quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Privatizar ou estatizar?


AMIR KHAIR - MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR - O Estado de S.Paulo
1. Estatização. Em decorrência da crise mundial de 1929, ocorreu no Brasil o combate à depressão, marcado pela aceleração da industrialização e pela substituição das importações, com significativa intervenção do Estado na vida econômica e social, vasta expansão dos serviços governamentais e estruturação de setores estratégicos. Essa experiência não se afasta daquela de outros países, quando a industrialização e os conflitos gerados pela desigualdade de seus frutos provocou também a presença do Estado no âmbito das legislações previdenciária e do trabalho.
É da era Vargas a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (1940), Vale do Rio Doce (1942), Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (1945), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDE (1952) e a Petrobrás (1953).
O processo de criação de empresas estatais ocorre inclusive durante o regime militar (1964/85), em setores estratégicos, mas também em áreas de menor importância como hotelaria e supermercados.
2. Privatização. Novas crises econômicas mundiais fazem emergir a crítica ao funcionamento do Estado e à sua capacidade de prover políticas públicas, pelo seu gigantismo, ineficiência e burocratismo. Esse debate fertilizou o terreno para a implementação de medidas, dentre elas, as várias formas de privatizações e desregulamentações. A privatização iniciou-se com Collor em 24 de outubro de 1991, com a venda da siderúrgica Usiminas, uma das mais lucrativas entre as estatais. Várias siderúrgicas e petroquímicas se seguiram.
No governo Itamar Franco (1992/1995), concluiu-se a privatização de empresas do setor siderúrgico e petroquímico e foi leiloada a Embraer (1994). O governo FHC (1995/2002) adotou as recomendações do Consenso de Washington, que pregava um amplo programa de privatizações. Foram privatizados os principais bancos estaduais, Light, Vale, Telebrás e Eletropaulo.
Os leilões de privatização de FHC apresentaram duas graves falhas: a) uso de moedas podres (títulos da dívida pública cujo valor de mercado era quase nulo e que foram usados para as compras do patrimônio público pelos seus valores de face) e; b) permitir que o BNDES financiasse parte do preço de compra, o que levaria a privilegiar grupos privados específicos.
Conversas gravadas na sede do BNDES revelaram esquema de favorecimento de empresas, o que levou à queda do Ministro das Comunicações, do presidente do BNDES, e chegou a respingar no presidente da República, FHC, que também apareceu nas gravações.
A maior parte dos valores usados para as privatizações vieram de empréstimos do BNDES e dos fundos de pensão das próprias empresas estatais (como no caso da Vale).
Nos oito anos de FHC, as privatizações atingiram US$ 78,6 bilhões usados para reduzir a dívida pública, que passou de 28% do PIB no seu início a 60% (!) no seu final. Isso ocorreu pelo uso da Selic elevada (média de 21,7%) para não deixar ruir o Plano Real.
No governo Lula, 2,6 mil quilômetros de rodovias foram leiloadas em 9 de outubro de 2007. Nessas concessões foi adotado o critério da menor tarifa nas licitações. As empresas vitoriosas ofereceram-se para administrar as estradas por um pedágio seis vezes inferior ao cobrado nas rodovias Anhanguera e Imigrantes, que foram privatizadas na década anterior.
Ocorreram, também, outras privatizações: Banco do Estado do Ceará, Banco do Estado do Maranhão, hidrelétricas Santo Antonio e Jirau.
3. Debate. Ganhou novo impulso o debate sobre privatização após a divulgação, no dia 15 de agosto, do primeiro pacote de privatização da infraestrutura, contemplando a concessão para o setor privado nos modais de transporte rodoviário e ferroviário, num investimento de R$ 133 bilhões, bancados na maior parte por recursos públicos (80% financiados pelo BNDES).
Alguns afirmaram não se tratar de privatização, pois não ocorreria venda de patrimônio público, e outros que essa passagem para o setor privado em nada poderia ser diferente do que uma privatização. Creio que o centro do debate não é se a concessão é privatização, mas se o que foi concedido ao setor privado deveria sê-lo ou não.
A favor dessa passagem está a incapacidade do Estado em agilizar os investimentos, uma vez que a maior parte dos recursos são públicos, ou seja, não é por falta de recursos que se faz a privatização. Contra essa passagem, o risco do abuso no uso de tarifas, típico do setor privado, com a complacência do Estado, que é incapaz de controlar e fiscalizar o que é concedido. É o que ocorre nos pedágios, especialmente em São Paulo, e nas prestadoras de serviços públicos, que lideram as reclamações nos órgãos de defesa do consumidor.
4. Novos tempos. O mito mercado desabou com a quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, o estopim da maior crise desde 1929. Se não fosse o Estado, o sistema capitalista ruiria a partir do colapso generalizado do sistema financeiro, que o neoliberalismo acreditava que se autorregularia em face das crises.
Agora, mais do que nunca, se impõe uma rediscussão do papel do Estado e da iniciativa privada na economia e na sociedade. Ao Estado compete a defesa e a promoção do desenvolvimento econômico e social. Ao setor privado, o que interessa é maximizar o lucro das empresas. Objetivos diferentes e por vezes antagônicos.
Nessa crise, esses objetivos foram expostos. O que protegeu a economia e o emprego foram as ações desencadeadas pelo Estado, por meio de suas instituições oficiais de crédito, junto com estímulos à economia feitos pelo BNDES, Banco Central e governo federal. Em lado oposto, situou-se o sistema financeiro privado, que, à semelhança do que fez internacionalmente, trancou o crédito e elevou os juros.
As falhas cometidas nas privatizações de empresas estratégicas, feitas especialmente no governo FHC, e a nova conjuntura internacional impõem novas reflexões e ações. É necessário discutir o argumento central pró-privatização de que o Estado torna tudo mais caro para a sociedade no confronto com o que pode ser feito pela iniciativa privada.
Se o Estado não está preparado, o caminho não é a sua demolição, mas sim fazer com que tenha as condições necessárias para assumir o papel que a sociedade lhe delegou. As fragilidades do Poder Público precisam ser enfrentadas. É necessário que seja construído um plano estratégico de desenvolvimento econômico-social-ambiental e, nele, os instrumentos de implementação.
Trata-se de fortalecer e reorientar a ação do Estado, com maior benefício para a sociedade. Transformar o custo elevado de suas ações, o uso indevido de cargos públicos para o suporte político e o populismo de tarifas e preços, que acabam inviabilizando a autossustentação das atividades. Se isso não for enfrentado, quem sofre é a sociedade e a simples passagem para o setor privado pode significar a desistência do objetivo maior, que é ter um Estado a serviço da sociedade, e não o inverso.

