Luiz Guilherme Gerbelli
07 Dezembro 2014 | 02h 05
SÃO PAULO - No cenário do economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, os próximos quatro anos deverão ser de baixo crescimento. Na melhor das hipóteses, o segundo governo Dilma Rousseff terá uma faixa de crescimento de 2%. Flamenguista, Ilan usou uma metáfora futebolística para se referir ao anúncio do botafoguense Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Ao contrário do Botafogo, Levy tem condições de evitar um rebaixamento da nota de crédito do País. "Joaquim e companhia têm boas chances de nos tirar da confusão", disse. Um avanço maior do crescimento viria, segundo Ilan, com um engajamento de todo o governo e não apenas da equipe econômica.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.
Qual é a avaliação da nova equipe econômica do governo?
Eu achei uma ótima notícia. O Joaquim Levy é uma pessoa que já esteve trabalhando nisso, fazendo um ajuste fiscal. Participou do governo antes, do governo do Rio. Em termos de experiência no setor público, fazendo o ajuste fiscal, não poderia ser melhor essa opção.
O sr. escreveu um artigo lembrando que Levy é botafoguense, mas ao contrário do Botafogo, o Brasil escapa do rebaixamento. O sr. está seguro de que, com ele, o Brasil não perde o grau de investimento?
Seguro ninguém está, mas acho que o Joaquim e companhia têm boas chances de nos tirar da confusão. Agora, o objetivo não é só não ser rebaixado. A gente gostaria de ganhar alguma coisa. A gente poderia pensar numa classificação para o G-4 (grupo das equipes do Campeonato Brasileiro que vão para a Libertadores) ou pelo menos para a Sul-Americana. Os nossos objetivos estão baixos. Eu estou achando pouco só não ser rebaixado. Para poder fazer mais, ganhar alguma coisa, não basta só anunciar uma equipe econômica que vai fazer um ajuste fiscal. Precisa mais do que isso.
O que seria necessário?
Precisa de um engajamento de todo o governo. Não pode ser apenas da equipe econômica. É preciso um engajamento para gerar as condições do crescimento. Precisa mexer no que os economistas chamam do lado da oferta. Tem de crescer aumentando a produtividade. E, para aumentar a produtividade, é preciso elevar os investimentos e reduzir essa complexidade de fazer negócios no Brasil. Tudo é muito complexo, têm várias alíquotas. Se começar a reduzir essa complexidade, essa dificuldade de fazer negócio, o ganho em termos de produtividade pode ser grande. Mas eu acho que a gente não chegou nesse ponto ainda. Nesse ponto, você tem de acreditar muito que é esse o caminho.
O sr. vê isso na agenda do governo?
Por enquanto, não vejo. Ainda vejo uma visão, independentemente da equipe econômica, de que crescimento é consumo. É empurrar um pouco para ver se com o consumo consegue botar o carro para funcionar. Tem um bando de gente empurrando o carro para ver se ele anda sozinho. Tem de parar o carro, trocar as peças que não estão boas, limpar, e aí ele vai andar. Se só empurrar, ele não anda. Tem de mexer do lado da produtividade. Não estamos nesse passo ainda.
Com um ajuste fiscal para impedir um rebaixamento, e essa visão mais preocupada com o consumo, qual o cenário para a economia nos próximos anos?
Eu vejo um cenário sem crise, mas sem aceleração do crescimento. Eu vejo um crescimento que pode chegar a 1% e 2%.
Um crescimento de 2% em 2016?
Mais para a frente. Para 2015, entre 0 e 1%, no ano seguinte entre 1% e 2%. Estou falando se der tudo certo. O que é tudo certo? Faz um ajuste fiscal, ganha um pouco de confiança, de repente, os juros diminuem um pouco, o investimento, que está super retraído – caiu 9% –, também deixa de cair, e aí começa a crescer. Não é aquele ajuste, de novo, que transforma o País.
Mas ele tira de uma situação perigosa.
Naquela analogia, você fica bem no meio da tabela.
E em 2017?
Se tudo correr bem, pode chegar a 2%.
O governo termina em 2018 numa faixa de crescimento de quanto?
Acho que na melhor das hipóteses em torno de 2%.
Seria uma média de crescimento de novo governo ainda baixa?
Existe um cenário em que esse crescimento é maior. É um cenário onde a visão da equipe econômica vira visão de governo. Onde, de fato, o governo se engaja. Eu ainda não estou vendo isso. Eu vejo uma equipe econômica falando do futuro, de transparência. Por exemplo, o governo vai adotar um crescimento que esteja na média da Focus (relatório em que o Banco Central colhe as expectativas para a economia). Não vou usar a média e mais ficção nas projeções. Não vou usar mais ficção na contabilidade criativa. Essa questão da meta fiscal e do dinheiro para o BNDES (na semana passada, o governo autorizou o Tesouro a conceder um crédito de R$ 30 bilhões para o banco) nos dá um sinal de que não estamos naquela mudança de mentalidade e transformação completa do governo como um todo. A gente está vendo o passado convivendo com o futuro. E seria muito bom que o futuro chegasse logo.
Mas a equipe atual não estaria fazendo uma limpeza para a próxima conduzir a economia do jeito dela?
Não temos certeza. A melhor hipótese é que está limpando tudo para começar um mundo diferente a partir de 1.º de janeiro. Seria a melhor notícia. É possível que a gente conviva nos próximos anos com uma certa dualidade – medidas boas com medidas não tão boas. Por isso, eu não estou num cenário com um crescimento do Brasil deslanchando.
E a proposta de superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento de dívida) de 1,2%?
