez gramas para consumo. Se a quantidade limite fosse de 15 gramas, o percentual subiria para 37%.

"Os cenários acima constituem um exercício interpretativo para projetar o alcance de referidos parâmetros exclusivamente aplicados à quantidade de drogas, mas somente a análise dos casos concretos permitiria a reclassificação da conduta como consumo pessoal", ressalta o estudo.

As conclusões desse estudo, no entanto, não permitem calcular o potencial de presos que poderiam ser soltos caso o STF adote parâmetros para diferenciar tráfico e consumo, pois nem todos os réus processados por tráfico de drogas são condenados a regime fechado ou semiaberto, explicou a BBC News Brasil a coordenadora da pesquisa, Milena Karla Soares.

"Estamos fazendo um novo estudo para analisar especificamente qual seria o impacto no sistema prisional", disse.

Soares ressalta que um elemento que dificulta essas análises é a falta de padronização do registro das quantidades apreendidas nos processos criminais.

Para identificar as quantidades apreendida com cada réu, a equipe do Ipea pesquisou diversos documentos processuais, como laudos periciais, denúncias do Ministério Público e as sentenças dos juízes. Foi selecionada, então, "a melhor informação disponível" nesses vários documentos, em cada caso, para realizar o estudo.

Por isso, uma das recomendações da pesquisa é "o estabelecimento de um protocolo nacional para padronização das informações de natureza e de quantidade de drogas nos processos criminais".

ENTENDA MELHOR A AÇÃO EM JULGAMENTO

O STF está analisando um Recurso Extraordinário com repercussão geral (cuja decisão valerá para todos os casos semelhantes) que questiona se o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional.

Esse artigo prevê que é crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal, assim como cultivar plantas com essa finalidade.

Não há previsão de prisão para esse crime. As penas previstas nesse caso são "advertência sobre os efeitos das drogas", "prestação de serviços à comunidade" e/ou "medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo".

O recurso foi movido pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de um réu pego com 3 gramas de maconha na prisão. Pela posse da droga, ele foi condenado a prestar serviços comunitários. A Defensoria argumenta que a lei fere o direito à liberdade, à privacidade, e à autolesão (direito do indivíduo de tomar atitudes que prejudiquem apenas a si mesmo), garantidos na Constituição Federal.

"Por ser praticamente inerente à natureza humana, não nos parece o mais sensato buscar a solução ou o gerenciamento de danos do consumo de drogas através do direito penal, por meio de proibição e repressão. Experiências proibitivas trágicas já aconteceram no passado, como o caso da Lei Seca norte-americana e mesmo a atual política de guerra às drogas, que criou mais mazelas e desigualdades do que efetivamente protegeu o mundo de substâncias entorpecentes", argumentou o defensor Rafael Muneratt, ao sustentar no início do julgamento.

Já o então chefe do Ministério Público em São Paulo, o procurador-geral Márcio Fernando Elias Rosa, se manifestou contra a descriminalização.

"O tráfico no Brasil apresenta índices crescentes. O Estado não se mostra capaz nem sequer do controle efetivo da circulação das chamadas drogas lícitas. Não há estruturada rede de atenção à saúde ou programa efetivo de reinserção social", sustentou.

O texto foi publicado originalmente aqui. 

SP troca livros do MEC por material digital: ‘Passam os slides e o aluno anota’, diz secretário, OESP

 Pela primeira vez, as escolas estaduais de São Paulo não mais receberão os livros didáticos do programa nacional gerido pelo Ministério da Educação (MEC), que compra obras para todo o País há décadas. O secretário da Educação paulista, Renato Feder, resolveu abrir mão de 10 milhões de exemplares para os alunos do ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano) no ano que vem para usar apenas material digital. O ensino médio também deixará de ter livros impressos.

“A aula é uma grande TV, que passa os slides em Power Point, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional, ele sai”, disse Feder ao Estadão. Desde abril, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem indicado aos professores que usem o diário de classe digital, onde estão aulas de todas as disciplinas, organizadas em cerca de 20 slides. O professor abre a aula em seu celular ou computador e projeta na TV da sala.

Renato Feder, que já foi secretário da Educação no Paraná, assumiu a pasta em São Paulo no início do ano
Renato Feder, que já foi secretário da Educação no Paraná, assumiu a pasta em São Paulo no início do ano Foto: Gilberto Marques/EducacaoSP

A decisão de agora, de trocar as obras do MEC pelo material digital, foi adiantada pelo jornal Folha de S. Paulo. “Não é um livro didático digital. É um material mais assertivo, com figuras, jogos, imagens 3D, exercícios. Ele pode clicar em links, abrir vídeos, navegar por um museu”, continuou Feder.

