sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O ninho vazio - RUY CASTRO


FOLHA DE SP- 17/01

RIO DE JANEIRO - Uma amiga está triste porque sua filha se mudou para Nova York. Foi estudar na Universidade Columbia e não deve voltar tão cedo. O filho mais velho, também há pouco, foi trabalhar em outra cidade. Os dois moravam com ela. De repente, minha amiga ficou sozinha em casa. Está passando pela "síndrome do ninho vazio", uma figura da psicologia para definir a depressão que se apossa de alguns pais --ou, quase sempre, mães-- quando seus filhos vão à vida.

Estava pensando nisso quando, pouco antes do Natal, percebi certos movimentos alados no terraço. Uma rolinha ia e vinha, com matinhos no bico, e pousava numa viga alta do caramanchão. Mesmo à distância, constatei que estava construindo um ninho. No Natal, o ninho ficou pronto. Ela sossegou e sentou-se nele pelos dias seguintes. Batizei-a de Lola, a Rola, e saboreei a expectativa de, em breve, ser avô.

Não entendo de passarinhos, mas calculei que, por sua circunspecção no ninho, Lola devia estar sentada sobre três ou quatro ovos --e, se assim fosse, merecia respeito pelo que lhe devia ter custado botá-los para fora. Mas Silvania, minha funcionária, aproveitou-se da temporária ausência de Lola --numa das poucas vezes em que ela saiu, certamente para ir às compras--, subiu a um banquinho, espiou o conteúdo do ninho e me informou de que eu era avô de um único ovo.

Bem, não sejamos soberbos, um já estava bom. Dias depois, constatamos que, em certos momentos, o rabo e a cabecinha para fora do ninho eram menores. O bebê nascera. Dei-lhe o nome de Lolita, a Rolita, e esperei que ela e sua mãe nos brindassem com algumas piruetas, mesmo desajeitadas, como parte do aprendizado aéreo de Lolita.

Que nada. Ontem, Lola, a Rola, e Lolita, a Rolita, foram embora bem cedo. E sem se despedir. Agora entendo a síndrome do ninho vazio.

Vereadores pediram R$ 5 milhões à quadrilha


Pedido teria sido feito por Donato e Aurélio Miguel para arquivar CPI do IPTU em SP

17 de janeiro de 2014 | 2h 04

Artur Rodrigues, Bruno Ribeiro e Fabio Leite - O Estado de S.Paulo
Os vereadores Antonio Donato (PT) e Aurélio Miguel (PR) pediram R$ 5 milhões ao auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues para que a CPI do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) na Câmara Municipal de São Paulo fosse arquivada, diz uma testemunha protegida em depoimento ao Ministério Público Estadual (MPE). Os parlamentares eram, respectivamente, relator e presidente da comissão, criada em 2009 para investigar supostas falhas na arrecadação do imposto na gestão Gilberto Kassab (PSD). Ambos negam as acusações.
Segundo a testemunha, que não apresentou provas, Donato tinha "íntima relação" com Ronilson, apontado como chefe da máfia do Imposto Sobre Serviços (ISS). Ela afirma ter ouvido do fiscal que o petista comparecia à sua residência "para tomarem cerveja juntos e também para retirar dinheiro", que tinha como origem a cobrança de propina feita pela quadrilha, acusada de desviar até R$ 500 milhões da Prefeitura com sonegação do imposto. À época, Ronilson era o subsecretário da Receita Municipal, chefe da arrecadação na cidade.
No depoimento, tomado pelo MPE no dia 19 de dezembro, a testemunha diz que "no curso da CPI Donato e Aurélio Miguel chamaram Ronilson para uma conversa e disseram que queriam R$ 5 milhões para que a CPI fosse arquivada". Ela afirmou desconhecer quando o fato teria ocorrido, mas que "Ronilson dizia que pagando em porcentagens durante longo período tinha convicção de que havia dado mais que os R$ 5 milhões tratados inicialmente".
Ontem, também em depoimento ao MPE, o auditor Eduardo Horle Barcellos, acusado de integrar a quadrilha, disse que Ronilson deu dinheiro para Aurélio Miguel para que não fosse instalada uma CPI do ISS na Câmara Municipal. Tanto Ronilson quanto Barcellos prestaram depoimento à CPI do IPTU, mas não sofreram nenhuma acusação no relatório final.
Foi Barcellos quem disse em novembro de 20130 ao MPE que pagou mesada de R$ 20 mil a Donato entre dezembro de 2011 e setembro de 2012 para a campanha eleitoral do petista. A denúncia ocorreu no mesmo dia em que Donato pediu demissão do cargo de secretário de Governo do prefeito Fernando Haddad (PT). Segundo o fiscal, Donato recompensou a quadrilha com cargos na gestão Haddad. Ronilson foi indicado para ser diretor financeiro da São Paulo Transportes (SPTrans) e Barcellos, nomeado no gabinete de Donato. Ele nega.
Ficção. Em nota, Donato afirma que o depoimento da testemunha protegida "é uma peça de ficção, sem qualquer fundamento" para "desviar o foco das investigações" sobre a máfia. "Antonio Donato nunca esteve no apartamento de Ronilson Bezerra Rodrigues e jamais recebeu qualquer recurso dele e dos outros envolvidos no esquema. No período em que foi secretário de Governo do prefeito Fernando Haddad, Donato deu todo apoio ao trabalho da Controladoria-Geral do Município (CGM), que desbaratou a fraude. O sucesso da investigação da CGM é a maior prova de que estes servidores não foram alertados sobre a apuração, nem receberam oferta de ajuda", afirma o petista.
Também em nota, Aurélio Miguel diz serem "mentirosas as informações relativas a um suposto recebimento de dinheiro para que se arquivasse a CPI do IPTU" e que o relatório final da comissão "descobriu mais de 3,4 milhões de metros quadrados que não estavam lançados na base de dados da Prefeitura "e foi aprovado por unanimidade" na CPI. "Qualquer arquivamento teria de passar necessariamente por uma votação em que a maioria dos membros decidisse por este caminho", afirma.

