quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

‘A riqueza dos dois sexos’


LUCETTA SCARAFFIA*
‘Papai e mamãe’: multidão protesta em Paris contra o matrimônio homoafetivo - Reuters/Christian Hartmann
Reuters/Christian Hartmann
‘Papai e mamãe’: multidão protesta em Paris contra o matrimônio homoafetivo
Nas grandes manifestações organizadas em Paris em protesto contra o projeto de legalização do casamento entre homossexuais e a possibilidade de esses adotarem filhos, e portanto também gerá-los por meio da procriação assistida, representantes das três religiões monoteístas - católicos, judeus e muçulmanos - marcharam lado a lado. A defesa da família “natural” aproximou suas posições, embora permaneçam - pelo menos para o Islã - as grandes diferenças na questão do papel da mulher. Mas, principalmente, criou-se uma forte aliança entre Gilles Bernheim, grão-rabino da França, e o papa Bento XVI: Bernheim redigiu um documento muito convincente contra o casamento gay, que o papa mencionou no discurso de Natal à cúria, revelando considerá-lo “cuidadosamente documentado e profundamente tocante”, e citando amplos trechos.

O ponto no qual ambos convergem é o reconhecimento da riqueza da criação de uma humanidade dividida em dois sexos, uma diversidade que se torna imediatamente fertilidade e garante a continuidade do grupo humano e o vínculo entre as gerações.

De fato, é a fecundidade que fundamenta a distinção masculino/feminino, o que significa que ela se baseia no esquema da geração.

Negando esse caráter de diversidade fértil, negamos a identidade do ser humano como conjunto indivisível alma e corpo, e contestamos a própria raiz da natureza humana, propondo outra natureza composta apenas de espírito e vontade. Aceitando essa última possibilidade, o homem nega que deva algo à natureza, a sua própria natureza, e propõe uma identidade construída apenas sobre sua vontade e seu desejo.

Compreende-se de imediato que essa posição constitui o atentado mais radical à própria existência de um criador, que doou ao ser humano uma identidade pré-constituída, dotando-o de um corpo que pode pertencer a dois gêneros diferentes, macho e fêmea. Se a dualidade homem-mulher for substituída por uma identidade neutra, a do gênero, que depende apenas do desejo individual, a família como lugar da procriação deixará de existir. De fato, a família à qual os gays querem ter acesso não é mais uma família, porque não é o lugar da procriação dos filhos. Como escreveu o rabino Bernheim, a prole perde o lugar e a dignidade que lhe cabe, torna-se um objeto ao qual a pessoa tem direito, um objeto que ela pode adquirir por meio da engenharia procriativa.

As conclusões sobre as consequências dessa mudança são convergentes: se o sexo deixa de constituir um dado originado pela natureza, pela realidade corporal, mas constitui apenas um papel social, ao qual o homem pode ter acesso por uma decisão autônoma, o que está realmente em jogo, como escreveram Bento XVI e o rabino Bernheim, é “a visão do próprio ser, daquilo que realmente significa ser homens”.

A gravidade da situação foi portanto percebida pelos líderes religiosos com a mesma dramaticidade, e isso explica sua aliança natural na defesa da família, batalha na qual, como afirmou Bento XVI, o que está em jogo “é o próprio homem”, motivo pelo qual “quem defende Deus, defende o homem”.

A posição do Vaticano a respeito dessa matéria é, portanto, clara e coerente com as posições defendidas nos anos passados diante das graves questões bioéticas que o desenvolvimento tecnológico e científico impuseram à cultura contemporânea. O respeito pelo ser humano e por sua natureza original, criada por Deus, e a concepção do homem como conjunto indivisível de alma e corpo, ao qual a encarnação conferiu um estatuto espiritual: são esses os fundamentos de todo pronunciamento bioético da Igreja. Consequentemente, o comportamento sexual e as questões levantadas no início e no fim da vida nunca são vistas exclusivamente como médicas, ou exclusivamente como materiais - referimo-nos a quem considera o embrião um conjunto de células, ou um doente terminal inconsciente um resíduo de que as pessoas devem se desfazer -, mas como problemas que dizem respeito à identidade em seu conjunto, psíquica e espiritual, do ser humano, criado à imagem de Deus.

