segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Brasil pode ganhar 21 linhas de trens de passageiros


EQUIPE AE - Agência Estado
Depois de quatro décadas de abandono, os trens regionais voltaram à pauta dos governos estaduais e federal. Atualmente, está em estudo pelo poder público a construção de 21 ramais ferroviários para passageiros. Caso todos os projetos planejados no Brasil saiam do papel no prazo previsto, o País pode ganhar 3.334 km de trilhos para transporte em 14 Estados até 2020.
O número é mais que o dobro do que existe hoje em operação. Apenas duas linhas de passageiros funcionam atualmente no País: uma liga Belo Horizonte (MG) a Vitória (ES) e outra, São Luís (MA) a Carajás (PA) - ambas são operadas pela Vale. O atual cenário contrasta com o que era esse mercado há meio século: na década de 1960, cerca de 100 milhões de passageiros eram transportados em trens interurbanos anualmente. Hoje, esse número é de cerca de 1,5 milhão de pessoas por ano.
Para Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), o ressurgimento de projetos de trilhos pelo País é reflexo do recente aumento da preocupação com a mobilidade. "O transporte ferroviário de passageiros é normalmente rápido, seguro, confortável e não poluente. Trens de velocidade média, entre 100 e 150 km/h, são uma alternativa para a mobilidade entre as cidades, que hoje está um desastre."
Entre os projetos mais avançados estão a ligação entre Brasília e Goiânia, passando por Anápolis, e cerca de 500 km de trilhos em Minas que fariam a conexão entre Belo Horizonte e cidades como Sete Lagoas, Ouro Preto e Brumadinho. O primeiro, orçado em R$ 800 milhões, está prometido para 2017 e deve vencer todo o trajeto em cerca de uma hora. Já o segundo está divido em três trechos e deve ser feito por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) que já tem 18 interessados em preparar estudos de viabilidade. A expectativa é de que as obras comecem em 2014.
Em São Paulo, o governo estadual realiza estudos para três ramais - ligando a capital a Jundiaí, Santos e Sorocaba. Além disso, o Trem de Alta Velocidade (TAV), previsto pelo governo federal para ficar pronto em 2020, vai cortar grandes cidades do Estado, como Campinas, São Paulo e São José dos Campos, no caminho até o Rio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Sorria, seu carro está sendo seguido


TÚLIO VIANNA É PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG, AUTOR DE TRANSPARÊNCIA PÚBLICA, OPACIDADE PRIVADA (ED. REVAN) - O Estado de S.Paulo
TÚLIO VIANNA
O governo federal anunciou que vai implantar chips em todos os veículos do País a partir de janeiro. O Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos (Siniav) pretende substituir os atuais radares por antenas capazes de se comunicar com os chips de uso obrigatório que deverão ser instalados nos para-brisas dos veículos. Um veículo em excesso de velocidade, em lugar de ter sua placa fotografada por um radar, teria então os dados de seu chip registrados em um sistema informático que o autuaria pela infração. Além disso, o sistema também poderá ser usado na cobrança de pedágio, no controle do tráfego, na identificação de veículos com multas ou impostos atrasados e na localização de veículos furtados ou roubados.
Ainda que a propaganda oficial procure dar destaque à suposta capacidade de inibir os ladrões de veículos, é pouco provável que, na prática, o sistema alcance esse objetivo. Isso porque o chip pode ser arrancado do para-brisa e inutilizado e a multa por trafegar sem o chip obrigatório decididamente será a menor das preocupações do ladrão. E é até melhor que o chip possa ser facilmente encontrado e inutilizado, pois sua instalação em um local de difícil acesso acabaria incentivando o sequestro do motorista, já que, enquanto o roubo não for comunicado, o ladrão conseguiria passar com o veículo pelas antenas sem desencadear uma perseguição policial.
Não se trata, pois, de um sistema criado para proteger motoristas de furtos ou roubos, mas sim para aumentar a arrecadação de multas, impostos e pedágios. E o mais grave: o preço a se pagar pelo aumento dessa arrecadação é uma significativa restrição ao direito à privacidade dos motoristas, pois os computadores do Estado passarão a ter armazenados os locais por onde os veículos passaram ao longo dos últimos meses.
Ainda que tais dados sejam resguardados oficialmente pela tecnologia da criptografia e pelo direito à privacidade, na prática qualquer policial com acesso ao sistema poderá saber por onde um veículo circulou nos últimos meses, com os horários exatos de quando passou pelas antenas, sem necessidade sequer de mandado judicial. Haverá um excesso de informações de interesse exclusivamente privado nas mãos da polícia, que poderá vigiar os percursos de cidadãos de acordo com sua livre conveniência.
Se considerarmos que essas informações só serão utilizadas nos estritos limites da legalidade, a medida já se mostra excessivamente invasiva; mas se imaginarmos que os dados possam vazar para criminosos, o cenário se torna ainda mais inquietante: sequestradores e ladrões poderiam ter acesso a uma lista detalhada dos hábitos de deslocamento de todos os motoristas brasileiros.
