GAZETA DO POVO - PR - 28/07
Prova ABC, da organização Todos pela Educação, confirma que a criança brasileira não consegue compreender o que lê. Já são horas de enfrentar o motivo de não conseguirmos dar conta do que é essencial
Faça o teste: peça para alguém ler em voz alta. Ainda que seja diante de uma pequena audiência, as resistências em soltar o gogó costumam ser impertinentes, principalmente se o leitor for jovem. As desculpas são previsíveis – de “ler em voz alta é coisa do grupo escolar” a “minha voz não é boa”.
Talvez a explicação seja outra. Vivemos uma tremenda crise numa das práticas mais importantes da educação: a leitura pública, aquele que pede pausa breve nas vírgulas, pausa longa nos pontos, entonação para as exclamações e interrogações, capacidade de prender a atenção da plateia. É grave a ponto de tantos e tantos a considerarem infantil, tatibitate, assunto para os infantes às voltas com os primeiros livrinhos.
Em sã consciência, quem trabalha com educação – em todos os níveis, do ciclo infantil aos doutorados – sabe que não é verdade. Com perdão ao clichê, ler em voz alta é uma prova de fogo, pois testa a nossa compreensão do texto. É fato que as implicações da leitura pública “pegam mais” no ciclo fundamental e médio, mas não se pode esquecer que o último Índice de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado ano passado, apontou em até 30% o número de graduados com dificuldade de compreensão de texto.
O nó da questão pode estar em afirmar que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Posso ler muito mal em voz alta e compreender muito bem o que leio em silêncio. Mais: argumenta-se que a prova da leitura foi o tormento de tantos infantes, acuados pelas risadas da turma diante dos erros e pelas correções impertinentes do professor. Há também quem tenha vergonha da própria voz, se anasalada, se estridente, se fraca como o pio de um passarinho.
Não faltam no cinema cenas memoráveis a respeito. Uma delas no filme Minhas tardes com Margueritte, de Jean Becker. Já adulto, por ironia, o leitor traumatizado da trama se reconcilia com as letras graças a uma idosa que lê para ele – em voz alta. Em suma, não é por causa dos bêbados que se deve acabar com o vinho. Ninguém provou que os exercícios de leitura são ruins pela própria natureza. Pelo contrário, potencializam-se se acompanhados de alguma ciência pedagógica.
Às falas. Mais uma vez pesquisa comprova que o país tropeça em questões de leitura. Não se trata diretamente da leitura pública, mas da compreensão de texto. E convenhamos: uma depende da outra. Os dados dessa vez não são do exame internacional Pisa, no qual sempre saímos acanhados, amargando as últimas posições, mas da Prova ABC, da ONG Todos pela Educação, recém-publicada. Mais da metade das crianças da faixa dos 8 anos, avaliadas em 2012, saíram-se mal em Língua Portuguesa. Dessas, metade não conseguiu identificar nem o tema, nem o personagem principal da narrativa. Em Matemática, os resultados foram ainda mais assustadores: 67% dos avaliados tiveram nota abaixo da média. Exames e quetais não são verdades de fé, sabe-se, mas ajudam a pensar a educação. Nesse caso, tome susto.
Vale sempre lembrar o que diz a gestora educacional Cláudia Costin: parece faltar às licenciaturas e às faculdades de Pedagogia interesse e pesquisa nas práticas de ensino. O que abunda nas investigações sobre teoria educacional falta quando o assunto é o básico: ensinar. Daí a vantagem sobre nós de países mais pobres, como qualquer ranking – maldito ou não – pode comprovar.
Num “bate pronto” com professores, ao perguntar por que nossas crianças leem tão mal (logo, por que compreendem tão pouco o que leem), a resposta vem como um jogral bem ensaiado: porque as salas de aula estão muito cheias. Nenhum regente de turma ou auxiliar, em sã consciência, dizem, se aventura com frequência por sessões de leitura em voz alta, temendo algo parecido com a pororoca.
É de suspeitar que há uma descrença entre educadores sobre as virtudes da leitura caprichada – tão elogiadas em teses, tão pouco cultivadas no cotidiano. Não se deixou de fazer teatro, jogos da primavera, passeios, gincanas por causa da excitação das crianças. A desculpa não vale. Realmente, ensinar a ler exige esforços redobrados e cuidados, sempre sujeitos a frustrações. Ninguém disse que era fácil, mas já disseram, e bem dito, que é essencial.
