domingo, 1 de maio de 2016

O Golpe e a Vingança do Presidencialismo de Coalizão, Por Luiz Alberto Vieira

28/04/2016 - Copyleft

O Golpe Midiático Parlamentar contra Dilma representa uma vingança do presidencialismo de coalizão contra as investidas da chefe do Poder Executivo.

Luiz Alberto Vieira*
Descrição: EBC
O Golpe Midiático Parlamentar contra a Presidenta Dilma Rousseff representa uma vingança do presidencialismo de coalizão contra as investidas da chefe do Poder Executivo. Desde o início do primeiro mandato, Dilma vinha realizando ataques aos pilares que sustentavam os partidos da coalizão governista.
 
Logo no começo do mandato destituiu os indicados de Eduardo Cunha em Furnas. Em abril de 2012 foram demitidos da Petrobras os diretores Paulo Roberto Costa, Jorge Zelada e Renato Duque, que eram operadores de diversos partidos políticos na estatal.  O único diretor da Petrobrás remanescente da gestão de Gabrielli foi Almir Barbassa.
 
Outro ataque ao poder dos caciques dos partidos da coalizão foi a nomeação de secretários-executivos para tutelar os ministros indicados politicamente. Isso sem falar na “faxina” que limou da Esplanada importantes líderes políticos como Alfredo Nascimento (PR) e Carlos Lupi (PDT) e o indicado de Michel Temer, o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi.
 
As emendas parlamentares, importantes para a imagem e o financiamento do baixo clero, foram contingenciadas enquanto as contas públicas eram maquiadas.
Grande parte da atividade política do baixo clero é simular uma influência que não possui. Nem mesmo neste ponto Dilma foi generosa. Caronas no avião presidencial para a foto no desembarque nos currais eleitorais eram raras e foram poucas as fotos com parlamentares do baixo clero para encenarem o seu teatro provinciano.
 
No entanto, a estratégia de Dilma foi extremamente equivocada ao não conceber as formas de que novas estruturas políticas pudessem ocupar o vácuo deixado pelas formas tradicionais de política.
 
O resultado foi um desastre. A bancada de deputados eleitos pelo PT caiu 20% (86 para 68 deputados federais) e a do PMDB -15% (de 78 para 66 deputados federais). O espaço deixado pelos dois principais partidos da base foi ocupado pelas forças políticas que possuíam organização para tal como os evangélicos radicais e a bancada pessoal de Eduardo Cunha, espraiada por diversos partidos como PMDB, PSC, PTB, PP e outros, do qual falarei mais a frente. Além disso, houve um aumento de celebridades, especialmente de repórteres policiais que passaram a integrar a bancada da bala.
 
Mas a estaca final no coração da velha política seria dada pelas investigações da Operação da Lava Jato, que ocorreram livremente a despeito de evidencias de abusos por parte da Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário. 
 
Ingenuamente, muitos acreditam que seria impossível qualquer intervenção na Operação Lava Jato. Contudo, as demonstrações de partidarismo e as ilegalidades da operação abriam desde 2014 possibilidades de retomar o controle, mas que foram, talvez propositalmente, desperdiçadas por Dilma e José Eduardo Cardoso. 
 
No irresponsável diálogo entre Mercadante e o assessor de Delcídio, vemos que Sarney e Renan atribuíam a Dilma a continuidade da operação. Não nos esqueçamos que Sarney até hoje controla amplos setores do Poder Judiciário e que Renan foi Ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, portanto, são pessoas com conhecimento e experiência sobre o assunto:

 “Marzagão - O senhor é a terceira pessoa. No dia do acontecido, ligou o Renan e o Sarney para a Maika (esposa de Delcídio). Mais nada. E disseram barbaridades, chamaram a presidente de filha da p*.”
 
Eduardo Cunha reinventa a velha política nas barbas do Governo
 
No início do Governo Dilma, houve uma tentativa de isolar e enfraquecer o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) com a demissão de seus aliados na diretoria de Furnas.
 
Em 2011, Eduardo Cunha começa a reacumular forças na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Conforme a delação do lobbista Júlio Camargo, havia a cobrança de propina para evitar que auditorias fossem realizadas sobre as empresas. Em pouco tempo, Cunha se tornaria o parlamentar mais influente nesta comissão.
 
O grande pote de ouro para Cunha foi a decisão do STF de obrigar a instalação de comissões mistas para analisar a admissibilidade das Medidas Provisórias (1), o que retirou da mãos do ex-Presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS) a definição das relatorias das matérias. A partir daí, as relatorias passaram a ser definidas na Comissão Mista, onde Cunha dominou as regras e montou um verdadeiro exército com Manoel Junior (PMDB-PB), João Magalhães (PMDB-MG) e Sandro Mabel (PMDB-GO), entre outros parlamentares da sigla. 
 
As relatorias nas comissões mistas eram definidas por rodízios entre Câmara e Senado e os blocos parlamentares, o que permitia que na edição das MPs o governo soubesse com quem ficaria a relatoria. Aqui Cunha contará com a generosidade de membros do governo. A maioria das MPs de desoneração, Refis, tributação de coligadas no exterior foram editadas na vez do PMDB da Câmara, quando o deputado fluminense teve o domínio total das negociações. 
 