O conflito entre essa posição da Igreja - caracterizada por uma grande coerência - e as exigências de um progresso tecnológico-científico que pretende ser autônomo e livre de todo vínculo ético eclodiu pela primeira vez em 1968, com a encíclica Humanae Vitae. Nela, Paulo VI negava a legitimidade moral das práticas anticoncepcionais que intervêm para deformar o sentido e o fim da relação sexual. E propunha realizar, se necessário, uma regulamentação dos nascimentos por meio de métodos naturais. Mas nem a descoberta, pelo casal Billings, de um método natural dotado de probabilidades de eficácia extremamente elevadas, com a vantagem de ser gratuito e não prejudicar a saúde da mulher, impediu que a Igreja fosse acusada de obscurantismo e insensibilidade em relação aos problemas dos casais.

A Humanae Vitae, assim como a encíclica que a antecedera sobre o tema, Casti Connubili (1931), recorre à ideia de natureza, direitos naturais e condição natural como requisitos criados por Deus a serem compreendidos e salvaguardados. A própria ideia de um início natural da vida, e de um fim igualmente natural, a ser defendida, está na base das posições da Igreja referentes aos problemas bioéticos relacionados ao estatuto do embrião e à eutanásia.

A quem argumenta com o fato de que já não existe mais nada de natural, porque tudo que diz respeito ao ser humano foi manipulado, a Igreja sempre responde procurando distinguir, em todas as circunstâncias, a escolha que mais se aproxima da condição natural, sobretudo a que mais garanta a dignidade do ser humano.

Pois, como já foi dito a propósito do casamento homossexual, o conflito de fundo versa sobre a identidade da natureza humana, problema levantado no final do século 19, com a difusão do evolucionismo: o ser humano será simplesmente o animal mais evoluído, ao qual portanto é possível aplicar o mesmo tratamento aplicado aos animais, ou ele é qualitativamente outro ser, e exige um respeito diferente e uma defesa mais severa? É essa a questão de fundo, a respeito da qual - como é compreensível - as religiões têm muito a dizer e que determina as escolhas bioéticas. Não por acaso a eugenética se afirmou e se difundiu em seguida, e em consequência de certo tipo de evolucionismo, fortemente antirreligioso, e as questões éticas relativas ao ser humano - do aborto à seleção dos embriões sãos, e à morte assistida - são a consequência direta da posição que o indivíduo defende a esse respeito.

De todo modo, percebemos hoje, cada vez mais claramente, que as posições que podem ser definidas como ditadas por uma visão religiosa do mundo são compartilhadas, embora às vezes apenas em parte, por intelectuais laicos, como os filósofos Jürgen Habermas e Sylviane Agacinski, ou na Itália pela psicanalista Sivia Vegetti Finzi, motivo pelo qual não podem ser menosprezadas como remanescentes de uma mentalidade conservadora, imobilista e clerical.

Bento XVI destacou recentemente que, além da ecologia da natureza, é necessária uma ecologia do ser humano, a fim de defendê-lo das manipulações e degradações, frequentemente irreversíveis, às quais tende a ser submetido. Isso significaria, novamente, colocar o ponto de vista da Igreja ao lado do dos ecologistas, e não considerá-lo um sintoma de subdesenvolvimento cultural.

Foi exatamente esse ponto de vista diferente, o fato de vermos na Igreja uma visão original e crítica do que é politicamente correto dominante, que me levou - enquanto historiadora, ativista do movimento estudantil de 1968 e feminista - a defender as posições católicas, descoberta que vejo repetir-se nos meus alunos menos alinhados com a mentalidade corrente.

Ao mesmo tempo, tenho a consciência de que sempre existiu - conforme o comprova a história da Igreja - um feminismo cristão, que tende a valorizar a diferença feminina em lugar de palmilhar o caminho da assimilação ao modelo dominante, o masculino. Evidentemente, na Igreja há a necessidade de uma maior abertura para o feminino, de um reconhecimento do imenso papel desempenhado pelas mulheres nas formas mais diversas, mas essa é uma batalha que deverá ser travada em uma instituição que compartilha da minha ideia de mulher, que não acredita que a liberdade das mulheres possa fundamentar-se na legalização do aborto e na liberalização de todo tipo de contraceptivo, isto é, na negação da maternidade.

