http://digital.estadao.com.br/download/pdf/2013/08/19/A4.pdf
Principal central sindical do
País, a CUT (Central Única
dos Trabalhadores) imbricou-se com o PT e com o Planalto e, às vésperas de completar 30 anos, é criticada por
fundadores que pregam um
rompimento para resgatar o
DNA original “apartidário”
da entidade. O dilema sobre a
vinculação sindical com o governo petista tornou-se ainda mais evidente com as manifestações de junho, quando
levantaram-se questionamentos sobre a falta de conexão dos movimentos sociais,
umbilicalmente ligados ao
Planalto, e a sociedade
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Os heróis morrem?, por roberto Amaral na Carta Capital
Trajetória
Ao lado de Jamil Haddad, Florestan Fernandes, Jacob Gorender e Evandro Lins e Silva, o brigadeiro Rui Moreira Lima deveria ser eterno como são os deuses gregos
por Roberto Amaral — publicado 16/08/2013 12:27
Infelizmente, os heróis também morrem, e morrem sempre muito cedo. Deveriam ser eternos, como os deuses gregos, para eternamente poderem iluminar seus povos e a Humanidade, não pela memória de seus feitos, mas pela lição de suas presenças. Sinto a ausência de Antônio Houaiss, a quem não posso mais consultar. De Jamil Haddad e de Florestan Fernandes, que encerraram o magistério socialista, o primeiro com a sua só existência, o segundo nos ensinando com sua obra monumental, e com a monumentalidade de seu exemplo humano. Já não posso almoçar com Evandro Lins e Silva - ao lado de Sobral Pinto o maior advogado brasileiro depois de Rui Barbosa - mas, sobre ambos, um socialista de primeira água. Barbosa Lima Sobrinho já não escreve no Jornal do Brasil. O velho diário começou a morrer quando se calou sua coluna dos sábados. Não é consolo dizer que seus textos permanecem atuais, mas o fato objetivo é que Jacob Gorender, raro exemplar de marxista que soube reunir na ação teoria e prática - já não escreve e que Lúcia continua procurando o corpo de Mário Alves.
Essas reflexões me chegam ao receber a notícia da morte do meu herói brigadeiro Rui Moreira Lima. Na II Guerra Mundial foi piloto de combate da ‘Esquadrilha verde nº 1 Grupo Esquadrão de Caça’ e entre 1944 e 1945 participou de 94 missões na Itália, todas bem sucedidas. Foi o piloto que o maior número de missões cumpriu. Por sua perícia, coragem e heroísmo recebeu do Brasil a Cruz de Combate, dos EUA a Distinguised Flying Cross e a Croix de Guerre avec Palme, da França.
Sua brilhante trajetória militar foi bruscamente interrompida pelo golpe de 1º de abril de 1964, com cassação de seus direitos políticos e a expulsão dos quadros da Aeronáutica – a que serviu com mais dignidade do que todos os seus algozes juntos.
Na ocasião, Moreira Lima comandava a estratégica base aérea de Santa Cruz. Manteve-se, como de resto todo o efetivo da Terceira Zona Aérea, sob o comando do lendário brigadeiro Teixeira, fiel às instituições democráticas.
Lembrando-se de carta que lhe dirigira o pai no dia de sua formatura como oficial (“O soldado não conspira contra as instituições. Ao fazer isso, trai seus companheiros e a nação”), disse Não à ilegalidade. Tomou seu avião, um ‘Paris’, um aviãozinho de transporte para pouquíssimos passageiros e rumou na direção de Minas, onde encontrou a tropa rebelde do trêfego general Mourão, deu uma simples rasante e a coluna se dispersou, de puro medo, como se dispersam os exércitos de formigas: ao deus dará. Precisava, precisavam ele e o brigadeiro Teixeira de uma simples autorização do presidente João Goulart para mobilizar sua esquadrilha. Bastava uma rajada de metralhadora, como fizera tantas vezes com os alemães, e a ‘revolução dos caranguejos’ ali terminaria. Não veio a ordem. As razões da penúltima conciliação de Jango é tema para os historiadores da República. Rui retorna à sua base, manda desarmar os aviões e com sua tropa fica à espera dos golpistas.