Desta forma, foi possível a Eduardo Cunha mudar o modo de financiamento eleitoral das empreiteiras de obras públicas e outros fornecedores para um lobby à americana, quando os interesses empresariais são representados por parlamentares devidamente bancados por esses interesses corporativos. . 
 
Eduardo Cunha lograria sob olhares inertes da Ministra Ideli Salvatti fincar uma estaca no controle do Executivo no baixo clero com as emendas parlamentares impositivas.
 
Assim, Dilma encerra o primeiro mandato com os parlamentares  cada vez mais dependentes das relações empresariais de Cunha e livres do controle do Executivo sobre as emendas parlamentares.
 
Já no segundo mandato o erro fatal. Enquanto, o Ministro Aloizio Mercadante acreditava que colocava os parlamentares em seu devido lugar, o conspirador golpista Michel Temer aprofundava suas relações com o parlamento com verbas e cargos federais, em pleno quarto andar do Palácio do Planalto, acima do gabinete de Dilma. 
 
Ao vencer a duríssima eleição de 2014, quando a militância petista foi muitas vezes agredida nas ruas, Dilma aplica um dos maiores estelionatos da história democrática ao abandonar o desenvolvimentismo da campanha e as políticas de proteção ao emprego, o que demoliu seu último pilar de sustentação: o povo. 
 
O austericídio que jogou seus eleitores no desemprego e fez a inflação chegar ao maior patamar desde 2002 foi letal, como previram os economistas que a apoiaram em 2014. 
 
Cabe lembrar que o Brasil foi o único país da América Latina que jamais explicou ao povo suas opções políticas de centro-esquerda. Ao optar por não politizar a população e enfocar no discurso da inserção pelo consumo, aceitamos um risco enorme. Na primeira grande crise a afetar o nível de emprego e salários, como é comum em economias capitalistas, deixa de existir o substrato social que sustentava o governo. 
 
De qualquer forma, Dilma chegou a março de 2016 como carta fora do baralho. Ao congresso duas escolhas: ou a Restauração Lulista ou peemedebismo puro e simples. Quaisquer das saídas representava o retorno do presidencialismo de coalizão em seu estado mais bruto. 
 
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(1) A tabelinha entre Supremo e Eduardo Cunha, resultando no enfraquecimento do Poder Executivo, não pode ser considerada uma exceção. Vale lembrar que ainda no 1º Mandato de Dilma o STF obrigou a apreciação dos vetos presidenciais pelo Congresso Nacional. 
*Luiz Alberto Vieira é economista e foi assessor parlamentar da Presidência da República e Chefe da Assessoria Parlamentar do Ministério do Planejamento

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Protagonistas do subsolo - MONICA DE BOLLE


ESTADÃO - 27/04

No dia da votação do impeachment, 58% da população acompanhou o processo pela TV, um espanto. Brasileiros foram confrontados com aquilo que sabiam em tese, mas que talvez ainda não tivessem tido a oportunidade de ver: nossos representantes no Congresso são, em grande maioria, gente que maltrata o próprio idioma, discorre sobre a família, Deus, os corretores de seguros, a cidade natal, sem menção ao eleitor, ou mesmo ao que os havia levado aos salões de Brasília numa tarde de domingo. O choque não foi menor para os correspondentes internacionais aboletados na capital para cobrir a votação. Mas, por certo, foi diferente.

“Pessoas são como a propriedade adjacente dos outros: conhecemo-as apenas a partir de nossas fronteiras em comum”, disse Edith Wharton. Brasileiros talvez tenham visto nos deputados e deputadas características que não admiram em si. Estrangeiros, por sua vez, presenciaram algo que não foram capazes de assimilar. Não por acaso, a Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais soltou nota advertindo sobre a “ilegalidade” do impeachment.

A dificuldade de assimilar bizarra votação deu a tônica das publicações de grandes jornais mundo afora na semana pós-aprovação da Câmara. Parte do Brasil ficou consternada ao ver o País tratado como republiqueta esfacelada nas mãos de legisladores-réus e parlamentares que não aparentavam saber a gravidade daquilo que estava em votação. Congressistas que, ao invocarem todos, menos os eleitores, pareciam tratar com displicência o pedido de afastamento da Presidente da República. Nada contra a família, Deus ou os corretores de seguros, mas muitos estrangeiros espantaram-se com o que lhes pareceu descaso.

“Mas também foi assim em 1992”. De lá para cá foram-se quase duas décadas e meia. Duas décadas e meia em que o Brasil não apenas fez questão de enfatizar seu isolacionismo com política externa voltada para tudo, menos para o mundo todo – a não ser para o fortalecimento de relações com punhado de países que enfrentam gravíssimos problemas na região. Duas décadas e meia em que o distanciamento brasileiro do resto do mundo, sobretudo dos EUA e da Europa, cimentou narrativas equivocadas sobre a economia do País e o desconhecimento generalizado, o desinteresse por aquilo que de fato se passava. O isolacionismo acentuou-se ainda mais nos últimos treze anos ante ideologias ultrapassadas e visões torpes sobre as virtudes do mercado local.

