segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

O professor de Deus: quatro perguntas para Sergio Moro, José Eduardo Cardozo, Conjur

 Apesar dos avanços da psicologia cognitiva, ainda hoje os nossos concursos públicos ignoram a possibilidade de se avaliar a inteligência emocional dos que desejam ocupar cargos públicos. A aprovação em provas de conhecimentos é tida como critério meritocrático suficiente para a escolha dos mais aptos a exercerem funções públicas, independentemente de saberem lidar ou não com as suas emoções.

Tenho hoje a convicção de que se os concursos públicos para a magistratura avaliassem o nível de inteligência emocional dos seus candidatos, Sergio Moro nunca teria sido juiz. Algo, porém, me tranquiliza. Mandatos eletivos não são outorgados por concursos de provas ou de provas e títulos, nem pela avaliação que os candidatos fazem de si próprios. As urnas eleitorais — embora possam ocorrer equívocos — costumam ser mais eficientes nessas avaliações. Soberbos, arrogantes e ególatras, a menos que sejam bons atores, raramente conseguem ter empatia com os eleitores.

Por isso, vendo as manifestações recentes em que assume publicamente a sua ambição política, avalio que o ex-juiz dificilmente vencerá a próxima eleição presidencial. Moro largou a toga, mas não perdeu a arrogância. E sequer revela talento para escondê-la.

Em um artigo recente, Moro resolveu ensinar jornalistas a entrevistarem o ex-presidente Lula. Como aquele que tudo sabe, afirmou que esses profissionais estariam sendo "bem generosos" com o seu oponente e que seriam despreparados por não fazerem a "lição de casa" de estudar para as suas entrevistas. Como se fosse um professor de jornalismo, sugeriu perguntas a serem feitas pelos profissionais da imprensa para aquele que prendeu e afastou da eleição presidencial, abrindo o caminho para a vitória de Jair Bolsonaro. Também não economizou autoelogios, sugerindo que — pasme-se — teria sido um exemplo de "bom juiz". Mas e quanto às suas decisões anuladas pela nossa Suprema Corte? Erradas, claro. Magistrados que desfazem as suas decisões incorrem, para ele, em crime de "lesa-divindade". Aliás, aqueles que criticam a "lava jato" pelos abusos cometidos seriam sempre defensores de "bandidos".

No Brasil, o país das vassourinhas que varrem bandalheiras e dos caçadores de Marajás, super-heróis autoritários que combatem a corrupção, atingindo adversários e poupando aliados, não são novidades. O "novo" em Moro está no fato dele ter agido assim vestindo uma toga. E hoje, com a mesma arrogância e desfaçatez de quando dizia que era um juiz imparcial e não tinha um projeto político, ao mesmo tempo em que violava garantias constitucionais, decretava prisões cautelares abusivas para obter delações premiadas e condenava réus sem provas, quer ensinar jornalistas a fazerem perguntas que já foram respondidas e provadas nos autos do processo judicial em que suas condenações foram anuladas.

Não quero ensinar a nenhum jornalista a sua profissão. Mas como cidadão gostaria de ouvir de Sergio Moro, sem tergiversações, respostas que, até hoje, não encontro em nenhum processo judicial. Pergunto então a ele:

1) as mensagens divulgadas pelo the Intercept Brasil são falsas ou verdadeiras?

2) se foi um bom e imparcial juiz por que divulgou, ilicitamente e de modo descontextualizado, um diálogo mantido entre a ex-presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, indevidamente interceptado? Se não errou ao assim decidir, por que então pediu publicamente "desculpas" ao STF?

3) uma das dez medidas contra a corrupção propostas pelos membros da "lava jato", defendia a possibilidade de utilização de provas ilícitas para condenações sancionatórias. Considerando que se essas medidas tivessem sido aprovadas, as mensagens ilicitamente obtidas por um hacker poderiam ser utilizadas para condená-lo, ainda afirmaria que os garantistas que defenderam a não aprovação dessa medida estavam apenas defendendo "bandidos"?

4) a que título e de que forma desempenhou atividades na Consultoria Alvarez & Marsal? Que valores percebeu, inclusive em decorrência da rescisão contratual? Por que não os apresenta ao TCU já que sempre disse que o melhor desinfetante é a "luz do sol"? Como justifica não existir conflito ético pelo fato de ter prestado serviços para uma empresa que percebeu elevados pagamentos de companhias investigadas pela "lava jato"?


