segunda-feira, 28 de outubro de 2013

As chances de Dilma Rousseff - RENATO JANINE RIBEIRO


VALOR ECONÔMICO - 28/10
Dilma Rousseff tem chances. Não, não estou falando de se reeleger em 2014; ela hoje é favorita. O que me pergunto...
Dilma Rousseff tem chances. Não, não estou falando de se reeleger em 2014; ela hoje é favorita. O que me pergunto é se tem chances de, ao fim de quatro ou oito anos na presidência, ter efetivado mudanças de que o Brasil precisa. Falo em mudanças sociais. Muitos, quando falam em mudanças, destacam reformas econômicas, que facilitem o ambiente para os negócios. Estas são importantes, mas são meios para realizar fins. Num país como o Brasil, cuja população finalmente exige, e cada vez mais, os serviços públicos de que deveria gozar faz muitos anos, a questão é quem vai realizar esse desejo.
Não estou convencido de que haja só uma rota para uma democracia que funcione. Há países que o conseguiram com uma intervenção maior do Estado na economia; outros, com a desregulamentação da atividade econômica. O sucesso de um caminho ou outro depende de vários fatores. Destaco dois. Primeiro, a cultura do povo. Aqui, não faço juízo de valor. Apenas observo que os Estados Unidos e alguns outros países têm uma tradição do empreendimento individual, que resulta em ganhos sociais. Na França e na Europa continental, vigora uma cultura diferente. Ambas deram resultados muito bons.

O segundo fator é a conjuntura. Mesmo os Estados Unidos tiveram seu tempo de forte intervenção do Estado - e foi uma das épocas decisivas de sua história, sob Franklin Roosevelt, que tirou o país da recessão iniciada em 1929 e o conduziu na guerra contra o nazismo. No Reino Unido, que desde Thatcher segue uma relação mais norte-americana entre o poder político e o mercado, a grande mudança se deu no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, quando os trabalhistas fizeram da estatização das decisões econômicas, necessidade imposta por Churchill durante a guerra, virtude.

O que decidirá seu governo é a melhora dos serviços públicos

Não bastam a cultura de um povo, seus valores, o modo como ele dá o melhor de si, e que pode ser individualista ou coletivo, atuando mais na economia ou na política. Há também o momento histórico. Articular a linhagem cultural que vem de longe e o instante em que se dá a política é o desafio do líder.

Não dou por resolvida a eleição do ano que vem. Mas cabe perguntar: pode Dilma ser uma grande presidente?

Ela teve a sorte e o azar de suceder a dois presidentes que estão entre os melhores que tivemos, numa lista de quatro que inclui Getúlio e Juscelino. Com FHC e Lula, consolidou-se a democracia. Um golpe militar é fora de questão. Essa, a sorte de Dilma, sua herança bendita.

O seu azar: eles são grandes líderes políticos, enquanto o mérito dela sempre esteve na gestão. FHC é um grande comunicador. Líder no Senado, dizia-se que ganhava as questões no gogó , na fala. Presidente, ele persuadia. Conquistou a classe média, ao passo que Lula, que além disso é um líder carismático, estendeu a comunicação política aos mais pobres. FHC pela razão ( mas uma razão no nível do senso comum , como ouvi dele há três anos), Lula pelas metáforas e a emoção, ganharam apoio político para projetos difíceis e necessários - a estabilização monetária, a escolha entre privatização e estatismo, a inclusão social. Seus ministros, Sergio Mota e Dilma Rousseff à frente, executaram.

Dilma passou de gerente ou gestora a presidente. É uma transição difícil. Mas é mais normal termos um presidente normal do que um gênio na comunicação. Faz parte de nosso amadurecimento não precisarmos, cada quatro anos, eleger um presidente que sabe vender, à sociedade, os valores. Uma das tarefas dela é efetuar essa passagem do tempo de exceção para o tempo da normalidade.