Kassab recebeu 'fortuna' da Controlar, diz testemunha da máfia do ISS

Dinheiro teria ficado guardado no apartamento do ex-prefeito até que a empresa passou a ser investigada pelo MPE

16 de janeiro de 2014 | 20h 55
Artur Rodrigues, Bruno Ribeiro e Fabio Leite - O Estado de S. Paulo
(Atualizada às 0h15)
MPE questiona contrato da Prefeitura com a Controlar, que seria irregular - Evelson de Freitas/Estadão
Evelson de Freitas/Estadão
MPE questiona contrato da Prefeitura com a Controlar, que seria irregular
Em depoimento ao Ministério Público Estadual (MPE), uma testemunha protegida disse ter ouvido que o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD) recebeu "verdadeira fortuna" da Controlar, empresa responsável pela inspeção veicular, e que o dinheiro ficou guardado em seu apartamento. Ex-secretário de Finanças de Kassab, Mauro Ricardo também é citado. A testemunha não apresentou provas e os acusados negam irregularidades.
A testemunha relatou fatos que teriam sido narrados por Ronilson Bezerra Rodrigues, apontado como líder da máfia do Imposto Sobre Serviços (ISS). Ele afirmou que Kassab pediu ajuda ao empresário Marco Aurélio Garcia, irmão do secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Rodrigo Garcia, para levar o dinheiro até uma fazenda em Mato Grosso. Kassab nega e classifica as acusações como "fantasiosas".
Ainda segundo o relato, Ronilson disse à testemunha protegida, "em tom de anedota", que o avião "teve dificuldade de decolar em razão da quantidade de dinheiro embarcada".
O depoimento da "testemunha Gama" consta do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) 03/2013 do MPE, presidido pelo promotor Roberto Bodini, e foi anexado aos autos no dia 19 de dezembro.
O contrato com a Controlar é alvo de outra ação do MPE. A contratação da empresa, em 2007, foi feita a partir de uma licitação da gestão Paulo Maluf (PP), em 1996. Para o órgão, deveria ter sido feita uma nova concorrência. Kassab é um dos réus no processo criminal.
Ligações. A testemunha relatou estreita ligação entre Kassab e Ronilson. Disse que o escritório que os fiscais da máfia do ISS frequentavam, no Largo da Misericórdia, centro da capital, chamado de "ninho", era usado por Kassab antes de a máfia ocupar o imóvel. O locatário da sala é Marco Aurélio. Seu irmão, o secretário Garcia, foi durante anos o principal aliado político e sócio do ex-prefeito. Ambos faziam campanha eleitoral juntos e só romperam politicamente em 2011.
Conforme o relato, Kassab chegou a ignorar denúncias de corrupção na Secretaria Municipal de Finanças, a pedido de Ronilson. "Em dada situação, Gilberto Kassab recebeu uma fita de filmagem em que um auditor fiscal havia achacado uma empresa de segurança. Diante daquela prova cabal de corrupção, Ronilson pediu que Kassab não prosseguisse com a investigação porque o auditor seria um amigo seu. Kassab acolheu a justificativa, mas determinou que Ronilson ‘segurasse seu pessoal, pois estamos em ano eleitoral’".
Em outro trecho, a testemunha afirma que "Kassab pediu que Ronilson fosse a uma reunião com representantes de empresas no restaurante Girarrosto. Ronilson perguntou a Kassab do que se tratava e o prefeito disse: ‘Vai lá e resolve, cumpra as minhas ordens’. Ronilson foi até o local e inteirou-se do assunto, descobrindo que na verdade era um pedido para que fosse abortada uma fiscalização em um determinado estabelecimento. Ronilson cumpriu a ordem". O relato segue. "Kassab perguntou para Ronilson quanto poderia ser cobrado da empresa e Ronilson disse que poderiam ser cobrados milhões."
Os fatos trazidos pela testemunha serão analisados pelo MPE. Dada à proximidade com Ronilson, a "testemunha Gama" é tida como peça-chave do caso da máfia do ISS.
Secretário. Os pedidos de suspensão de investigações não eram feitos apenas por Kassab, segundo a testemunha.
Mauro Ricardo, ex-secretário de Finanças da gestão passada e chefe de Ronilson, também pedia favores dessa natureza, segundo o relato. A "testemunha Gama" citou um caso em que a empresa de outro funcionário de confiança da secretaria era investigada. 

