domingo, 7 de dezembro de 2014

A mudez da nudez


RENATO JANINE RIBEIRO - O ESTADO DE S. PAULO
06 Dezembro 2014 | 16h 00

Os corpos das mulheres que saem nuas às ruas já não dizem muito só por estarem nus?

DIEGO VARA/AGÊNCIA RBS
(Obs)cenas. No Parque Moinhos de Vento e na Rua Gal. Alto, Porto Alegre; e no câmpus da UFRN
Tudo que temos são poucas fotos e um vídeo curto. Uma moça, provavelmente estudante, seus 20 anos, corpo bonito, o rosto coberto por uma focinheira, vestindo só uma calcinha, imita um cachorro. Ao se retirar, faz xixi num poste. Especulam uns que fez laboratório, talvez com um psiquiatra. Ou dizem que é trabalho de conclusão de curso em artes cênicas. No vídeo, ela late para um segurança, que não a reprime. Isso ocorreu no câmpus da UFRN, em Natal, no dia 13 de novembro e, embora não tenha bombado na imprensa nacional, está nas redes. A moça não publicou manifesto, mas em seu corpo seminu estão escritos vários protestos. 
O protesto nu se viralizou (na verdade, tirando dois casos, não se sabe se são protestos). Uma microepidemia começou por Porto Alegre. Não houve violência policial, o que é bom. No Sul, uma corredora nua contou ao jornalista que a viu e entrevistou uma história de vida complicada, dura. Depoimentos, só temos o dela e o da manifestante do outro Rio Grande. 
O que me chama a atenção é que, tão logo alguém sai pelado - especialmente se for mulher -, a primeira reação é supor que seja doente mental. Só aceitamos que seja protesto se houver grupos, convocação e texto. Só é político se for racional, se tiver palavras que expliquem para que tiram a roupa. Se for apenas um gesto, e em especial se for de uma mulher isolada, ela é louca. Por isso o episódio nordestino, com seu escrito sobre um corpo, parece mais racional à primeira vista (notem que eu disse “parece”!) do que os gaúchos.
Fui atrás. Amigos com vínculos em Natal me passaram informações. Cheguei a Paula Salazar, a estudante da UFRN que saiu seminua no câmpus (ela enfatiza o “semi”, com razão). Um amigo dela, Pedro Bardini, publicou em seu Facebook uma pasta chamada “Caninga. Natown, 2014. Performance”, com uma profusão de fotos. Essa é a principal fonte para conhecer o que ela fez. Os comentários não surpreendem. A maioria é péssima. Muitos lhe recomendam um macho com membro rijo. Como são homens que nunca vão tê-la, é pura grosseria - não, é confissão de um desejo que, insaciado, fadado a nunca se saciar, tenta abolir a atração que sentem reduzindo-a a um corpo carente. Mulheres, se saem peladas à rua, é porque carecem de um macho. Ah a plenitude do pênis que pode suprir os vazios da feminidade (de propósito uso nesta frase a linguagem do Facebook, que reduz ou elimina vírgulas). 
Mais generosos, ou caridosos, um segundo contingente sugere que só por doença mental alguém (aqui, uma mulher) sai nua à rua. Tratem, portanto, de sua doença mental. Aliás, duas das quatro gaúchas foram atendidas para ver se tinham um problema psicológico sério. Caridade, aqui, não é virtude, é preconceito. Esses não querem castigo, porém gostariam de medicá-las. Mas e se quem sai nu não for doente?
Um terceiro grupo, vil, chama-as de feministas e até de esquerdistas, mas usando as palavras como xingamentos. Eles as pronunciam com ódio. Mais que os movimentos feministas, são eles que politizam o acontecido. Politizar nem sempre é dar um upgrade. Geralmente, sim: quando se politiza, sai-se do confinamento sobre si mesmo, que os gregos consideravam característico do idiota, para se passar à vida social, em particular ao espaço em que o coletivo decide sobre a vida coletiva. É o que chamamos de política: uma coletividade se reunir para decidir seu futuro. 
Por isso a democracia é o apogeu, a realização da política. Mas aqui é o contrário. Os pregadores do ódio ao corpo feminino veem a política como degradação. Para eles, há papéis naturais do masculino e do feminino. Qualquer tentativa de mexer nessas essências naturais, fixas, rígidas é “política” - substituição do permanente, certo, correto, pelo instável, errado, infame. E para eles não há pior política do que essa, que subverte a hierarquia, que coloca o pobre como igual do rico, a mulher do homem, o gay do hétero. 
Ainda há um quarto grupo, pequeno, que se manifesta só nas fotos em que Paula Salazar está sem máscara, já arrancado o instrumento ortopédico que deixava seu rosto meio monstruoso, mais bestial do que humano. Como ela é bonita, esses - que a veem de face nua - a admiram. Voltou a ser mulher, tudo vira normal, business as usual. Conversei com ela. Perguntei se protestou contra a opressão à mulher. Não, protestava contra o autoritarismo da reitora da UFRN. Participou da ocupação da reitoria, onde fez uma dança de derviches, também com o peito nu. Cita Foucault no Face. Tem 24 anos, é casada. É bem diferente da única outra mulher, das que foram a público despidas, a falar. Esta foi Betina Baino, de uma beleza diferente, lutadora de MMA, que na tarde da quinta-feira 6 de novembro correu pelas ruas de Porto Alegre e foi entrevistada por um jornalista. Betina criticou Dilma, mas, sobretudo, reclamou de não conseguir mais lutar MMA. Fez um desabafo, mais espontâneo e menos refletido que o de Paula. “Ainda não sei o que foi”, disse no FB, dias depois. 
