sexta-feira, 2 de abril de 2021

PEDRO DORIA O mundo do novo presidente, OESP

 O mundo em 2026 será muito, muito diferente do mundo hoje. Na quarta-feira à noite, seis presidenciáveis publicaram um manifesto pela democracia.

Começamos cedo a falar das eleições de 2022, mas isso tem motivo de ser. Não é normal ficar discutindo as possibilidades de um golpe de Estado. Temos, porém, um presidente que nos empurra para este debate. Refletir sobre que comando o Brasil terá, a partir de 1.º de janeiro de 2023, é fundamental. Pois: ele descerá a rampa do Planalto num mundo muito diferente daquele em que começará seu mandato.

A McKinsey, uma das principais consultorias do mundo, soltou em fevereiro um relatório sobre o trabalho no mundo após a pandemia. A conclusão é óbvia: tendências que já existiam em 2019, como a de trabalho cada vez mais remoto, aumento do comércio eletrônico e automação de inúmeras atividades se aceleraram. Mas é importante entender o que isso quer dizer com um pouco mais de detalhe.

Em economias desenvolvidas, entre um quinto e um quarto da força de trabalho vai trabalhar remotamente pelo menos três dias por semana. Quando não os cinco. Isto quer dizer que, nos cálculos dos executivos de grandes empresas ouvidos, o espaço de escritório pós-pandemia deve diminuir em 30%.

Escritórios ficam em centros de cidades e uma cadeia de serviços se forma ao redor. De transporte público a restaurantes. Na outra ponta, trabalhar remotamente não quer dizer apenas trabalhar em casa. Empresas e pessoas podem alugar espaços em coworkings, ambientes profissionais, com ampla infraestrutura tecnológica, e a conveniência de serem perto da casa das pessoas. É o início de um processo de descentralização das cidades que muda por completo a lógica do urbanismo guiado pela invenção dos carros e que predominou no século 20. 

Outras tecnologias vão entrar nesse jogo. O 5G não é só internet mais rápida, é a explosão da internet das coisas. Veremos mais e mais robôs, mais e mais automatização. O supermercado que não precisa de caixas, o bueiro que alerta a prefeitura antes de entupir e, claro, o táxi ou Uber sem motorista. São, todas, tecnologias que já existem e começarão a ser implementadas durante o mandato do próximo presidente.

A expectativa, este número é também da McKinsey, é de que haja 20% de queda em viagens de negócios. Vão virar videoconferência. É a maior fonte de renda do setor de hotelaria e do de aviação. O de hotelaria vai concorrer cada vez mais, também, com os Airbnbs da vida.

Toda estrutura de e-commerce, num país como o Brasil, teve de se reinventar ao redor de um serviço de Correios com inúmeras deficiências. Isso quer dizer que explodiu o número de pequenas empresas, às vezes de indivíduos, que oferecem o serviço de entrega no trecho final. Aquele que vai para a casa da pessoa. Assim como os mesmos restaurantes que fecham as portas por todo lado num canto reinventam a ideia de seu negócio no outro virando cozinhas que entregam. Que serão muito úteis para as pessoas que trabalham em casa ou no coworking do lado.

Não vai ser nos próximos cinco anos — mas a história das fábricas da Ford que fecharam vai se repetir mais e mais. Operário é uma das profissões em vias de extinção.

E sequer tratamos da revolução em energia limpa, uma das indústrias pipocando para explodir, nos próximos anos. Tampouco se falou da fluidez com que pagamentos serão possíveis de indivíduo para indivíduo — o WhatsApp Pay acaba de ser aprovado.

Haverá cada vez mais trabalho autônomo. A descentralização vai transformar o espaço urbano e a desintermediação vai facilitar com que dinheiro troque de mãos. E empregar gente boa no mundo todo já se tornou corriqueiro na Terra sem fronteiras ou escritórios.

Fique atento a candidatos obcecados com soluções do século 20.

A exuberância das contas externas, OESP

 Celso Ming, O Estado de S.Paulo

01 de abril de 2021 | 21h05

rali das commodities está produzindo neste ano fenômeno relativamente raro nas contas externas do Brasil: a perspectiva de superávit nas Transações Correntes. Esta é a conta que registra entrada e saída de moeda estrangeira nos negócios com mercadorias, serviços e transferências. Ficam de fora apenas os fluxos de capital.