Governo quer reduzir alta rotatividade de funcionário


CÉLIA FROUFE. COLABOROU LU AIKO OTTA - Agencia Estado
BRASÍLIA - O governo estuda uma série de mudanças na legislação brasileira para diminuir a rotatividade no mercado de trabalho brasileiro. Elas vão desde a criação de taxas extras para empresas que demitirem mais funcionários do que a concorrência até a inclusão de barreiras para acessar o seguro-desemprego e a unificação do abono salarial com o salário família. A alta rotatividade preocupa, pois eleva os gastos públicos com seguro-desemprego.
Os técnicos sabem que a rotatividade pode ser sinônimo de melhora de salários ou de condições de trabalho. Mas o que preocupa são demissões sem justificativa, que podem representar a simples troca por empregados mais baratos, diminuição de benefícios ou mesmo fraude contra o seguro-desemprego. "Rotatividade é igual a colesterol: tem o bom e o ruim", ilustrou o diretor de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho e Emprego, Rodolfo Torelly.
A proposta que está mais adiantada é a de taxar empresas que apresentem um nível de demissões maior do que a do setor que está enquadrada. Conforme técnicos, a ideia encontra respaldo no artigo 239 da Constituição Federal. Ele diz que o financiamento do seguro-desemprego receberá uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o da rotatividade do setor. É preciso apenas regulamentar o que já foi definido em 1988.
Por outro lado, avalia-se a possibilidade de gerar descontos para o empregador que apresentar baixo nível de demissões. "Não se trata de uma medida para arrecadar, mas para incentivar a diminuição da rotatividade", argumentou a diretora de projetos da Secretaria de Acompanhamento Estratégico (SAE), Denise Grosner. "Não queremos amarrar o trabalhador à empresa." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

“O DESAFIO DO ANALISTA É PERMANECER HUMANISTA”