Esse material, segundo ele, é produzido por uma equipe da Secretaria da Educação, com 100 professores, e alinhado ao currículo paulista. Segundo o secretário, a decisão de abandonar os livros didáticos impressos foi para não dar “dois comandos” para o professor e por questionamentos à qualidade das obras do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

“É para usar o livro ou o material digital da secretaria? O que cai na prova: o livro ou material digital? O professor ficava confuso”, acrescenta o secretário.

De acordo com ele, o governo estadual também identificou que o material que seria distribuído pelo PNLD em 2024 estava “mais raso, mais superficial” e “tenta cobrir um currículo muito extenso de maneira superficial”.

Continua após a publicidade

O PNLD existe - nem sempre com esse nome - há mais de 80 anos no País. Foi reestruturado no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) quando passou a estabelecer critérios rígidos de avaliação. Por meio do programa, o MEC compra livros didáticos para todas as escolas públicas do País, em um negócio que movimenta R$ 1 bilhão e 150 milhões de obras por ano.

As editoras precisam submeter seus livros a uma equipe de especialistas, que pode aprovar ou não as obras, conforme exigências dos editais. Erros conceituais, desatualização, preconceito são motivos de exclusão imediata.

Qualidade técnica de livros do MEC deve ser valorizada, diz especialista

“A qualidade técnica dos livros ofertados pelo PNLD tem de ser valorizada. Uma informação errada não passa, é uma grande responsabilidade ter um material que é lido por milhões”, diz a diretora executiva do Instituto Reuna, Katia Smole. Em nota, o MEC informou que o PNLD é “uma relevante política do Ministério da Educação, com adesão atual de 95% das redes do Brasil”. E que a permanência no programa “é voluntária, de acordo com a legislação, aderente a um dos princípios basilares do PNLD, que é o respeito à autonomia das redes e escolas”.

Katia, que foi secretária da educação básica do MEC na gestão Michel Temer (2016-2018), pesquisa a introdução de livros digitais em vários países e diz que nenhum deles fez isso de forma abrupta e interrompendo o uso do material impresso.

Questionado sobre como São Paulo garantiria a qualidade do material criado pelo governo, Feder respondeu que há uma equipe de revisão na secretaria. Disse também que os próprios professores podem avaliar o material. Muitos dos livros do PNLD 2024, que foram recusados pelo Estado, são usados em escolas particulares de ponta da capital, como os das editoras Moderna, FTD e Saraiva. Eles serão enviados para as escolas públicas dos outros Estados também com uma versão digital interativa.

Por ter a maior rede de ensino do País, com cerca de 5 milhões de alunos, São Paulo representa 15% do PNLD. A decisão do secretário motivou críticas de especialistas, de editoras e de entidades de professores.

Continua após a publicidade

“Para toda a cadeia do livro, autores, gráficas, indústria do papel, corpo editorial é uma perda muito representativa”, diz o presidente da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), Angelo Xavier. “E como o estudante vai estudar em casa, nem todos têm celulares, computadores, internet”, completa.

Segundo Feder, as escolas podem imprimir o material para quem não tiver equipamentos em casa. Professores, porém, têm reclamado da falta de papel e impressoras de qualidade, o que o governo também promete investir no ano que vem.

O sindicato dos professores da rede estadual (Apeoesp) diz que Feder quer impor “pensamento único a professores e estudantes da rede estadual de ensino, contrariando, mais uma vez, a liberdade de cátedra e o princípio da liberdade de ensinar e aprender”.

Depois de aprovados pelo MEC, são as escolas que escolhem os livros que pretendem usar entre os vários disponibilizados no catálogo. As redes de ensino também podem escolher um livro único de cada disciplina. Feder tomou essa decisão quando era secretário de educação no Paraná.

Unesco recomenda tecnologia apenas como complemento

Relatório do braço das Nações Unidas para a educação (Unesco), divulgado na semana passada, recomendou o uso da tecnologia como complementação a outras estratégias na sala de aula, e não como substituição. O documento cita pesquisas que indicam efeitos negativos na aprendizagem quando estudantes têm uso considerado intensivo de tecnologias na educação.

Um desses estudos analisou resultados de 79 países que participaram do Pisa, a avaliação internacional da OCDE. O resultado mostra que a melhora de desempenho ocorre até quando se usa moderadamente as tecnologias. Entre os estudantes que indicaram uso maior que “várias vezes na semana”, os ganhos acadêmicos foram decrescentes, informa a Unesco.

Uma das razões apontadas é a distração causada por equipamentos eletrônicos, como no caso do celular, que tem sido proibido em 1/4 dos países analisados pela Unesco. Mas pesquisas também já mostraram que estudantes que lêem textos em papel podem ter desempenho melhor em testes de compreensão de leitura do que aqueles que o fazem em computadores. E que a leitura digital pode afetar a compreensão, a retenção e a reflexão. Feder deve comprar em agosto também obras literárias digitais para serem lidas nas escolas, nos computadores, pelos alunos.