No caso brasileiro, indicam não apenas a força das exportações, mas, também, a queda do consumo interno em consequência da retração da economia e dos estragos provocados pela pandemia. Mas levanta a pergunta: se as contas externas apontam essa exuberância e melhoram o faturamento em moeda estrangeira, por que o câmbio mostra o contrário, mostra maior procura de dólares do que oferta e, portanto, forte desvalorização do real?

Mas vamos por partes. O galope das commodities é impressionante. Apesar da crise e da pandemia, espraia-se alegria geral na área do agronegócio, dos exportadores de minério de ferro e dos produtores de petróleo – que já não se restringem à Petrobrás. Em média, os preços da soja subiram neste ano mais de 54% em relação ao ano passado. No mesmo período, o minério de ferro acusou alta de quase 90%. As cotações do petróleo tipo Brent apontam aumento de mais de 20%. E ainda há o efeito da alta do dólar em reais sobre o faturamento dos exportadores.

A principal explicação para a esticada das cotações das commodities é a perspectiva de recuperação da economia mundial, especialmente da China, que vem acompanhada pela necessidade urgente de recomposição dos estoques que haviam sido derrubados em 2020, quando a pandemia se alastrava.

Contas agro
Alta das exportações por conta da forte demanda mundial por alimentos é uma das explicações para a perspectiva de superávit nas transações Correntes. Foto: Jonne Roriz/Estadão

Essa escalada das commodities vem produzindo aumento do faturamento com as exportações. No seu último Relatório de Inflação, o Banco Central prevê que as exportações deste ano (em dólares) aumentarão 21,3% em relação às do ano passado. O efeito colateral negativo é o impacto sobre a inflação. Não há como evitar que essa puxada de preços no mercado internacional deixe de extravasar para os preços internos do óleo de cozinha, das rações animais, dos combustíveis, dos fertilizantes e de tantas coisas mais.

A melhora das contas externas não se limita à balança comercial. Quase todos os componentes da Conta de Serviços (transportes, seguros, turismo, etc) e da Conta de Rendas Primárias (juros e remessa de lucros) também acusam redução expressiva das despesas em dólares. O resumo da ópera é a substancial melhora dos resultados nas Transações Correntes, que deixam o campo negativo em que esteve em todos esses anos e passam para o positivo, segundo as projeções do Banco Central. Em 2019, o déficit foi de US$ 51 bilhões, recuou em 2020 para US$ 12 bilhões e se transformará em superávit de US$ 2 bilhões em 2021. Confira o gráfico que expressa esses números em relação ao tamanho do PIB.

Agora, avalie o efeito câmbio, que está no gráfico abaixo. No ano passado a alta do dólar foi de 29%. Neste ano, até esta quinta-feira, foi de mais 10%. São mais dólares saindo do que entrando, numa conjuntura de belezura nas contas externas.

A explicação para esse contrapé é apenas uma: aumento das incertezas derivadas das mazelas da política econômica (sobretudo na área fiscal) e na política de enfrentamento à pandemia (mais avanço da covid-19 do que da vacinação). É o exportador que prefere deixar dólares lá fora em vez de trazê-los para cá; são empresas antecipando pagamento das despesas em moeda estrangeira; e é muita gente entesourando valores em dólares porque os juros em conta-gotas não vêm compensando as aplicações financeiras.

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA


Vacinados contra o golpe, Fernando Gabeira, OESP

 Enquanto os líderes mundiais lançavam um comunicado considerando a pandemia o maior problema da humanidade desde a 2.ª Guerra, aqui, no Brasil, Bolsonaro quis dar um golpe para evitar o combate eficaz contra o coronavírus. Esta é a leitura que faço dos episódios da semana.

Bolsonaro pressionou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, não apenas para demitir o comandante do Exército, mas para ter condições de neutralizar pela força as medidas restritivas que os governadores impuseram em seus Estados para salvar vidas.

Com a demissão do ministro, os comandantes das três Armas renunciaram em protesto contra Bolsonaro. E ficou evidente ali que o Exército não se lançaria na aventura de Bolsonaro, que, em nome da economia, tinha o potencial de matar mais ainda uma população já devastada pelo coronavírus.