‘Em 2025, vamos concluir os testes da célula a etanol’, diz presidente da Nissan no Brasil, OESP

 Tião Oliveira, O Estado de S. Paulo

24 de janeiro de 2022 | 05h00

A trajetória de Airton Cousseau na Nissan é impressionante. O gaúcho presidiu a empresa no México, país onde a marca tem sua maior participação de mercado no mundo. Também foi o primeiro ocidental a comandar a operação da companhia na China e liderou a empresa nos Estados Unidos – ou seja, nos dois maiores mercados de veículos do planeta. Ele conta que ama o Brasil e, por isso, não perdeu a oportunidade de voltar e ter, como afirma, “uma churrasqueira com um apartamento em volta”. O presidente da Nissan Mercosul e diretor- geral da empresa no País repetiu ao Estadão, como um mantra, que sente orgulho de ser brasileiro e do time com o qual trabalha. A menina dos olhos de Cousseau é o projeto que pretende lançar a célula a etanol antes de 2030. O executivo falou sobre o sistema, que gera energia elétrica por meio de reação química, não produz CO2 e poderá ser utilizado em qualquer tipo de veículo, bem como sobre os resultados e as perspectivas da empresa. 

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Cousseau diz que Brasil deve liderar exportação da nova tecnologia Foto: Nissan/Divulgação

Como o sr. avalia o desempenho da Nissan em 2021?

Houve vários desafios. Não só para a indústria automotiva. Então, decidimos cuidar da saúde das pessoas. Não tivemos muitos casos (de contaminação por covid). A produção não foi paralisada por isso, mas por causa da determinação de autoridades de saúde e, depois, por questões ligadas aos fornecedores. Além da falta de semicondutores, tivemos grandes desafios na logística, que virou um caos. Houve até casos de contêineres descarregados em portos de outro país. Mas talvez tenha sido o ano em que eu mais aprendi. Tivemos de fazer muita coisa para manter as operações funcionando, inclusive junto aos concessionários, o que nos deixou ainda mais próximos da rede. Na comparação com 2021, crescemos 6,4% em volume, enquanto o setor cresceu 3%. Isso é ainda mais relevante considerando que atuamos em três ou quatro segmentos do mercado. Anunciamos investimentos para a abertura do segundo turno na fábrica de Resende (RJ) e vamos contratar. Em dezembro, o (SUV) Kicks, que é feito lá, foi o líder de vendas do setor na Argentina. Também estamos à frente no processo de eletrificação. O Leaf foi o elétrico mais vendido no Brasil em 2021. Os volumes ainda são pequenos, mas o crescimento é enorme. O elétrico está chegando para ficar. Fizemos parceria com a (locadora) Movida para desmitificar o carro elétrico. Assim, criamos a oportunidade para que mais pessoas possam dirigir esse tipo de veículo. Portanto, posso dizer que 2021 foi um ano extremamente positivo para a Nissan.

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O consumidor ainda tem muita dúvida sobre o carro elétrico. Por exemplo, como faz para carregar...

É tão fácil como recarregar o celular. À noite, você chega em casa e conecta na tomada. Se você anda 70, 80 quilômetros por dia, é muito tranquilo. E, para quem vai viajar para mais longe, a rede de pontos de recarga está se desenvolvendo rapidamente. Empresas grandes, como a Raízen e a Shell, têm planos agressivos de implementação de infraestrutura para recarga no País. Não é o trabalho de uma empresa ou um setor, mas de todos juntos. Estou muito satisfeito de estar nesse momento no Brasil, porque a Nissan pode ser uma das empresas de ponta na eletrificação veicular do País.

Como está o projeto de geração de energia elétrica a partir de biocombustível, que a Nissan coordena?

Está andando bem. Essa pesquisa tem quase seis anos. Já dá para rodar quase 800 km com eletricidade usando um tanque de etanol. O etanol tem uma enorme capacidade de gerar energia na célula a combustível. E essa energia move o motor elétrico. Então, não vai ser preciso ligar o veículo na tomada. Para o consumidor, bastará parar no posto e encher o tanque com etanol. Temos parcerias com universidades e empresas como a Raízen, que está cooperando sobretudo na parte do desenvolvimento do etanol. Esse projeto é muito forte dentro da Nissan e pode ter vários tipos de aplicação. Dá para usar em carros, motos, aviões, barcos e até em motores estacionários. O board no Japão está tão entusiasmado que mandou antecipar, de 2023 para este ano, a instalação, na fábrica de lá, de um sistema estacionário a célula a etanol, que vai ser enviado do Brasil. Eu gostaria de acelerar o processo de lançamento, mas é preciso respeitar os planos de desenvolvimento. O mais importante é que todos os obstáculos já têm solução. Em 2025, ou seja, em menos de três anos, vamos concluir os testes e iniciar a fase de marketing. Quando eu ouvi falar desse projeto, e que foram engenheiros brasileiros que o desenvolvera, senti ainda mais orgulho do nosso pessoal e do País. Estou muito entusiasmado porque esse não é um negócio para a Nissan. É para o Brasil e para o mundo. Por exemplo, o sistema funciona com gás natural, que é muito forte na Rússia. É muito bom estar aqui neste momento.