O que o Brasil agora quer, aquilo de que precisa, é um Estado que funcione, garantindo que os serviços que ele presta ou fiscaliza tenham qualidade. Conseguimos o restante. Nossas eleições são limpas - mais até que as norte-americanas, pois lá, em 2000, deram posse a um candidato eleito pela fraude. A miséria está baixando. Quando mais pessoas se sentem integradas na sociedade, elas sentem que têm algo a perder, e valorizam o que existe. Mas por que isso não se expressa na consciência das pessoas? Por que é mais fácil tantos se dizerem contra tudo o que está aí do que reconhecerem o quanto foi conquistado, e construir a nova etapa de nossa democracia?

Paradoxalmente, um dos êxitos de nossa democracia é que ela liberou a exigência. Antes, direitos eram uma questão mais teórica. Quando tantos eram privados de tanto, eles sequer se sentiam com direito a ter direitos , tema central dos direitos humanos, entre nós desenvolvido por Celso Lafer. Por isso, é natural que tantas pessoas exijam, pacifica ou mesmo violentamente, educação, saúde, transporte e segurança públicos de qualidade. Aqui entra a gestão. Dilma Rousseff tem um histórico de gestora. Atender essas novas demandas não é fácil. A primeira resposta de qualquer gestor, seja o prefeito Haddad do PT, seja o governador Alckmin do PSDB, é que falta orçamento. Acredito. Mas terão de fazer milagres.

A bola da vez está com Dilma. Ela tem um ano para mostrar alguns resultados visíveis. É pouco tempo, mas desta vez parece que, mais do que a comunicação ao estilo FHC ou Lula, o que se quer é algo bem tangível no dia a dia dos serviços de responsabilidade do Estado. Será reeleita mais facilmente se demonstrar alguma melhora. Em 2018, suponho que a conta será mais alta. A sociedade, melhor dizendo, o eleitorado de maioria pobre vai querer resultados bem superiores. É um jogo em dois tempos. O aviso foi dado. Seja quem for eleito em 2014, precisará ir longe nessa questão.

Minha vida, meu negócio - EUGENIO BUCCI


REVISTA ÉPOCA

A barulheira gerou um fio de esperança. A reação exaltada contra as declarações de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, para quem os livros biográficos só podem ser publicados mediante autorização dos biografados, foi finalmente ouvida na Câmara dos Deputados. Na semana passada, parlamentares prometeram acelerar a aprovação do projeto de lei que altera o Código Civil para impedir a censura às biografias. Quando tudo parecia sem saída, quando até Chico Buarque, Gil e Caetano, símbolos da causa democrática, cerraram fileiras contra a liberdade de expressão, eis que desponta uma centelha no fim do longo túnel. Depois da treva, uma luz (ao fim da tempestade). Às vezes, a esperança é a última que nasce.

Se os deputados cumprirão a palavra, bem, isso é outra história (outras biografias). Mas uma esperança nasceu. Falta agora nascer a clareza. É realmente incrível. Falou-se tanto, escreveu-se tanto, bateu-se tanto em tantos por tantas semanas, e o entendimento sobre o que está em jogo ainda é tão pouco. A gritaria toda, que ajudou a quebrar a inércia pétrea do Congresso Nacional (ao menos é o que esperamos), não nos trouxe compreensão sobre o verdadeiro impasse.

Não estamos às voltas com forças do mal, que pretendem restaurar a ditadura militar no Brasil. Sim, há quem queira isso.

Mas Caetano, para tomar um exemplo, não é censor nem reacionário. Ele é um democrata, como seus amigos. O problema é que ele defende outra lógica - e essa lógica entra em choque com a democracia. E é sobre isso que deveríamos pensar.

Desde que o inglês John Milton, ainda no século XVII, afirmou o direito fundamental do cidadão de publicar o que bem entender, sem ter de pedir licença ao poder, a livre circulação do pensamento se tornou um dos alicerces das sociedades livres. Primeiro, cada um expressa o que julgar necessário. Depois, apenas depois, responderá pelos excessos que cometer. Acontece que, de uns tempos para cá, o mundo começou a ficar esquisito. Há, hoje, legislações restritivas em toda parte, até no Reino Unido e na França. Não sabemos resolver a contradição entre os direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito à informação e à liberdade de expressão, e outros direitos, como à privacidade, que a lei assegura também a todos - e vale dinheiro. A privacidade tem valor econômico. Aí é que está o ponto-chave – e o ponto chato, pois os artistas no Brasil adoram fingir que não pensam no vil metal.