Foi aposentado compulsoriamente, proibido de voar – o grande piloto! – por 17 anos (ou seja, teve cassada a possibilidade de sobreviver exercendo sua profissão), indo trabalhar no comércio, para sobreviver. Conheceu por três vezes a prisão, ele, que nos céus da Itália tantas vezes se havia exposto à morte para derrotar o nazifascismo e construir a liberdade, e no regresso ao Brasil, ajudaria a apressar o fim do ‘Estado Novo’. Em 1970, foi sequestrado a mando dos mandarins, e na enxovia iria encontrar-se com seu filho Pedro. Em 1979, Moreira Lima fundou, com outros companheiros, a Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (Adnam) com o objetivo de defender os direitos dos militares cassados durante a ditadura e exigir a revisão da anistia aos militares e civis que cometeram contra civis ou militares o abominável crime da tortura.
Conheci-o por volta de 1987, pela mão de Silvio Tendler, o grande cineasta, quando, com ele, e sob sua direção (cabia-me mais a parte política e a elaboração dos textos), conduzimos o primeiro programa de televisão (naquele então anual e com a duração de uma hora) do PSB. Como a direção do programa coube ao Sílvio, posso escrever sem incorrer em vitupério: foi o melhor, o mais importante programa até aqui realizado por qualquer partido. Todo ele dedicado à denúncia da tortura, então um tabu, que atacou com contundência. Não denunciamos a tortura em tese, mas como fato concreto, exemplificado, e expondo a participação de militares e a utilização de quartéis como centros de tortura e assassinatos.
Seu ponto alto foi a intervenção do Brigadeiro Moreira Lima. Denunciando os bárbaros assassinatos, em dependência da FAB (Galeão), por oficiais da FAB, de Sônia Maria Lopes de Moraes e seu companheiro Stuart Angel Jones, o qual, depois de seviciado, teve o rosto amarrado ao cano de escapamento de um veículo da FAB, conduzido por um oficial, sendo arrastado pelo patio, até à morte. São dois 'desaparecidos'.
A contundência do programa despertou grande celeuma, com os militares protestando e o presidente José Sarney invocando nossa audácia para justificar a necessidade de censura prévia aos programas políticos. Mas, além de romper com o tabu, o programa teve sua maior repercussão no plenário da Constituinte. Florestan Fernandes, em discurso notável, atribuiu-lhe o mérito de haver levado à aprovação da emenda do constituinte Jamil Haddad que qualificava a tortura como crime hediondo, inafiançável e imprescritível (CF, art. 5º, XLIII).
Moreira Lima, que sai de cena na juventude de seus 94 anos, esteve sempre do lado certo: lutou contra o nazifascismo, contribuiu para o fim da ditadura em 1945 e lutou contra o golpe de 1954; defendeu a posse de Juscelino e resistiu à tentativa de golpe de Eduardo Gomes-Carlos Lacerda e outros atores menores em novembro de 1955; lutou pela legalidade em 1961 e resistiu ao golpe de 1964. Foi, até o fim, um adversário da ditadura.
Seu último ato político se deu em outubro do ano passado, quando prestou depoimento à Comissão Nacional da Verdade, e voltou a denunciar a tortura praticada por militares. Para Moreira Lima – e ele o dizia com a autoridade de militar condecorado – essa prática ignominiosa em nada dignifica o homem ou a mulher de farda, pelo contrário: “o torturador é um bandido, um desgraçado, um covarde”. Palavras simples e exatas, às quais nada cabe acrescentar.
Retifico o início deste artigo: na verdade, os heróis não morrem.
A USP continua a nos indignar no caso Ana Rosa Kucinski!
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A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa (Alesp), precisou cancelar e adiar por duas vezes consecutivas uma audiência pública sobre o sequestro, assassinato e desaparecimento, em 1974, da professora Ana Rosa Kucinski, do Instituto de Química (IQ-USP). Isso porque a Universidade de São Paulo deixou de comparecer a ambas, em 14/6 e 29/7.
Daniel Garcia |
Bernardo Kucinski em ato de 13/8/2012 pela reversão da demissão de Ana Rosa |
Diante do descaso demonstrado pela USP, uma convocação oficial do reitor Grandino Rodas, do procurador geral da universidade e do diretor do IQ já foi aprovada na comissão. Ainda não há data definida para a nova tentativa de realização da audiência sobre o caso. Na mesma ocasião será discutido o caso de Wilson Silva, marido de Ana Rosa, preso com ela e executado pelos órgãos de repressão política na mesma ocasião.