O sistema deve chegar ao mercado antes de 2030?

Sim. E vai ser possível desdobrar esse produto. Não estamos falando apenas de automóveis, mas de qualquer outra aplicação que precise de motor. Essa é a parte que mais me deixa entusiasmado. Normalmente, a gente cria aqui, mas a produção acaba indo para outro lugar. Eu não quero deixar que isso aconteça. 

O que é preciso para fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias?

Infraestrutura é tudo. Mas, para você ter ideia de como estamos atrasados, a duplicação da estrada que liga Curitiba e São Paulo levou 50 anos para ser feita. Na China, por exemplo, as coisas acontecem de forma muito rápida e profunda. Quando eu cheguei ao país, o metrô da cidade já era espetacular e o pagamento era feito com um cartãozinho, como o de Nova York (EUA). No ano seguinte, já dava para pagar com o celular. No outro ano, era possível usar reconhecimento facial. Então, para o Brasil avançar a gente precisa investir mais em infraestrutura. O agronegócio, por exemplo, está explodindo, mas falta conexão de internet no campo. Deveria haver uma ampla rede, e com boa qualidade. Há máquinas altamente sofisticadas e até autônomas, mas não dá para utilizar todos os recursos porque não há internet.l 


Cientistas desenvolvem tecnologia para transformar vinhaça em hidrogênio verde, Agência Fapesp

 Agência FAPESP – Pesquisadores vinculados ao Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) trabalham no desenvolvimento de uma tecnologia que visa transformar a vinhaça – resíduo poluente gerado durante a produção de etanol – em hidrogênio verde.

Atualmente, ao ser processada, a vinhaça costuma ser utilizada como adubo na fertirrigação de lavouras, sobretudo da cana-de-açúcar, por ser rica em potássio. “Transportar esse resíduo até as plantações é um processo caro e trabalhoso para as usinas. Sem contar que, se mal aplicada, a vinhaça pode danificar a plantação e o solo, além de atingir os lençóis freáticos. É possível aprimorar esse processo”, diz Thiago Lopes, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e integrante do RCGI, um Centro de Pesquisa em Engenharia financiado pela FAPESP e pela Shell do Brasil.

À frente do novo Laboratório de Células a Combustível, situado na Poli-USP, Lopes pretende desenvolver um reator eletrolítico voltado para a realidade da indústria sucroalcooleira nacional. “A vinhaça tem 95% de água em sua composição. A ideia é que por meio desse reator possamos quebrar as moléculas de água para gerar oxigênio e hidrogênio verde”, diz o pesquisador.

Com ampla aplicação, o hidrogênio verde pode ser utilizado, por exemplo, na produção da amônia que entra na composição de fertilizantes. “Hoje a amônia é sintetizada com hidrogênio proveniente de gás natural, o que gera uma pegada de CO2”, conta. Já o oxigênio puro pode ser utilizado para a combustão do bagaço da cana-de-açúcar. “Ao condensar a água, pode-se obter de forma fácil e econômica um CO2 puro para estocagem ou então para ser convertido em produtos.”

Um deles é o ácido oxálico, elemento que junto a um biomonômero vai entrar na composição do hidrogel que está sendo desenvolvido no âmbito do Programa de Hidrogel, financiado pela Shell Brasil, com recursos da Cláusula de Investimento em P&D dos Contratos de Concessão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O projeto envolve várias instituições de pesquisa da USP, sob a liderança do RCGI, bem como da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

No caso, o ácido oxálico será produzido pelo Laboratório de Células a Combustível, em colaboração com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O hidrogel gerado ao final de todo o processo de pesquisa será aplicado no processo de plantio em formato de grânulos, que vão se degradar e liberar o carbono para ser armazenado no solo. “A ideia é criar um ciclo virtuoso e habilitar novos mercados para o setor sucroalcooleiro nacional.”