São essas as duas únicas vozes que tivemos de um fenômeno que chamou a atenção recentemente e não sabemos se terá ou não futuro. Tudo o mais que se diga delas é especulação - e diz mais sobre quem fala do que sobre elas. Betina desabafou durante três minutos. Falei com Paula bem mais que isso. Mas é enorme o leque de interpretações que surgiu a respeito. A maior parte surfa na hostilidade. Ia dizer “no preconceito”, mas a palavra nem sempre é ruim ou errada; como pouco sabemos o que aconteceu, tendo a voz apenas de duas de cinco, uma das quais ainda não sabe o que deu nela, é inevitável apenas especularmos. Mas me parece curioso que alguns tenham pensado, em Porto Alegre, que seria uma iniciativa publicitária, algumas mulheres correndo nuas para, daí a uns dias, ser lançado um novo produto (o que não sucedeu). 
Esse contraste fascina. Por um lado, a vida nua, sem acréscimo cultural externo ao corpo. O simples corpo. Por outro, um ferver de interpretações, que procura vestir esses corpos com sentidos. Esses sentidos atribuídos pelos espectadores não amam nem respeitam o corpo. Pouco importa, aqui, que eles sejam bonitos ou não. O olhar masculino geralmente admira a nudez feminina, geralmente é atraído por ela, e isso não só quando a mulher é bela. Atos de nudez despertam reações atávicas. Não digo que sejam reações puramente naturais. Nossa psique foi trabalhada por milênios, a ponto de não ser mais puramente natural. (O apelo da sexualidade, na psique e na psicologia, se deve a ter ela uma força enorme de instinto ou de pulsão; se formos procurar o que está mais perto da natureza, diremos certamente que é a sexualidade - e talvez tenhamos razão.) O corpo de Betina parece portar marcas do sofrimento que ela colocou em palavras na sua breve, mas tocante, entrevista. O de Paula, embora o escrito sobre seu corpo e também suas palavras lhe deem um sentido mais racional, mais político, contrasta com uma certa mudez. Ao contrário de Betina, ela não abriu a boca, não enquanto performava, não pelo menos para exprimir a linguagem humana. 
Temos por um lado a exposição bruta, simples, nua de corpos, como que zerando o que possamos dizer deles. O silêncio dos corpos (mas precisariam falar? Já não nos perguntam, já não nos dizem muita coisa, só por estarem nus?). A mudez da nudez. Por outro, temos um amplo superávit de discursos, a maior parte dos quais proclamando o escândalo, a obscenidade do que viram. Proclamando e querendo expulsar, claro. A tal ponto que resta a pergunta: querem mesmo expulsar? Ou são como aqueles que xingam as mulheres que veem nuas em fotografias, mas xingam justamente para continuar olhando, desfrutando, gozando por procuração, substituindo o órgão genital pelo olhar?
Uso aqui a palavra “obsceno” só para descrever. O termo provavelmente vem da soma do latim ob (para, rumo a) e caenum (sujeira), definindo algo sujo, indecente, ofensivo. Mas pode também vir da soma de ob com scenus (cena), referindo o que está fora de cena, o que não se exibe (ou não deveria ser exibido). Quando há mais do que uma etimologia, é bom usar todas. No caso, transgride-se a proibição de exibir algo que é sujo, molesto, agressivo. Ora, em nossa sociedade várias dessas características ruíram. O sexo, o corpo é sujo? Mas vemos a nudez, em sua forma bela, comercializada a todo instante nas várias mídias, das revistas adultas a canais de televisão. O sexo antes do casamento deixou de ser interdito, para se tornar norma. Sujeira onde? Até a Constituição de 1988, para apresentar uma peça de teatro era preciso o aval da censura. Isso acabou. E embora seja difícil entender Betina, dados os ruídos no ambiente, a certa altura ela afirma que mostrar o corpo não tem nada de errado. Errado é o que se faz na vida social e política. É como se vivêssemos hoje o confronto entre duas ideias de obscenidade, uma tradicional, para a qual toda nudez deve ser castigada, e outra nova, que considera obscena a corrupção. 
Mas, para concluir, volto às duas nuas com nome e RG. Há um contraste final, curioso. Paula construiu sua personagem a partir da política, mais universitária, aliás, do que feminista. Mascarou-se de sofrimento, mas esse é uma representação, é algo externo a seu rosto, que, quando ela retira o suporte, está alegre, com a sensação de que fez o que queria. Betina, sem máscara nem maquiagem, visivelmente sofre. O repórter pergunta se tem problemas de saúde, querendo dizer mental, se toma remédios, querendo dizer tarjados. O preconceito roda a mil. Ela sofre, mas isso não quer dizer que esteja doente. Sofrimento mental não é sinônimo de loucura. O sofrimento é tão frequente quanto o Omeprazol. Ora, as reações são significativas. Poucos, dos que comentam, sentem solidariedade, compaixão, palavra que significa sofrer junto com um ser vivo sofrente. Esse, o paradoxo final da nudez pública: ela deixa as pessoas nervosas. Incomoda-as. Mas causa pouca, se alguma, compaixão. Talvez sirva mais para condenar, como faz o Femen, do que para aproximar as pessoas. Mas essa não é uma falha da nudez na rua. É uma falha da rua diante da nudez. 
*
Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética, Filosofia Política da USP, é autor, entre outros livros, de A Sociedade Contra o Social: o Alto Custo da Vida Pública no Brasil (Companhia das Letras)