Um projeto como esse, que pretende impor a todos os motoristas brasileiros graves restrições a seu direito à privacidade, não deveria ser decidido pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), até porque seus membros não foram eleitos pelo voto popular e não têm legitimidade para impor tamanha restrição a um direito constitucional. Cabe ao Congresso Nacional apreciar a matéria, abrindo um amplo debate público sobre a necessidade ou não da implantação do sistema.
O projeto prevê gastos de aproximadamente R$ 5 milhões e não tem precedentes em outros países do mundo, o que tornaria o Brasil o pioneiro ou, dependendo do ponto de vista, a cobaia do sistema. Se é certo que os avanços tecnológicos podem trazer grandes melhorias na administração pública, é preciso, porém, bastante cautela antes de realizar esse tipo de investimento.
O Brasil é um país em desenvolvimento e não se pode prestar ao papel de laboratório de novas tecnologias que limitem direitos fundamentais de seus cidadãos. Nos EUA, na Europa e em outros países desenvolvidos e com a democracia já consolidada nenhum sistema como esse foi implantado em escala massiva e com uso obrigatório.
O governo não pode nem deve se deixar seduzir pela propaganda das empresas privadas interessadas em vender a nova tecnologia, pois os eventuais benefícios sociais que ela pode trazer têm, como efeito colateral, uma grave limitação ao direito constitucional à privacidade. É preciso que haja um amplo debate público sob a necessidade e a conveniência de se monitorar veículos.
Já colocaram câmeras de vigilância nas ruas sem que o Congresso Nacional aprovasse sequer uma lei regulamentando-as. Agora querem monitorar por onde os veículos brasileiros passam, sem de novo submeter a questão ao Legislativo. O que virá em seguida? Câmeras de vigilância nas casas? Gravação de todas as conversas telefônicas? Chips implantados em recém-nascidos?
O Big Brother, que no passado foi tema de livro e hoje é programa de TV, a cada dia que passa está se tornando uma aterradora realidade. É preciso impedi-lo de crescer enquanto há tempo.

Torciam pra ela dar errado...


O Estado de S.Paulo
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
Era a segunda metade dos anos 60.
1. Loira oxigenada, gostosona, fogosa, seios enormes e bonitos (depois ela os desbastaria um pouco), expansiva quase ao exagero, rindo sempre, disponível - já logo disseram: ela tem programa na tevê porque dá pro diretor. Galinha.
2. Vacilando no português, usando gíria do povão, voltada ao mundo artístico e assim desligada da política, das notícias ditas "importantes", do que acontecia no mundo - mataram: loira burra!
3. Vinda de meio humilde (seu pai, violinista, mexia com circo e música caipira), despreparada, ingênua, aberta, espontânea, não teria armas para sobreviver num meio - a tevê - habitado por gente boa, mas também por bruxas e traíras, onde um não vacila na hora de empurrar o outro pro buraco a fim de tomar seu posto. Não vai durar!
Era esse o panorama em redor de Hebe Camargo, no ano de 69 (1969), quando a revista em que eu trabalhava - Realidade, antecessora da Veja - "pautou" a ideia de se fazer um perfil de Hebe. Seu programa na TV Record, então a grande emissora brasileira, com os instigantes festivais de música, era produzido por uma equipe de craques (chamavam-na internamente de Equipe A). No horário nobre, o programa atingia audiências quase inimagináveis nos dias de hoje. Literalmente, parava a cidade.
Previa-se que a história pessoal de Hebe na Realidade resultasse numa reportagem picante, uma sucessão de amantes e gaviões, envolvimento com homens por dinheiro, denúncia de tramas na diretoria e da influência até de políticos para que ela mantivesse sua posição na tevê.
Realidade era um ninho de feras. Alguns de seus repórteres mais famosos - Narciso Kalili, José Carlos Marão, Luís Fernando Mercadante, Carlos Azevedo, João Antônio, Eurico Andrade, Roberto Freire (este um perigoso mix de repórter com psiquiatra e psicanalista, que ele também era) - poderiam, se fosse o caso, transformar o perfil de Hebe numa sucessão de escândalos, amores de interesse, casamentos destruídos em busca do troféu (a loira gostosona), futricas e fofocas do mundo sempre efervescente, e às vezes perverso, da televisão.
Por questão de destino (como tinha acontecido antes, com minha ida para a Guerra do Vietnã), a "pauta" Hebe foi atribuída a mim. Não sabia nem como começar. Saí como um cachorro perdigueiro atrás de rastros e sinais, para ver de que maneira poderia confirmar - ou aumentar - o lado sombrio da vida de Hebe, que era o aspecto preferido da imprensa escrita, sempre (então mais ainda) preconceituosa com o povo da tevê.
Antes da reportagem, já tinha tido um contato com Hebe. Assim que cheguei da Guerra do Vietnã, no que foi uma surpresa para mim, passei uns dias "famoso". Quase todos os programas de entrevista me convidaram para falar da minha aventura como correspondente de guerra lá no fim do mundo.