Os ídolos do cancioneiro popular, esses poetas que escreveram as trilhas sonoras de nossa parca existência, não são inimigos da ordem democrática. São gente boa. Apenas estão defendendo o deles. Eles não lutam exatamente pelo resguardo, pelo recolhimento, pelo segredo íntimo. Não se mobilizam pela privacidade neutra, mas pelo direito de ganhar dinheiro quando suas intimidades se tornam públicas. Eis o ponto-chave - e chato.

Nada de errado com isso. Trata-se de um direito deles. Um direito, aliás, de qualquer um, seja pop star, cantor, jogador de futebol ou dona de casa. Se alguém quer transformar sua biografia em entretenimento de massa e faturar com isso, tem o direito de fazê-lo. Reality shows, programas de auditório e revistas de fofoca vivem da exploração das intimidades, assim como, recentemente, começaram também a viver disso as campanhas eleitorais e as igrejas que oferecem milagres pela televisão. Intimidades luxuriantes ou degradantes valem ouro e podem ser compradas pelo ouro.

Ora, se é assim, então, raciocina o advogado da celebridade, por que um reles jornalista pode querer ganhar o dele em cima dos lances encantadores, inspiradores, traumáticos e fascinantes de meu cliente? O ponto é realmente chato.

Para um astro do showbusiness, e principalmente para o advogado dele, os lances de sua vida são parte da obra. Ele vende mais ou menos CDs, atrai mais ou menos fãs para os seus shows, à medida que faça isso ou aquilo na vida privada. Se a cantora anuncia que se casará com outra mulher, agrega um novo "market share" a sua estratégia comercial. Aí, se revelarem que o matrimônio gay foi um jogo de aparência, o faturamento despenca. A receita bruta do cantor romântico depende da exposição estratégica de sua privacidade. A arte também tem seus modelos de negócio.

Estamos vendo de perto, enfim, a contradição entre mercado e democracia. Para faturar mais com suas biografias, algo legítimo, nossos grandes poetas pensaram que poderiam suprimir o direito à informação de todos os demais. Aí é que não deu pé. Quando mercado e democracia entram em choque, a segunda deve prevalecer.

Reforma do ICMS já - BERNARD APPY


 Estado de S.Paulo - 28/10

Nos últimos dias uma série de movimentos de agentes políticos reacendeu a esperança de que seja aprovada, ainda este ano, uma reforma do ICMS que discipline a guerra fiscal entre os Estados e elimine um importante fator de insegurança jurídica para as empresas brasileiras.

Por um lado, no dia 17 de outubro, 24 dos 27 secretários estaduais de Fazenda, reunidos no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), votaram a favor de um convênio que legalizaria os incentivos fiscais do ICMS concedidos ilegalmente pelos Estados ao longo dos últimos anos, bem como disciplinaria sua progressiva extinção num prazo de até 15 anos. Como as decisões do Confaz só têm validade se aprovadas por unanimidade, ainda não foi desta vez que se resolveu o problema da guerra fiscal (ficaram faltando os votos de Santa Catarina, Goiás e Ceará).

Por outro lado, o presidente do Senado Federal anunciou que pretende colocar em votação, na segunda semana de novembro, dois projetos: 1) um projeto de Resolução que reduz as alíquotas interestaduais do ICMS; e 2) um projeto de lei complementar que cria um novo Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) e um Fundo de Compensação de Receitas (FCR), para compensar os Estados que eventualmente venham a ter perda de receita com a redução da alíquota interestadual.

Os três dispositivos mencionados acima - convênio do Confaz, Resolução do Senado Federal e Lei Complementar - constituem uma importante reforma do ICMS e estão vinculados entre si. De fato, cada um dos dispositivos só entrará em vigor se os outros dois forem aprovados.