Temos boas chances de sair da confusão'


Luiz Guilherme Gerbelli
07 Dezembro 2014 | 02h 05
Hélvio Romero/Estadão
Unidade. Para se gerar as condições de crescimento, é preciso engajamento de todo o governo e não apenas da equipe econômica, avalia Ilan
SÃO PAULO - No cenário do economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, os próximos quatro anos deverão ser de baixo crescimento. Na melhor das hipóteses, o segundo governo Dilma Rousseff terá uma faixa de crescimento de 2%. Flamenguista, Ilan usou uma metáfora futebolística para se referir ao anúncio do botafoguense Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Ao contrário do Botafogo, Levy tem condições de evitar um rebaixamento da nota de crédito do País. "Joaquim e companhia têm boas chances de nos tirar da confusão", disse. Um avanço maior do crescimento viria, segundo Ilan, com um engajamento de todo o governo e não apenas da equipe econômica.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.
Qual é a avaliação da nova equipe econômica do governo?
Eu achei uma ótima notícia. O Joaquim Levy é uma pessoa que já esteve trabalhando nisso, fazendo um ajuste fiscal. Participou do governo antes, do governo do Rio. Em termos de experiência no setor público, fazendo o ajuste fiscal, não poderia ser melhor essa opção.
O sr. escreveu um artigo lembrando que Levy é botafoguense, mas ao contrário do Botafogo, o Brasil escapa do rebaixamento. O sr. está seguro de que, com ele, o Brasil não perde o grau de investimento?
Seguro ninguém está, mas acho que o Joaquim e companhia têm boas chances de nos tirar da confusão. Agora, o objetivo não é só não ser rebaixado. A gente gostaria de ganhar alguma coisa. A gente poderia pensar numa classificação para o G-4 (grupo das equipes do Campeonato Brasileiro que vão para a Libertadores) ou pelo menos para a Sul-Americana. Os nossos objetivos estão baixos. Eu estou achando pouco só não ser rebaixado. Para poder fazer mais, ganhar alguma coisa, não basta só anunciar uma equipe econômica que vai fazer um ajuste fiscal. Precisa mais do que isso.
O que seria necessário?
Precisa de um engajamento de todo o governo. Não pode ser apenas da equipe econômica. É preciso um engajamento para gerar as condições do crescimento. Precisa mexer no que os economistas chamam do lado da oferta. Tem de crescer aumentando a produtividade. E, para aumentar a produtividade, é preciso elevar os investimentos e reduzir essa complexidade de fazer negócios no Brasil. Tudo é muito complexo, têm várias alíquotas. Se começar a reduzir essa complexidade, essa dificuldade de fazer negócio, o ganho em termos de produtividade pode ser grande. Mas eu acho que a gente não chegou nesse ponto ainda. Nesse ponto, você tem de acreditar muito que é esse o caminho.
O sr. vê isso na agenda do governo?
Por enquanto, não vejo. Ainda vejo uma visão, independentemente da equipe econômica, de que crescimento é consumo. É empurrar um pouco para ver se com o consumo consegue botar o carro para funcionar. Tem um bando de gente empurrando o carro para ver se ele anda sozinho. Tem de parar o carro, trocar as peças que não estão boas, limpar, e aí ele vai andar. Se só empurrar, ele não anda. Tem de mexer do lado da produtividade. Não estamos nesse passo ainda. 
Com um ajuste fiscal para impedir um rebaixamento, e essa visão mais preocupada com o consumo, qual o cenário para a economia nos próximos anos?
Eu vejo um cenário sem crise, mas sem aceleração do crescimento. Eu vejo um crescimento que pode chegar a 1% e 2%.
Um crescimento de 2% em 2016?