O programa da Hebe foi o primeiro a me cercar. Eu tinha que ir, e ainda, me comprometer a não participar de nenhum outro programa naquela semana. O programa da Hebe na Record era assim: exigia ser o primeiro e ainda regulava a ida a outras tevês.
Alguns amigos me disseram:
- Não vá no programa da Hebe, é muito popularesco. E periga ela pedir pra você mostrar a perna mecânica, dizendo: "Mas que gracinha!..."
Fui com um pé atrás (o bom). A parafernália de um programa de tevê ao vivo - o da Hebe era ao vivo - é tão grande que só fui falar com a apresentadora já no palco, o programa já no ar. Não houve condição para vê-la antes, combinar alguma coisa. Foi tudo no "sufragrante".
Alguém ficou comigo ali no corredor esperando a hora e, quando Hebe disse que o programa já tinha recebido gente de todo tipo, mas nunca entrevistara um "herói de guerra" (tremi), a pessoa me empurrou para o palco e me vi diante daquele povão (no auditório), eu assustado e perdido.
- Com vocês, um herói: o repórter José Hamilton Ribeiro!
Eu não era nada daquilo. Herói é quem vai pra guerra defender seu país e lá se machuca, ou quem arrisca a vida para salvar outro. Eu era só um repórter, o fato de ter me ferido na guerra não me levava a nenhuma condição de herói ou coisa parecida. Pensei comigo: esta entrevista vai acabar mal...
Estava tenso e nervoso, no começo. À medida, porém, que as perguntas se sucediam, passei a sentir-me seguro e confiante. Aquela mulher - aquela bela mulher! - passava calor, passava carinho e a gente sentia que tudo nela era, ou parecia, verdadeiro: suas perguntas, sua reação espontânea, o modo como expressava o sentimento ali, da hora, os votos e as aleluias que desejava pra gente.
Enfim, a entrevista transcorreu de maneira agradável, senti-me tratado com dignidade e, toda vez que a espontaneidade dela levava a um assunto mais íntimo ou delicado, ainda assim Hebe o fazia com naturalidade e visível boa intenção.
Na semana que se seguiu ao programa da Hebe, em todo lugar que eu ia, faziam referência a ele: dava impressão de que a cidade toda tinha visto.
Uma reação diferente tive num programa de auditório, no Rio de Janeiro. Programa do tipo que tem uma pessoa (que não aparece na tevê) comandando o auditório:
- Agora bate palma!
- Agora grita, só grita.. Mais alto, mais alto!
- Agora grita e bate pé.
Enfim, um programa animado... O apresentador deixou para o fim esta pergunta:
- Zé Hamilton, você foi na guerra, saiu ferido, mas voltou e continua trabalhando. É difícil ser repórter de uma perna só?
Respondi (já tinha a resposta na ponta da língua):
- Bem, ser repórter com uma perna só é mais difícil do que com duas, mas é mais fácil do que com quatro...
Ter estado no programa da Hebe, como entrevistado, não ajudou muito na reportagem que eu devia fazer para a Realidade. Afinal, tudo ali fora público, e uma boa reportagem é justamente aquela que mostra coisas que os outros não viram.
Saí a campo, atrás de pessoas e fatos que ajudassem a contar aspectos da história (que eventualmente as pessoas não conheciam) daquela mulher de sucesso, que tanta inveja causava às mulheres (não a todas) e tanto desejo provocava nos homens. Procurei conhecidos, parentes, colegas e, principalmente, pessoas que não gostavam dela ou tinham alguma coisa grave a contar sobre ela, que eu pudesse confirmar.
Ó, andei e rolei quase um mês remoendo o assunto Hebe, procurando pelo em ovo.
Afinal, a reportagem foi publicada. Quem esperava uma história picante, cheia de traições e trocas de cama, esperou em vão.
Vista hoje, 43 anos depois, aquela peça precisaria de ajustes, aqui e ali. No seu conteúdo, porém, poderia ser mantida.
Hebe Camargo, aquela loira oxigenada, de seios enormes e bonitos, sorriso fácil e braços sempre abertos, era uma pessoa verdadeira, autêntica, espontânea, natural, com enorme capacidade de observação e apreensão dos fatos, dotada de inteligência fina e instintiva que fazia com que ela se destacasse no meio em que trabalhava e vivia. Um ser especial, iluminado.
Não disse, mas gostaria de ter dito: ela é a fada boa da televisão brasileira, será a sua rainha e brilhará perante as câmeras - contando apenas com seu talento e sua energia, que parecem inesgotáveis - até morrer de repente.
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO É PAULISTA DE SANTA ROSA DO VITERBO. GANHADOR DE OITO PRÊMIOS ESSO E DONO DE UM DOS ESTILOS MAIS SABOROSOS DA IMPRENSA BRASILEIRA, AOS 77 ANOS É REPÓRTER ESPECIAL DO GLOBO RURAL, DA TV GLOBO.