Diretor de estatal cita propina do cartel em inquérito; um mês depois é demitido


Titular de vários cargos de chefia em estatais dos governos tucanos em SP, Chiaradia diz que ouviu relatos de pagamentos a agentes públicos; é a 1ª testemunha de dentro da gestão estadual a falar em corrupção no caso dos trens

17 de janeiro de 2014 | 2h 08

Fernando Gallo e Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo
Titular de vários postos de comando em estatais ao longo dos governos tucanos em São Paulo, Benedito Dantas Chiaradia disse em depoimento prestado em 14 de novembro à Polícia Federal que ouviu de pessoas da área metroferroviária relatos sobre pagamento de propina a agentes públicos.
Chiaradia, que foi diretor da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) entre 1999 e 2002, disse que o consultor Arthur Teixeira era apontado como intermediador das empresas do cartel. Ele viabilizava, segundo os relatos que diz ter ouvido, o pagamento de propina para o hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Robson Marinho, chefe da Casa Civil do governo Mário Covas nos anos 1990, e para servidores da CPTM e do Metrô.
Até o fim do ano passado Chiaradia tinha um cargo de direção no Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), autarquia do governo paulista. Acabou exonerado no dia 20 de dezembro, pouco mais de um mês após o depoimento à Polícia Federal.
Chiaradia é a terceira testemunha a citar propina do cartel no inquérito e a primeira de dentro do próprio governo a tratar do assunto. A Polícia Federal tem em mãos um depoimento do ex-diretor da empresa alemã Siemens Everton Rheinheimer no qual ele cita propina para diretores de estatais de trens e para políticos - três deles ocupam hoje o secretariado do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A outra testemunha que citou aos policiais federais a propina - mas num contexto de que apenas suspeitava dela - foi o executivo da Siemens Mark Gough, que atua na empresa na Alemanha.
O inquérito do cartel, aberto em 2008, está no Supremo Tribunal Federal pois os secretários de Alckmin são deputados licenciados e têm foro privilegiado. 
 
Assinatura. Chiaradia atuou na CPTM como diretor administrativo e financeiro na mesma época em que João Roberto Zaniboni, Oliver Hossepian e Ademir Venâncio ocupavam cargos de chefia na estatal. Os três foram indiciados no inquérito pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, crime financeiro e formação de quadrilha.
Chiaradia foi um dos signatários de um dos três contratos da CPTM que a Siemens denunciou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - a empresa alemã admitiu ao órgão federal as combinações entre as empresas a fim de evitar ou diminuir futuras sanções. Há mais três contratos sob suspeita, nos metrôs de São Paulo e de Brasília. Chiaradia, porém, não foi indiciado porque a Polícia Federal não encontrou problemas em suas movimentações financeiras ao quebrar seus sigilos.
No depoimento de novembro, ele declarou que "Teixeira tinha contato muito próximo e constante com Oliver, Ademir e Zaniboni" e que "acredita que essas reuniões eram para tratar de propina". Chiaradia disse acreditar que um dos motivos para ter deixado a CPTM naquela época "foi justamente não ter convívio social" com os outros três, "o que demonstrava a clara má vontade para assuntos relativos ao pagamento de propinas". Ele também disse crer que os valores encontrados nas contas de Zaniboni na Suíça eram "a título de propina".
Histórico. Chiaradia tem longa ficha de serviços prestados ao Estado de São Paulo. Advogado, chefiou o departamento jurídico do Metrô entre 1975 e 1983. Entre 1983 e 1986 assessorou secretários de Segurança Pública e foi chefe de gabinete de Miguel Reale Jr. Depois de uma incursão de uma década no setor privado, voltou ao serviço público em postos no governo estadual. Entre 2005 e 2007 foi secretário-geral da Assembleia Legislativa de São Paulo. Depois voltou para o Executivo paulista, retomando cargos nas direções de estatais e autarquias.