Mais para a frente. Para 2015, entre 0 e 1%, no ano seguinte entre 1% e 2%. Estou falando se der tudo certo. O que é tudo certo? Faz um ajuste fiscal, ganha um pouco de confiança, de repente, os juros diminuem um pouco, o investimento, que está super retraído – caiu 9% –, também deixa de cair, e aí começa a crescer. Não é aquele ajuste, de novo, que transforma o País.
Mas ele tira de uma situação perigosa.
Naquela analogia, você fica bem no meio da tabela. 
E em 2017?
Se tudo correr bem, pode chegar a 2%.
O governo termina em 2018 numa faixa de crescimento de quanto?
Acho que na melhor das hipóteses em torno de 2%.
Seria uma média de crescimento de novo governo ainda baixa?
Existe um cenário em que esse crescimento é maior. É um cenário onde a visão da equipe econômica vira visão de governo. Onde, de fato, o governo se engaja. Eu ainda não estou vendo isso. Eu vejo uma equipe econômica falando do futuro, de transparência. Por exemplo, o governo vai adotar um crescimento que esteja na média da Focus (relatório em que o Banco Central colhe as expectativas para a economia). Não vou usar a média e mais ficção nas projeções. Não vou usar mais ficção na contabilidade criativa. Essa questão da meta fiscal e do dinheiro para o BNDES (na semana passada, o governo autorizou o Tesouro a conceder um crédito de R$ 30 bilhões para o banco) nos dá um sinal de que não estamos naquela mudança de mentalidade e transformação completa do governo como um todo. A gente está vendo o passado convivendo com o futuro. E seria muito bom que o futuro chegasse logo. 
Mas a equipe atual não estaria fazendo uma limpeza para a próxima conduzir a economia do jeito dela?
Não temos certeza. A melhor hipótese é que está limpando tudo para começar um mundo diferente a partir de 1.º de janeiro. Seria a melhor notícia. É possível que a gente conviva nos próximos anos com uma certa dualidade – medidas boas com medidas não tão boas. Por isso, eu não estou num cenário com um crescimento do Brasil deslanchando. 
E a proposta de superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento de dívida) de 1,2%?
Tem uma meta de primário que é realista, de 1,2%. Ela é difícil. Antes mesmo de virar meta, fizemos um trabalho em que a nossa projeção era 1,2%. 
Qual o caminho que vocês acharam?
Primeiro, suamos muito para chegar no 1,2%. Mas eu falava assim: ‘Se não fizer no mínimo 1% (de primário), as agências de classificação vão nos rebaixar’. Mas uma parte relevante acaba vindo de imposto porque o País não consegue cortar tanto como se gostaria, até porque as despesas aumentam. Se o País não fizer nada, os gastos do governo avançam 0,5% do PIB. 
E para chegar no 1,2%?
Aí tem as linhas que estamos estudando: seguro-desemprego, pensão por morte, abono salarial, uma coisa de administração pública, investimento. Achamos que o ano termina em 0,2%. Vai para 1,2%. Esse 1% já começa perdendo meio se não fizer nada. Um ajuste de 1% é quase ajuste de 1,5%.
Houve uma luta do governo no Congresso para abrandar a meta fiscal e há um escândalo da Petrobrás em andamento. O quanto isso pode influenciar na economia brasileira?
De onde eu acho que pode vir o crescimento no curto prazo? De medidas que retomem a confiança. Retomar a confiança e gerar mais investimento. Confiança é a palavra-chave. Os escândalos podem afetar a confiança. É importante que, ao mesmo tempo, estão ocorrendo as apurações e os investimentos continuem andando. 
Qual é a expectativa do sr. com relação à inflação?
A inflação está em torno de 6,5%, e eu tenho a impressão de que vai ficar em torno disso no ano que vem. Mas, dentro da inflação, podem ter mudanças de composição importantes. 
Por quê?