É por isso que, embora consciente da falta de reconhecimento do papel da mulher em seu interior, acredito que hoje a Igreja seja a única instituição que defende a identidade feminina de um achatamento que tende a apagar sua especificidade. A única que se contrapõe a novas formas de escravização do corpo feminino, como a venda de óvulos - produzidos com graves danos para a mulher - e a prática do aluguel do útero, evidentemente implícita no reconhecimento da procriação aos casais homossexuais. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

*LUCETTA SCARAFFIA, HISTORIADORA E EDITORIALISTA DO L’OSSERVATORE ROMANO, LECIONA NA UNIVERSIDADE LA SAPIENZA DI ROMA. É MEMBRO DO COMITÊ NACIONAL ITALIANO DE BIOÉTICA. AUTORA, COM MARGHERITA PELAJA, DE CHIESA E SESSUALITÀ NELLA STORIA (LATERZA)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Os recordes do BNDES

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Celso Ming
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23 de janeiro de 2013 | 2h 09
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assumiu proporções gigantescas. É, por exemplo, quase equivalente em volume de financiamentos ao Banco Mundial - criado em Bretton Woods (1946), com o Fundo Monetário Internacional, para alavancar o desenvolvimento mundial.

Ontem, seu presidente, Luciano Coutinho, desfilou recordes e mais recordes: desembolsos de R$ 156 bilhões em 2012 - 12% a mais do que no ano anterior; consultas por novos financiamentos no valor de R$ 312,3 bilhões; e aprovação de R$ 260,1 bilhões em novos projetos.

O BNDES continua sendo uma entidade estratégica no desenvolvimento do Brasil e é objeto de admiração. Argentinos, por exemplo, morrem de inveja porque os brasileiros têm o BNDES e eles não. Estão sempre apontando sua atuação como um dos elementos criadores das tais assimetrias e de outras desvantagens da sua economia em relação à do Brasil.

Mas não dá para dizer que o BNDES seja uma instituição que só traga benefícios para o interesse nacional. Também é problema - e problema sério.

Nos três últimos anos vem se beneficiando de uma relação incestuosa com o Tesouro. Recebe recursos oficiais de grande magnitude (em geral, títulos da dívida pública), sobre cujo emprego não presta contas ao Congresso Nacional. E opera com subsídios e juros favorecidos sem que estes sejam incluídos no Orçamento da União.

Essas distorções produzem ainda outras mais. Uma delas é o bloqueio do desenvolvimento de um mercado de capitais sadio no Brasil. Nenhum banco consegue competir com o BNDES no financiamento de projetos de longo prazo por não contar com a mesma fonte (funding) subsidiada de recursos. As grandes empresas, por sua vez, se desinteressam por lançar debêntures e outros títulos de longo prazo no mercado, porque o BNDES está sempre pronto a fornecer recursos a custos mais camaradas. E um país sem um mercado de capitais desenvolvido corre o risco de destruir sua capacidade de crescer.

Outra distorção - para a qual algumas vezes o Banco Central já chamou a atenção - é a sabotagem, digamos assim, que o BNDES faz à política monetária (política de juros). Como opera com juros inferiores aos praticados no mercado, o Banco Central está sempre obrigado a puxar os juros básicos (Selic) para acima do nível "normal", para compensar o jogo contra do BNDES e, assim, dar conta da tarefa de combater a inflação. Em outras palavras, o BNDES é parte das explicações para juros tão elevados no Brasil.

Uma terceira distorção acontece nas condições de competição no mercado. Grande número de financiamentos do BNDES elege arbitrariamente certos grupos econômicos, nem sempre sadios, para que se tornem os campeões do futuro. Dessa maneira, criam circunstâncias artificiais que agem como fatores que funcionam como alavancas desleais de negócios. É um fator que sela o futuro das empresas: os vencedores, que contam com apoio privilegiado do BNDES, alijam seus concorrentes do mercado.

Essas são razões suficientemente fortes para que o BNDES seja repensado e recalibrado para atuar a favor do interesse público.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Brasil terá aumento de 500 mil desempregados até 2014