Muito tem sido dito sobre os problemas internos da economia brasileira, sobre a necessidade de profunda reforma fiscal, a urgência de tratar do saneamento das contas públicas e da sustentabilidade da dívida para que se possa retomar o crescimento e a criação de empregos. Pouco tem se debatido, nesses dias de tamanha turbulência, o papel do Brasil no mundo. O Brasil não escapará do quadro de crescimento baixo – quando esse retornar – sem engajar-se com o resto do mundo, sem que tenha estratégia para facilitar o comércio com outros países, sem remover as travas que impedem a vinda do investimento estrangeiro para áreas tão necessitadas como a infraestrutura. O Brasil não sairá de situação modorrenta sem repensar a internacionalização de sua economia, à exemplo do que fizeram tantos países na região como México, Chile, Peru, Colômbia, à exemplo do que faz, hoje, a Argentina. “Argentina is back”, frase repetida à exaustão por autoridades do país durante as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial para destacar suas prioridades. Enquanto isso, pouca atenção é dada ao País no centro das discussões globais, salvo a curiosidade natural de entender o que se passa na política, e de tentar compreender como pôde o Brasil ter ido do céu ao inferno em tão pouco tempo.

São essas as perguntas que mais ouço aqui em Washington, posto de observação privilegiado, longe do subsolo. Foram-se, inclusive, os dias em que o destaque brasileiro no G-20 se dava pelos brados de Guerra Cambial do ex-ministro Guido Mantega.

Fomos reduzidos a protagonistas do subsolo por falta prolongada de atenção ao mundo. Urge abandonar o subterrâneo.

O trio liberal de Temer - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 29/04

Um trio liberal improvável pode comandar o governo da economia, segundo os rumores mais recentes da República do Jaburu, o governo virtual de transição de Michel Temer.

Um tanto mais improvável porque José Serra, senador tucano, pode vir a ser ministro de uma pasta costurada sob medida para ele. Trata-se de um Itamaraty vitaminado com funções de diplomacia comercial, tarefas que, em tese, estão hoje no Ministério do Desenvolvimento.

Desnecessário dizer que Serra não é liberal. Mas faz quase 20 anos diz às claras e mesmo em campanhas eleitorais que o presente acordo do Mercosul é um empecilho grande a uma política agressiva de acordos de livre-comércio entre o Brasil e outros países e blocos, do que teríamos necessidade urgente.

Henrique Meirelles é liberal, ponto; deixou de ser rumor forte, pois começa a montar o time da Fazenda.

Romero Jucá, dado como superministro do Planejamento, é voz de parte grossa do empresariado no Congresso e defende o catecismo básico de contas públicas em ordem, privatização e desregulamentação. Mas é senador do PMDB, partido que se vestiu de ultraliberal entre agosto e outubro de 2015, roupa para a festa de deposição de Dilma Rousseff.

Quase todo o restante do Ministério de Desenvolvimento ficaria sob Jucá em um também vitaminado Ministério do Planejamento, como antecipou nesta quinta (28) esta Folha. Note-se o tamanho do latifúndio ministerial de Jucá, caso não se repasse alguma parcela para outro ministro: Orçamento, planos de concessões e privatizações e, não é nada, não é nada, um BNDES.

Voltando ao caso de Serra, o senador não é, como se sabe, defensor de uma abertura comercial sem mais. Costuma pregar a criação de um sistema forte de defesa comercial.

Mas, seja em programas de governo, entrevistas ou artigos, o plano explícito de Serra seria transformar o Mercosul em apenas área de livre-comércio (o que nem chegou a ser, vide as gambiarras dos acordos automotivos). Ou seja, seria abandonada a união aduaneira (as tarifas de importação são comuns ou para isso devem convergir; mudanças dependem de consultas no bloco).

TRAQUE

À beira da defenestração, Dilma estuda implodir uma bombinha no caixa esburacado e rapado do governo federal. Conta, de resto, com apoio do grande deficit de espírito público do Judiciário, conduzido além do mais por lideranças sindicais do Supremo Tribunal Federal.

A classe judiciária, liderada por ministros do STF, faz lobby despudorado por aumento de salário, quando boa parte do país tem salários e rendimentos achatados, perde o emprego ou vai diretamente à miséria.

Nesses dias em que se sabe de rombo histórico das contas públicas, Dilma Rousseff pretende ainda reduzir a cobrança do Imposto de Renda para pessoas físicas e reajustar o Bolsa Família.

Francamente, dados a vida terrível que levam os pobres que dependem do Bolsa Família e o impacto menor no rombo desastroso, que viesse o reajuste. Por que não fez antes? Picuinha. A situação fiscal apenas piorou desde que Dilma 2 estreou. O deficit primário chegou a 2,3% do PIB, no acumulado dos últimos 12 meses, cerca de R$ 137,5 bilhões.