Há duas forças ligadas ao ajuste. Um ajuste é do lado do câmbio, que está em R$ 2,55. Ele vem de R$ 1,60, R$ 2, R$ 2,20. Isso tem um impacto na mudança de preço relativo, que aumenta o preço dos bens comercializáveis. É a volta da última década, quando o câmbio apreciou. Isso pressiona a inflação. Além disso, outro fator ligado ao ajuste, é o preço dos bens administrados. A energia elétrica já vem subindo, a gasolina subiu um pouquinho e, na tarifa de ônibus, há discussão dos municípios para subir. 
Se esses preços estão subindo, por que a inflação ficará em 6,5%?
Porque a inflação de serviços que estava lá no céu, em 9%, caiu para 8%, e vai continuar caindo. A economia está fraca, e o consumo desacelerou – no último resultado do PIB, deu negativo. E os salários agora estão subindo mais ou menos com a inflação, talvez um pouquinho mais do que a inflação, dependendo da categoria. Então, tem economia enfraquecendo, os salários aumentando menos, e isso tende a reduzir a inflação de serviços. Você vai ter câmbio e administrados subindo, e serviços caindo. A gente não sabe muito bem qual vai ser o líquido. Mas não dá para dizer se vai ser mais ou menos, por isso, eu digo em torno de 6,5%. E tem o BC subindo juro para tentar fazer com que esse preço relativo não leve ao aumento de inflação.
O objetivo para a inflação ainda não é o centro da meta?
O meu cenário é como o do Luxemburgo (Vanderlei Luxemburgo, técnico do Flamengo) em tudo. Não ser rebaixado, no caso do BC é não deixar (a inflação) sair do controle. Me parece um cenário realista, não ideal. Não passa do teto, mas também não consegue chegar nos 4,5%.
O que o sr. achou da alta do juro e do comunicado do Banco Central? 
O comportamento do BC desde as eleições foi surpreendente pelo lado da assertividade. Alta de 0,25 ponto porcentual e aí acelerou. Não foi uma surpresa a aceleração para mim, porque houve sinais. O comunicado que veio trouxe dúvida. Não houve um entendimento muito claro de qual é o objetivo. Acho que o objetivo é evitar que haja uma reação muito forte, exagerada do mercado, mas acho que foi uma preocupação que acabou contaminando um pouco toda essa ideia de confiança e credibilidade.
Por quê?
Se reparar bem, normalmente, o que os bancos centrais tentam fazer: eles tentam mexer pouco nos juros e ter o máximo de impacto. O Banco Central Europeu fala, fala, e mexe pouco nos juros. No Brasil, o ideal seria mexer pouco no juro – já que ele é alto – e com o máximo impacto. O que foi feito, de certa forma, foi o inverso. Fez muito nos juros e tentou minimizar o impacto. Seria melhor fazer menos e falar mais ou fazer simplesmente mais e pronto. Mas eu acho que ficou uma certa percepção de que estavam tentando evitar um impacto muito grande sobre a própria decisão.
E qual a expectativa dos próximos passos do BC?
Eu acho que o BC mudou o ritmo. Não acredito que ele mudaria o ritmo para voltar depois. Acho que vai fazer mais um aumento de 0,50 ponto porcentual, e depois termina com um ritmo menor de 0,25.
E a política cambial, como fica nesse governo?
Tem um lado que não depende do Brasil, depende do dólar em relação às outras moedas do mundo. É o dólar que está apreciando porque os EUA são o único país importante, além da Inglaterra, que está crescendo. O resto está fraco. Isso leva a moeda a se apreciar.
E internamente?
Estamos com um déficit em conta corrente de 3,8% do PIB numa economia que não está crescendo. Mas quando há uma combinação de um país que não cresce, portanto não importa, com déficit, mostra que é o típico caso de uma falta de competitividade. E poucas vezes, nesses casos, se consegue apreciar as moedas. Em geral, tem pressão para ela depreciar.