Tem uma meta de primário que é realista, de 1,2%. Ela é difícil. Antes mesmo de virar meta, fizemos um trabalho em que a nossa projeção era 1,2%.
Qual o caminho que vocês acharam?
Primeiro, suamos muito para chegar no 1,2%. Mas eu falava assim: ‘Se não fizer no mínimo 1% (de primário), as agências de classificação vão nos rebaixar’. Mas uma parte relevante acaba vindo de imposto porque o País não consegue cortar tanto como se gostaria, até porque as despesas aumentam. Se o País não fizer nada, os gastos do governo avançam 0,5% do PIB.
E para chegar no 1,2%?
Aí tem as linhas que estamos estudando: seguro-desemprego, pensão por morte, abono salarial, uma coisa de administração pública, investimento. Achamos que o ano termina em 0,2%. Vai para 1,2%. Esse 1% já começa perdendo meio se não fizer nada. Um ajuste de 1% é quase ajuste de 1,5%.
Houve uma luta do governo no Congresso para abrandar a meta fiscal e há um escândalo da Petrobrás em andamento. O quanto isso pode influenciar na economia brasileira?
De onde eu acho que pode vir o crescimento no curto prazo? De medidas que retomem a confiança. Retomar a confiança e gerar mais investimento. Confiança é a palavra-chave. Os escândalos podem afetar a confiança. É importante que, ao mesmo tempo, estão ocorrendo as apurações e os investimentos continuem andando.
Qual é a expectativa do sr. com relação à inflação?
A inflação está em torno de 6,5%, e eu tenho a impressão de que vai ficar em torno disso no ano que vem. Mas, dentro da inflação, podem ter mudanças de composição importantes.
Por quê?
Há duas forças ligadas ao ajuste. Um ajuste é do lado do câmbio, que está em R$ 2,55. Ele vem de R$ 1,60, R$ 2, R$ 2,20. Isso tem um impacto na mudança de preço relativo, que aumenta o preço dos bens comercializáveis. É a volta da última década, quando o câmbio apreciou. Isso pressiona a inflação. Além disso, outro fator ligado ao ajuste, é o preço dos bens administrados. A energia elétrica já vem subindo, a gasolina subiu um pouquinho e, na tarifa de ônibus, há discussão dos municípios para subir.
Se esses preços estão subindo, por que a inflação ficará em 6,5%?
Porque a inflação de serviços que estava lá no céu, em 9%, caiu para 8%, e vai continuar caindo. A economia está fraca, e o consumo desacelerou – no último resultado do PIB, deu negativo. E os salários agora estão subindo mais ou menos com a inflação, talvez um pouquinho mais do que a inflação, dependendo da categoria. Então, tem economia enfraquecendo, os salários aumentando menos, e isso tende a reduzir a inflação de serviços. Você vai ter câmbio e administrados subindo, e serviços caindo. A gente não sabe muito bem qual vai ser o líquido. Mas não dá para dizer se vai ser mais ou menos, por isso, eu digo em torno de 6,5%. E tem o BC subindo juro para tentar fazer com que esse preço relativo não leve ao aumento de inflação.
O objetivo para a inflação ainda não é o centro da meta?
O meu cenário é como o do Luxemburgo (Vanderlei Luxemburgo, técnico do Flamengo) em tudo. Não ser rebaixado, no caso do BC é não deixar (a inflação) sair do controle. Me parece um cenário realista, não ideal. Não passa do teto, mas também não consegue chegar nos 4,5%.
O que o sr. achou da alta do juro e do comunicado do Banco Central?
O comportamento do BC desde as eleições foi surpreendente pelo lado da assertividade. Alta de 0,25 ponto porcentual e aí acelerou. Não foi uma surpresa a aceleração para mim, porque houve sinais. O comunicado que veio trouxe dúvida. Não houve um entendimento muito claro de qual é o objetivo. Acho que o objetivo é evitar que haja uma reação muito forte, exagerada do mercado, mas acho que foi uma preocupação que acabou contaminando um pouco toda essa ideia de confiança e credibilidade.
Por quê?
Se reparar bem, normalmente, o que os bancos centrais tentam fazer: eles tentam mexer pouco nos juros e ter o máximo de impacto. O Banco Central Europeu fala, fala, e mexe pouco nos juros. No Brasil, o ideal seria mexer pouco no juro – já que ele é alto – e com o máximo impacto. O que foi feito, de certa forma, foi o inverso. Fez muito nos juros e tentou minimizar o impacto. Seria melhor fazer menos e falar mais ou fazer simplesmente mais e pronto. Mas eu acho que ficou uma certa percepção de que estavam tentando evitar um impacto muito grande sobre a própria decisão.
E qual a expectativa dos próximos passos do BC?
Eu acho que o BC mudou o ritmo. Não acredito que ele mudaria o ritmo para voltar depois. Acho que vai fazer mais um aumento de 0,50 ponto porcentual, e depois termina com um ritmo menor de 0,25.
E a política cambial, como fica nesse governo?
Tem um lado que não depende do Brasil, depende do dólar em relação às outras moedas do mundo. É o dólar que está apreciando porque os EUA são o único país importante, além da Inglaterra, que está crescendo. O resto está fraco. Isso leva a moeda a se apreciar.
E internamente?
Estamos com um déficit em conta corrente de 3,8% do PIB numa economia que não está crescendo. Mas quando há uma combinação de um país que não cresce, portanto não importa, com déficit, mostra que é o típico caso de uma falta de competitividade. E poucas vezes, nesses casos, se consegue apreciar as moedas. Em geral, tem pressão para ela depreciar.
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