Outra vantagem do reator é fazer com que a vinhaça fique mais concentrada – a cada litro de etanol são produzidos aproximadamente 10 litros de vinhaça. “É um volume gigantesco para armazenar e transportar. Se estiver mais concentrada, livre de uma fração de água, a vinhaça vai ocupar menos espaço e demandar menos transporte. Vale dizer que esse transporte, em geral, é feito por caminhões movidos a óleo diesel, e isso adiciona pegadas de CO2 ao etanol brasileiro”, aponta Lopes.

Segundo o pesquisador, a vinhaça concentrada também minimizaria a adição de adubo sintético à lavoura. “A mistura de vinhaça e adubo sintético provoca maior emissão de CO2. Sem contar que, ao reduzir o volume de água, evitamos que o excesso de líquido chegue ao lençol freático e polua os rios.”

O hidrogênio verde também pode alimentar veículos com célula a combustível, uma das modalidades de veículos totalmente elétricos que hoje circulam pelo mundo, sobretudo no Japão. A outra modalidade são os veículos elétricos movidos a bateria recarregável em tomadas especiais.

“Em veículo com célula a combustível o hidrogênio reage com o oxigênio que vem do ambiente. A energia elétrica liberada alimenta o veículo e o processo gera como resíduos apenas calor e água pura. Atualmente, esse hidrogênio é obtido em nível mundial por meio de gás natural, o que gera pegadas de CO2. Daí a importância de se descobrir formas de produzir hidrogênio verde. É o que pretendemos fazer no laboratório por meio do concentrador eletrolítico de vinhaça. Tudo está interligado”, explica Lopes.

De acordo com o pesquisador, estima-se que por volta de 2040 a produção desse tipo de veículo deslanche no Brasil. “Isso deve acontecer, sobretudo, em relação às frotas de ônibus e caminhões, porque a célula a combustível é mais leve do que as baterias de um veículo elétrico, em particular para veículos que rodam mais de 450 quilômetros diários”, informa.

Entretanto, para que isso ocorra a tecnologia precisa ser aperfeiçoada em termos de desempenho e custo. Segundo Lopes, outro objetivo do laboratório é justamente desenvolver peças mais eficientes e baratas para veículos com célula a combustível. “As camadas da célula a combustível podem ser otimizadas por meio de modelos numéricos avançados e otimização topológica, por exemplo. O catalisador, da camada catalítica, é feito de platina, metal raro que vale mais do que o ouro e não existe no Brasil, e o desafio é encontrar opções mais acessíveis”, explica.

Para buscar essas soluções, o laboratório vai utilizar uma técnica desenvolvida por Lopes durante temporada como pesquisador associado do Imperial College London, no Reino Unido, entre 2012 e 2014.

“O veículo com célula a combustível é alimentado de um lado por oxigênio e de outro, por hidrogênio. No lado que passa o ar colocamos uma mistura com cerca de 1.000 ppm [partes por milhão] de ozônio. Já na camada catalítica, onde acontece a reação da célula a combustível, colocamos um pigmento que ao interagir com o ozônio emite luz. Isso nos ajuda a visualizar, por meio de uma câmera, e comparar como o comburente é distribuído na célula a combustível feitos com vários tipos de materiais, com diferentes propriedades e sob diferentes condições, promovendo assim o desenvolvimento de modelos numéricos avançados de célula a combustível e otimização topológica das mesmas”, prossegue.

A equipe transdisciplinar do laboratório, que conta com pesquisadores da Poli, do Instituto de Física (IF), do Instituto de Química (IQ) e do Instituto de Meio Ambiente (IEE) da USP, vai trabalhar em conjunto com o Imperial College London no desenvolvimento das diversas camadas que compõem as células a combustível, como descrito acima, e pretende avançar.

“Na camada catalítica a ideia é descobrir se materiais mais acessíveis, como uma mistura à base de ferro, carbono e nitrogênio, podem substituir a platina e ser utilizados pela indústria automotiva”, diz Lopes. “Trata-se de uma demanda mundial. Hoje há nos Estados Unidos um consórcio de pesquisa, nos moldes do RCGI, voltado ao desenvolvimento desses materiais. Mesmo porque não existe platina suficiente para trocarmos toda a frota mundial de veículos para célula a combustível. Nós, cientistas, temos muito trabalho pela frente”, conclui Lopes.

* Com informações da Assessoria de Comunicação do RCGI.