Da TV Lula à TV Dilma - NELSON HOINEFF

O GLOBO - 06/12

A TV Brasil não construiu um conceito, um modelo de pensamento, uma programação. A TV pública, que deveria ser a locomotiva da experimentação, ousa menos que a comercial



A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) está completando sete anos e é saudável examinar o que ela fez pelo país. Apelidada de TV Lula na sua gestação, a EBC se anunciava alternativa pública à TV privada. Foi assim que um modelo orgânico de televisão pública se inaugurava no Brasil, 58 anos após a chegada da TV comercial.

A EBC criou a TV Brasil, gerando de saída um duelo de informações sobre a intenção: gerar uma inédita TV pública ou mais uma TV estatal. Isso confrontou ministros como Helio Costa e Franklin Martins, até chegar a um discurso único, que assegurava a opção pela TV pública.

Com mais de R$ 400 milhões no primeiro ano, a empresa não conseguiu, de saída, atingir ao menos três requisitos: ter sua imagem presente em São Paulo; desenvolver um jornalismo isento; e construir uma programação inovadora.

Mas se o que se vê hoje na tela é ruim, o que não se vê é bem pior. A EBC tem 2.300 funcionários, 70% envolvidos na atividade-meio. Seu jornalismo dispõe de mais recursos do que muitas redes privadas: 48 equipes em três praças.