A grande dificuldade para a aprovação desta reforma do ICMS tem sido a persistência de posições divergentes entre os Estados sobre o tema. Embora ainda não se tenha chegado a um consenso, o fato de 24 Estados terem votado a favor da mudança é um indicador de que um acordo é possível. De fato, se o Senado aprovar a Resolução que reduz as alíquotas interestaduais e o Congresso aprovar o projeto de lei complementar que cria o FDR e o FCR, a pressão para que os Estados aprovem o convênio que disciplina o fim da guerra fiscal será muito grande.

Para entender a importância das mudanças que estão sendo discutidas, vale a pena fazer uma rápida apresentação sobre as origens e as consequências da guerra fiscal do ICMS.

Segundo a Constituição federal e a legislação em vigor, incentivos fiscais do ICMS só podem ser concedidos se forem aprovados por unanimidade pelos secretários estaduais de Fazenda reunidos no Confaz.

Desde o final dos anos 80, no entanto, tornou-se prática comum a concessão de incentivos fiscais pelos Estados sem a aprovação do Confaz. No início, a concessão de benefícios era localizada e praticada apenas pelos Estados menos desenvolvidos. Apesar de esses benefícios serem ilegais, como seu alcance era limitado, não foram questionados pelos demais Estados e, portanto, implicitamente aceitos.

Essa leniência inicial com os benefícios ilegais teve consequências trágicas, pois a concessão de incentivos fiscais pelos Estados sem aprovação pelo Confaz se generalizou, e mesmo os Estados mais ricos começaram a conceder benefícios ilegais. Neste ambiente, a guerra fiscal se generalizou e hoje todos os Estados concedem benefícios ilegais.

Apenas há alguns anos começou a haver uma reação mais efetiva aos benefícios ilegais. O Supremo Tribunal Federal (STF) passou a julgar ações contra os benefícios, na grande maioria dos casos declarando sua inconstitucionalidade e, inclusive, determinando que as empresas que receberam incentivos paguem o valor recebido indevidamente relativo aos cinco anos anteriores.

Essas decisões do STF não têm, no entanto, conseguido conter a guerra fiscal. Por um lado, os Estados cujos benefícios foram revogados pelo STF editam nova legislação - quase igual à que foi revogada - restabelecendo benefícios praticamente iguais aos que foram declarados inconstitucionais. Por outro lado, os Estados vêm encontrando formas de não cobrar das empresas o valor correspondente ao benefício recebido nos cinco anos anteriores (inclusive com anuência do Confaz).

O STF parece, no entanto, estar chegando ao limite de sua paciência com a guerra fiscal, e ameaça editar uma súmula vinculante, que tornaria os processos contra os benefícios muito mais rápidos e, provavelmente, evitaria a reedição dos benefícios, como vem sendo feito pelos Estados.

Para as empresas que receberam benefícios, a situação é de grande insegurança jurídica, pois não sabem se manterão os incentivos nem mesmo se terão de pagar pelos valores recebidos nos últimos cinco anos. Essa insegurança jurídica certamente vem prejudicando os investimentos no País nos últimos anos, dificultando o crescimento.

Aliás, a guerra fiscal prejudica o crescimento de outras formas. Em particular, quase sempre os incentivos são concedidos pelos Estados de forma a atrair empresas que, na ausência deles, se instalariam em outros Estados - mais próximos dos fornecedores ou do mercado consumidor. A consequência é que uma grande parte dos benefícios (talvez a maior parte) é absorvida na forma de maior custo de logística, contribuindo para sobrecarregar ainda mais a já deficiente malha de transportes do País.

Neste contexto, embora a redução da carga tributária resultante dos incentivos seja positiva para cada empresa tomada individualmente, o impacto para a economia como um todo é uma menor eficiência e um menor crescimento.

As medidas que estão sendo discutidas pelo Senado e pelo Confaz estão longe de ser as ideais, mas pelo menos apontam para uma saída para o imbróglio atual, eliminando a insegurança jurídica das empresas e disciplinando a gradual redução dos incentivos da guerra fiscal, até sua completa extinção em 15 anos. É um passo importante, ainda que incompleto, para resolver um problema que certamente tem prejudicado o crescimento do Brasil.