Prova ABC, da organização Todos pela Educação, confirma que a criança brasileira não consegue compreender o que lê. Já são horas de enfrentar o motivo de não conseguirmos dar conta do que é essencial
Faça o teste: peça para alguém ler em voz alta. Ainda que seja diante de uma pequena audiência, as resistências em soltar o gogó costumam ser impertinentes, principalmente se o leitor for jovem. As desculpas são previsíveis – de “ler em voz alta é coisa do grupo escolar” a “minha voz não é boa”.
Talvez a explicação seja outra. Vivemos uma tremenda crise numa das práticas mais importantes da educação: a leitura pública, aquele que pede pausa breve nas vírgulas, pausa longa nos pontos, entonação para as exclamações e interrogações, capacidade de prender a atenção da plateia. É grave a ponto de tantos e tantos a considerarem infantil, tatibitate, assunto para os infantes às voltas com os primeiros livrinhos.
Em sã consciência, quem trabalha com educação – em todos os níveis, do ciclo infantil aos doutorados – sabe que não é verdade. Com perdão ao clichê, ler em voz alta é uma prova de fogo, pois testa a nossa compreensão do texto. É fato que as implicações da leitura pública “pegam mais” no ciclo fundamental e médio, mas não se pode esquecer que o último Índice de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado ano passado, apontou em até 30% o número de graduados com dificuldade de compreensão de texto.
O nó da questão pode estar em afirmar que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Posso ler muito mal em voz alta e compreender muito bem o que leio em silêncio. Mais: argumenta-se que a prova da leitura foi o tormento de tantos infantes, acuados pelas risadas da turma diante dos erros e pelas correções impertinentes do professor. Há também quem tenha vergonha da própria voz, se anasalada, se estridente, se fraca como o pio de um passarinho.
Não faltam no cinema cenas memoráveis a respeito. Uma delas no filme Minhas tardes com Margueritte, de Jean Becker. Já adulto, por ironia, o leitor traumatizado da trama se reconcilia com as letras graças a uma idosa que lê para ele – em voz alta. Em suma, não é por causa dos bêbados que se deve acabar com o vinho. Ninguém provou que os exercícios de leitura são ruins pela própria natureza. Pelo contrário, potencializam-se se acompanhados de alguma ciência pedagógica.
Às falas. Mais uma vez pesquisa comprova que o país tropeça em questões de leitura. Não se trata diretamente da leitura pública, mas da compreensão de texto. E convenhamos: uma depende da outra. Os dados dessa vez não são do exame internacional Pisa, no qual sempre saímos acanhados, amargando as últimas posições, mas da Prova ABC, da ONG Todos pela Educação, recém-publicada. Mais da metade das crianças da faixa dos 8 anos, avaliadas em 2012, saíram-se mal em Língua Portuguesa. Dessas, metade não conseguiu identificar nem o tema, nem o personagem principal da narrativa. Em Matemática, os resultados foram ainda mais assustadores: 67% dos avaliados tiveram nota abaixo da média. Exames e quetais não são verdades de fé, sabe-se, mas ajudam a pensar a educação. Nesse caso, tome susto.
Vale sempre lembrar o que diz a gestora educacional Cláudia Costin: parece faltar às licenciaturas e às faculdades de Pedagogia interesse e pesquisa nas práticas de ensino. O que abunda nas investigações sobre teoria educacional falta quando o assunto é o básico: ensinar. Daí a vantagem sobre nós de países mais pobres, como qualquer ranking – maldito ou não – pode comprovar.
Num “bate pronto” com professores, ao perguntar por que nossas crianças leem tão mal (logo, por que compreendem tão pouco o que leem), a resposta vem como um jogral bem ensaiado: porque as salas de aula estão muito cheias. Nenhum regente de turma ou auxiliar, em sã consciência, dizem, se aventura com frequência por sessões de leitura em voz alta, temendo algo parecido com a pororoca.
É de suspeitar que há uma descrença entre educadores sobre as virtudes da leitura caprichada – tão elogiadas em teses, tão pouco cultivadas no cotidiano. Não se deixou de fazer teatro, jogos da primavera, passeios, gincanas por causa da excitação das crianças. A desculpa não vale. Realmente, ensinar a ler exige esforços redobrados e cuidados, sempre sujeitos a frustrações. Ninguém disse que era fácil, mas já disseram, e bem dito, que é essencial.