Uma de suas principais atrações atuais é “Windeck”, uma novela angolana falada em português de Angola. Seu produtor é o filho do ditador José Eduardo dos Santos, para quem a presidente Dilma vendeu bombas com efeito redobrado de gás lacrimogêneo destinadas a reprimir manifestações populares.

“O conceito de ‘Windeck’ é mostrar como se vive a atualidade luandense”, diz Coréon Dú, autor da novela. Na defesa do produto, um membro do Conselho Curador lembrou que todos os personagens são negros. “Só tem um branco, garçom. Isso quebra estereótipos.”

Uma novela assim na grade de uma rede pública brasileira infere que a emissora não está obedecendo a uma estratégia de programação, mas a um programa de governo. Outra sinalização está na TVT, emissora do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que passou a ser reconhecida como emissora pública, com direito a repasses de R$ 2,5 milhões.

Enquanto isso, o orçamento para todo o banco de projetos de parceria com a produção independente caiu para R$ 1,8 milhão, o que, na prática, pode viabilizar de uma a três séries. A Ancine acena agora com recursos de R$ 60 milhões do FSA para a produção de conteúdo para a TV Brasil, mas, por enquanto o MinC apenas mapeia as produtoras existentes no país. Ainda assim, do orçamento de quase R$ 500 milhões de reais, 60 milhões foram devolvidos em 2013.

Entre os integrantes do Conselho Curador há uma consultora legislativa do Senado, uma secretária de comunicação da CUT, o presidente da Associação de Fabricantes de Carrocerias para Ônibus e uma agricultora familiar.

É este conselho que decide o que se vai produzir e exibir. Acompanhar suas reuniões é um bom exercício de compreensão do que é hoje a TV pública brasileira. Na reunião de 13 de agosto, o gerente de pesquisas Alberto Adler comemorou o fato que, até 11 de agosto, alguns programas ficaram acima de 0,5 ponto de audiência. Abaixo disso só o zero, traço.

A celebração foi tão inusitada que até o representante do MinC, Mario Borgneth, se insurgiu contra ela: “Dizer que temos relevância com um, dois ou três pontos de média mensal é forçar muito a barra.” Em defesa do 0,5 ponto, o conselheiro Claudio Lembo mudou o tom: “Essa TV é odiada pelas demais emissoras e é um milagre ainda estar no ar.”

Lembo foi governador de São Paulo por nove meses em 2006. É advogado e seu currículo não registra passagens pela televisão, o que acontece com 16 dos 22 conselheiros. A TV Brasil não é odiada: ela é ignorada. Não promoveu debate entre os presidenciáveis porque os candidatos se recusaram a ir até lá. Contudo, se odiada fosse, porque o seria? Não por ameaçar a Globo ou o SBT, com sua marca máxima de 0,5%.

Sobram evidências que, na TV Dilma, a televisão passa ao largo da televisão. O próprio presidente da empresa tem uma trajetória como repórter de economia e política, mas nunca passou pela televisão. Em compensação, tem credenciais relevantes: foi assessor de imprensa do ex-ministro José Dirceu e secretário de imprensa do ex-presidente Lula.

A TV Brasil não construiu um conceito, um modelo de pensamento, uma programação. A TV pública, que deveria ser a locomotiva da experimentação, ousa menos que a comercial.

Essa empresa consumiu até agora cerca de R$ 4,5 bilhões de dinheiro público. Não é pouca coisa. Sobretudo se for o custo do aparelhamento, do repique de um programa de poder que nos últimos anos conseguiu, para dizer o mínimo, acabar com a maior empresa do país.

O Brasil tem uma sólida TV comercial. Demorou para criar uma TV pública que pudesse complementá-la com inovação, ousadia, pesquisa e produção de excelência. Conseguiu condições políticas e recursos para isso. Não moveu uma palha para justificá-los. A TV Dilma não deu um passo adiante da TV Lula e não há sinais de que venha a dar. Com o que vem acontecendo, seria triste vê-la migrar dos cadernos de entretenimento para as páginas policiais.