A Reitoria da USP foi convocada a comparecer porque a professora foi demitida pela Congregação do instituto, em 1975, por “abandono de emprego”, quando já havia sido assassinada pelos órgãos de repressão um ano e meio antes, e era voz corrente que seu desaparecimento estava relacionado à sua militância na esquerda clandestina.
O episódio foi relatado em detalhes pelo jornalista Bernardo Kucinski, hoje professor aposentado da ECA-USP, no livro K. A Revista Adusp publicou na sua edição 52 o capítulo dessa obra “A reunião da Congregação”, que trata do assunto, e na edição 53 reportagem detalhada a respeito, apontando a resistência da atual Congregação a rever o caso.
O professor Wanderley Messias dos Santos, superintendente de Relações Institucionais, encaminhou ofício à Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, em 6/6, no qual afirma considerar “prematuro e inoportuno o comparecimento de representante oficial desta Universidade ao referido evento”. Não bastasse o tratamento desatencioso, Messias recorreu às alegações de que 1) a USP criou sua própria Comissão da Verdade, e portanto investigará o caso; e 2) a direção do IQ “já manifestou-se oficialmente a respeito dos episódios envolvendo o caso (...) e as devidas reparações à sua memória”.
“Subterfúgio”
O professor Kucinski enviou carta à Comissão da Verdade, na qual lamenta que a Reitoria da Universidade de São Paulo tenha considerado “inoportuna” a iniciativa da comissão de “esclarecer as circunstâncias da demissão por abandono de função de minha irmã Ana Rosa Kucinski, presa e desaparecida política”. Para ele, é um “subterfúgio” [destacado em negrito no original] a justificativa de que foi criada a Comissão da Verdade da USP: “Essa comissão não iniciou suas sessões, não possui regimento interno e nem cronograma de trabalho”. (Efetivamente, no dia 15/6 o professor Dalmo Dallari, presidente do órgão criado pelo reitor Grandino Rodas, revelou ao Informativo Adusp que até aquela data não contava sequer com uma sala para as oitivas.)
Na carta, o professor reitera a dramática situação vivida pela família, na busca, por décadas, dos restos mortais de Ana Rosa e de uma explicação cabal do seu assassinato: “E o tempo urge. Meu irmão Wulf Kucinski, que tanto batalhou pela localização de minha irmã, faleceu no ano passado aos 80 anos de idade, sem conhecer a verdade dos fatos. Eu já estou na casa dos 76 anos”.
O professor ataca igualmente, no documento, “os inaceitáveis [destacado em negrito no original] termos da declaração da Congregação do Instituto de Química, de 27 de setembro do ano passado, nos quais também se apóia o reitor para justificar o seu não comparecimento”, uma vez que ela diz a certa altura que “se solidariza com a família, amigos e colegas que, na época, não souberam das reais circunstância do seu desaparecimento” (de Ana Rosa). “Ora, senhor deputado, o inusitado e escandaloso desse caso, sem paralelo na história da USP, está justamente no fato de que se sabia sim na época, e sobejamente, do caráter forçado e involuntário de seu não comparecimento ao trabalho”.
Apelo denegado
Ele prossegue afirmando que, quando “a Comissão Processante da Reitoria e a Congregação da Química decidiram pela demissão, em janeiro-fevereiro de 1975, já era amplamente conhecida a condição de desaparecida política de minha irmã, conforme documentos, testemunhos e até notícias de jornal, tudo isso juntado em apelo à Comissão Processante pelo nosso advogado, o falecido dr. Aldo Lins e Silva, em 24 de janeiro de 1975, e denegado (processo 17.499/74/RUSP)”.
Ainda segundo Kucinski, enquanto “entidades como a Anistia Internacional e a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo já se empenhavam em denunciar a repressão política no Brasil, a Congregação da Química e a Reitoria dessa universidade optaram pelo caminho oposto de legitimar e dar cobertura ao ato criminoso do sequestro e desaparecimento de minha irmã”.
O professor comenta também o “longo parecer da Assessoria Jurídica da Universidade”, emitido em julho de 1995 em resposta a seu pedido de anulação da demissão de Ana Rosa (Processo 74.1.17459.1.7). Na visão de Kucinski, embora recomendasse ao reitor a aceitação do seu pedido, o parecer “camufla e absolve por trás de uma obscura linguagem jurídica o nefasto papel de coadjuvante de um crime, desempenhado pela instituição USP nesse episódio, em especial por essa mesma Assessoria Jurídica à época. Não há uma palavra de auto-crítica”.
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