Análises do Instituto Reúna sobre introdução de livros digitais nas escolas de países como Estônia, Coreia e Holanda, referências na educação mundial, mostram que ela foi feita de forma gradual, com a participação de professores e editoras. “As pesquisas mostram que há formas de melhorar a aprendizagem, combinando o digital e o impresso”, diz Katia.

Segundo ela, os países investiram primeiro na formação digital dos professores para poder introduzir livros digitais e em avaliação criteriosa dos resultados. “É preciso um bom monitoramento. Se eu pegar um material, der aulas, fizer a prova, é obvio que tem chance dos alunos irem bem, mas e os processos metacognitivos?” questiona.

“Há muito tempo já se superou a ideia de educação como treinamento. Os fundamentos são importantes, mas não bastam para formar um cidadão do século 21″, acrescenta Katia.

A Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale), que reúne alguns dos principais autores do País, divulgou nota criticando a decisão de São Paulo. ”A tecnologia na educação é inegavelmente indispensável nos dias de hoje, mas na dosagem adequada”, diz. Citando o relatório da Unesco, a entidade completa que a medida “causa surpresa por ter sido tomada em um momento em que a comunidade internacional aponta para decisão contrária

Um estranho conceito de sucesso, OESP

 O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se disse “extremamente satisfeito” com a operação policial que, a pretexto de reagir ao assassinato de um PM, deixou ao menos 13 mortos no Guarujá. Isso significa que, para o governador, mesmo que, até este momento, pairem fundadas suspeitas de excesso por parte da polícia, a operação foi bem-sucedida. Ora, não cabe ao chefe do Executivo estadual fazer essa avaliação antes da apuração detalhada do caso, especialmente quando os indícios apontam para o exato contrário.

A segurança pública envolve decisões políticas a respeito de várias questões complexas, sobre as quais cada governante pode e deve ter uma específica compreensão. Há muitos possíveis caminhos, com diferentes propostas, para prover paz e ordem pública. São, em última análise, escolhas que cabe à população realizar por meio do voto.

No entanto, existem alguns princípios norteadores da segurança pública que não estão à disposição de escolhas políticas. Eles não são negociáveis. Por exemplo, o Estado não tem o direito de executar ninguém, tampouco o de torturar. Trata-se de uma limitação constitucional intransponível do poder estatal. Ressalte-se ainda que não há pena de morte no País – e, ainda que houvesse, não cabe à polícia fazer o julgamento e executar sumariamente a sentença. A tarefa das forças policiais é prover segurança aos cidadãos, e não realizar revanches ou vinganças, seja por qual motivo for.

Nenhum desses princípios depende da inclinação político-ideológica do governante ou mesmo da sua popularidade perante a opinião pública. É a lei brasileira, à qual todos estão igualmente sujeitos. Por isso, operações policiais que causam mortes – especialmente as que causam muitas mortes – devem ser objeto de apuração rigorosa e isenta. Só assim será possível distinguir os casos de abuso policial daquela outra situação, excepcional, na qual o agente de segurança tem não apenas o direito, mas o dever de matar, para proteger a coletividade e a si mesmo.

Certamente, a morte de um policial é um fato gravíssimo, a exigir imediata atuação do poder público. Mas ela não suspende a vigência da lei por um período, numa espécie de autorização excepcional para que a polícia promova a correspondente vingança. Também não elimina as regras da razoabilidade e da proporcionalidade. “Não houve excesso”, afirmou o governador de São Paulo, antecipando-se às investigações e ignorando os indícios que indicam o oposto. Há inclusive relatos de tortura e de execução sumária, o que demanda acurada e independente apuração.

Num juízo de valor precipitado, Tarcísio de Freitas disse que “houve uma atuação profissional” da polícia no caso do Guarujá. Ora, não parece muito profissional uma polícia que mata mais de uma dezena de pessoas a título de prender o suspeito de um crime. Isso pode ser aceitável para quem acha que “bandido bom é bandido morto”, mas, além de desalinhada com a lei, essa concepção de segurança pública coloca em risco a vida e a segurança da própria população. No Estado Democrático de Direito, nenhuma autoridade pública tem o direito de aplaudir uma atuação policial que, neste momento, parece eivada de truculência.

Tarcísio de Freitas tem todo o direito de ter suas ideias políticas, mas se afasta da lei e das evidências ao tratar violência policial como boa política de segurança pública. Na condição de governador do Estado, deve evitar que suas palavras sejam confundidas com estímulo à atuação da polícia à margem da lei, com regras próprias de funcionamento. A lei é para todos. E polícia não é milícia.

Na investigação da ação policial, serão muito úteis as imagens produzidas pelas câmeras usadas nos uniformes dos PMs. Ainda não está claro se essas imagens existem ou mesmo se os policiais envolvidos estavam com câmeras, mas esse é o típico caso em que o equipamento justifica o investimento: se os PMs agiram conforme os protocolos e as leis, as imagens vão mostrar. É essa transparência que incomoda tanto aqueles que acham que justiçamento é justiça.