A divergência entre a visão do Exército e a de Bolsonaro sobre a pandemia ficou evidente na véspera da demissão do ministro Fernando Azevedo, que ao sair se limitou a dizer que manteve a instituição militar como força do Estado, e não de um governo.

Em entrevista ao Correio Brasiliense, o general Paulo Sérgio, diretor do Departamento de Pessoal do Exército, mostrou como a instituição atravessou a pandemia, obedecendo os mais estritos protocolos de segurança. Previdente, como, aliás, o são todos os governos do mundo, o Exército já se preparava para uma terceira onda. O saldo do combate, na proteção de 700 mil pessoas sob sua influência, foi muito positivo. Basta comparar o índice de mortalidade na Força, que foi de 0,13%, com o do Brasil, 2,5%.

Apesar de ter processado milhares de comprimidos de hidroxicloroquina em seus laboratórios, por influência de Bolsonaro, o Exército internamente comportou-se como grande parte da humanidade, tentando seguir protocolos de segurança. Houve também a passagem desastrosa do general Pazuello pelo Ministério da Saúde. Mas no seu pronunciamento o comandante Edson Pujol ressaltou que a ida de militares para o governo era uma escolha pessoal.

A posição de Pujol a respeito da pandemia pareceu inequívoca no seu documentado encontro com Bolsonaro em Porto Alegre. Bolsonaro estendeu a mão, Pujol ofereceu o cotovelo, que é o tipo de saudação recomendado pela OMS.

Lembro-me, naquele momento, de que escrevi sobre as ligações originárias das Forças Armadas com o positivismo, o que deve ter despertado nos militares não só um respeito, mas também uma disposição de associar seu trabalho à ciência.

Felizmente, a tentativa de envolver os militares na aventura macabra de sabotar pela força as medidas contra a pandemia fracassou. Mas Bolsonaro tinha um plano B.

Ele sabe que a instituição é mais sólida do que as PMs e logo em seguida pôs o plano em prática. Por intermédio de um deputado, tentou aprovar com urgência um projeto de mobilização nacional, que lhe daria controle de todas as PMs do Brasil. Tudo indica que ele busca desesperadamente uma força militar para impor suas ideias acerca da pandemia, uma força de intimidação dos adversários ancorados no bom senso.

Fora essa tentativa desastrada de dar um golpe para aplicar sua política de morte, Bolsonaro fez uma minirreforma ministerial, que apenas colocou o Centrão dentro do palácio, com a chave do cofre, e renovou algumas indicações familiares para cargos decisivos, como, por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores. Poucos se lembram de que o início da crise era a pressão do Senado para derrubar o pior chanceler da nossa História, Ernesto Araújo.

Araújo apenas teorizava as ideias toscas de Bolsonaro com tintas de Steve Bannon, Olavo de Carvalho e da própria Alt Right americana. O foco do nosso isolamento internacional, diria mesmo de nossa vergonha, é o comportamento do presidente Bolsonaro, que fez do Brasil uma ameaça internacional, pela destruição ambiental e pela tragédia sanitária.

Ao escolher um modesto diplomata, que jamais ocupou uma embaixada, Bolsonaro quer mantê-lo agradecido pelo cargo e aberto à sua influência – mais precisamente, à influência do filho Eduardo, um dos grandes artífices da nossa destruidora política externa.

Bolsonaro enfrenta essa crise profunda num momento em que as próprias condições de governabilidade se diluem. Uma clara demonstração disso foi o Orçamento aprovado no Congresso. Sempre se diz que o Orçamento no Brasil é uma peça de ficção. Mas este, que foi aprovado com uma hipertrofia dos gastos militares, talvez esteja mais para um filme de horror.

Não se trata apenas de governabilidade num momento qualquer, mas durante uma pandemia de que o Brasil é o epicentro mundial, campeão indiscutível em número de mortos.

Um presidente incapaz, entregue no campo político à voracidade dos seus aliados do Centrão, buscando de todas as maneiras sabotar a luta contra a pandemia – tudo isso compõe um cenário desolador, sobretudo porque a sociedade está reduzida, no momento, a protestos virtuais.

Cedo ou tarde, julgaremos Bolsonaro.