os próximos dois anos, o número de pessoas sem trabalho no Brasil aumentará em 500 mil e a tendência de queda da taxa de desemprego registrada nos últimos anos será invertida. O alerta é da Organização Internacional do Trabalho que, hoje, publicou suas novas estimativas sobre o desemprego. O informe aponta para um aumento ainda maior do desemprego no mundo nos próximos cinco anos e revela que, depois de atingir os países ricos nos últimos anos, a crise agora chegará aos emergentes.
Desde 2007, 67 milhões de trabalhadores foram vítimas da crise mundial, principalmente nos países ricos. Hoje, 28 milhões de pessoas buscam trabalho. Outras 39 milhões já desistiram e abandonaram o mercado de trabalho nesse período. Para a entidade com sede em Genebra, os anos de blindagem dos mercados emergentes em relação à crise acabaram, pelo menos no que se refere aos empregos.
A taxa de desemprego no Brasil foi de 6,3% ao final de 2012, segundo os dados da OIT. Ela subirá para 6,5% em 2013 e, em 2014, atingirá a marca de 6,6%, a maior desde 2009 e acima da média mundial. Ao final de 2012, o País somava 6,5 milhões de desempregados. Neste ano, o número chegará a 6,9 milhões. Já em 2014, irá superar a marca de 7 millhões de brasileiros.
ANO            NÚMERO ABSOLUTO                         PERCENTUAL
2012           6.58 milhões de desempregados               6.3%
2013          6,89 milhões de desempregados                6.5%
2014           7,08 milhões de desempregados               6,6%

Tanto em números absolutos quanto em termos percentuais, os dados de 2014 ainda são inferiores aos de 2007. Mas o atual período marcaria, segundo os dados, uma virada. Os números da OIT sobre o Brasil são acompanhados por uma avaliação detalhada da situação latino-americana. A constatação é clara: as economias da região já não crescerão de forma suficiente para absorver a mão de obra até 2017.
VIRADA
Segundo a entidade, enquanto os países ricos sofreram com a crise nos últimos cinco ano, países latino-americanos mantiveram a expansão de suas economias graças aos preços de commodities e políticas anticíclicas que tiveram sucesso.
Agora, a OIT alerta que a região vai “sofrer com a desaceleração do comércio global e a queda nos preços de commodities”. As projeções da entidade apontam que a região crescerá menos que a média mundial nos próximos cinco ano e que isso terá um impacto no mercado de trabalho.
Depois de quatro anos de queda nos índices, a taxa de desemprego na América Latina irá voltar a aumentar nos próximos cinco anos, passando dos atuais 6,6% em 2012 para 6,7% em 2013 e chegando a 6,8% entre 2014 e 2017. Em uma década, a região terá somado 3 milhões a mais de desempregados que em 2007, com 21,6 milhões no total.
Ao contrário dos primeiros anos da crise quando o desemprego foi concentrado nos países ricos, a pressão começa a ser sentida nos mercados emergentes. “Subestimamos o impacto que a crise teria nos países emergentes”, declarou Guy Ryder, diretor da OIT.
Enquanto a taxa de desemprego sofrerá uma queda de 8,7% em 2013 para 8% em 2017 nos países ricos, as economias emergentes terão uma elevação de suas taxas, principalmente no Sudeste Asiático, no Sul da Ásia e na América Latina. A taxa média do desemprego no mundo, que era de 5,4% em 2007, chegou a 5,9% em 2012 chegará a 6% em 2013. Esse patamar não deve cair até pelo menos 2017.
DRAMA DA AUSTERIDADE
No total, a crise econômica mundial e as medidas de austeridade aplicadas por governos já fizeram 67 milhões de vítimas no mercado de trabalho. “O drama que se vive é de proporções enormes e esses números representam um risco real para a desestabilização social”, alertou Guy Ryder, diretor-geral da OIT. “As taxas que estamos vendo são inaceitáveis”, declarou.
Uma certa redução do desemprego havia sido registrada em 2011. Mas, com a retomada da crise em 2012 na Europa e a volta da recessão em muitas economias, 4,2 milhões a mais de pessoas perderam seus empregos. A número total chegou a 197 milhões de pessoas pelo mundo, 5,9% da mão de obra global. “A desaceleração na economia global foi significativa e isso teve um impacto severo no mercado de trabalho”, disse Ryder.
O que mais preocupa a OIT é que, até 2017, a situação não ficará melhor. A previsão é de que, em cinco anos, mais de 10 milhões de pessoas extras perderão seus trabalhos em todo o mundo.  No total, a década entre 2007 e 2017 verá uma acumulação de 41 milhões de pessoas a mais no mundo sem trabalho.
Em 2013, serão 5,1 milhões de demissões, além de outras 3 milhões em 2014. Em 2017, o número total de desempregados no mundo será de 210 milhões. “Estamos caminhando na direção errada”, completou Ryder.