Leopold Nosek fala sobre a psicanálise atual e a dificuldade de encontrar tempo para reflexão., por Sonia Racy
Quando o antigo já não existe mais e o novo ainda não se estruturou é que se criam os monstros, segundo Leopold Nosek, da Federação Psicanalítica da América Latina. Os sintomas desse momento de transição– no qual se encontra a humanidade– estão na pauta dos principais desafios dos analistas contemporâneos. Desafios esses que serão tratados no Congresso Latino-Americano de Psicanálise (que começa terça-feira no Sheraton WTC), presidido por Nosek.
Cerca de dois mil psicanalistas se reunirão para debater o papel do analista na contemporaneidade: “O filme A Pele em que Habito, de Pedro Almodóvar, apresenta o monstro atual”, pondera. “O indivíduo pode trocar de sexo, de pele, fazer filhos de proveta, coisas antes inimagináveis”. Os temas do encontro serão tradição e invenção. “Veremos como esses dois dados se relacionam. Sem a tradição não se vive. No entanto, ficar paralisado na tradição também não é viver”, afirma.
A seguir, os melhores momentos da entrevista.
O mundo atual é muito fragmentado, a análise ajuda a dar unidade para pensamentos e sentimentos?
O paciente continua um ser humano. Só precisa ser lembrado disso. É um trabalho de recuperação. Não vivemos de construções velhas, portanto é impossível um analista estar ouvindo a mesma coisa. Nossos sentimentos pedem sempre novos versos.
Dê um exemplo.
As canções de ninar. São todas iguais. Falam de monstros, não de sossego. Porque a criança tem o medo e o horror dentro dela. E quando encontra uma representação, se sente entendida. Quando se adquirem palavras para o conflito e para a dor, aquilo se circunscreve. Deixa de ser infinito e adquire um tamanho. A partir daí, monta-se a equação e pode-se lidar com isso. Uma boa análise não resolve as equações, mas ajuda a montá-las. E, às vezes, isso é o mais difícil. “A cuca vem já já, papai foi pra roça, mamãe foi trabalhar”. É uma equação de desamparo.
O ser humano continuou igual, enquanto o mundo sofreu um avanço tecnológico imenso?
Em qualquer idade nos encontramos em transição. Sempre foi assim. Mas, agora, a velocidade é assombrosa. Outro dia, um adolescente me falou uma coisa interessante: que John Lennon nunca tinha visto um computador.
Quando um paciente tem alta, quem define isso: ele ou o analista?
Não creio em alta. A alta não faz parte da minha ideia analítica. A cura é uma ideia médica e se baseia em sintomas. O que existe são momentos de desenvolvimento que promovem emancipação. Tem muita gente que quer se aprofundar em si mesmo. Por outro lado, para quem faz análise, esse tipo de exercício reflexivo é vital. Não há como evitar.
Existe quem consiga fazer essa reflexão sozinho?
De fato não criamos nada em isolamento. Prefiro dizer que há pessoas que fecham a porta para esse tipo de prática. Muitas possuem uma dificuldade de olhar para sua interioridade. São pessoas que estão sempre em ação, impedindo o contato com o mundo onírico. Outros têm uma cegueira para o que é conflitivo, contraditório e escuro. O que sabemos sobre a análise é que aquele que a faz fica um pouquinho melhor na comparação com ele mesmo. E esse pouco melhor é inestimável. A família e as pessoas ao lado notam. Claro que, como tudo, análise depende de sorte. De achar a companhia certa para tanto. Nelson Rodrigues dizia que sem sorte você não chupa nem picolé porque vai cair no seu sapato.
A rapidez e a competição da atualidade contribui para o aumento da angústia?
Vivemos transformações importantes. Acostumamo-nos a lidar com um aparelho eletrônico e já temos que lidar com um novo. Existe hoje um paradoxo. Vamos viver mais de oitenta anos, mas ficaremos obsoletos profissionalmente, muitas vezes, com 40, 50 anos. Isso gera uma grande insegurança. Há uma enorme concentração de recursos materiais e de expediente para o trabalho para se produzir. Isto influencia nosso modo de viver. Por exemplo, os bancos vão se preocupar com suas ações e não com as hipotecas e o destino dos mutuários. Será que as grandes corporações farmacêuticas são diferentes?
E qual a consequência disso?
Falta tempo para o ser humano olhar para a própria humanidade. Não conseguimos construir um acervo onírico, uma personalidade. Sonhar e adquirir um repertório cultural, poético, requer tempo. É isso que necessitamos para dar conta da vida. É um desafio dos analistas de hoje, muito diferente da época do Freud. O sofrimento atual é de outra ordem. A do vazio. O indivíduo sofre, mas não articula um discurso. Quem tem pânico, por exemplo, sequer sabe diferenciar se o sofrimento é psíquico ou corporal. E crescem doenças como a anorexia, obesidade e a bulimia, que há 40 anos eram uma raridade.
O que é anorexia?
Ausência de desejo. Não se sente fome, não há vida sexual. Porque o desejo é visto pelo anoréxico como um perigo de destruição interna. Ele não tem acervo para dar conta. Isso é o desafio para o analista. Como trata-se de um discurso que não se organiza, é impossível realizar o que os analistas faziam antigamente – presente no imaginário popular –, de atribuir significados inconscientes ao que o paciente fala. É necessário a criação de novas narrativas, novos sonhos.
E como o analista reage em uma situação como essa?
É um dos temas do nosso congresso. Colocar o analista em questão. Estamos diante de um mundo novo. Que implica em novo corpo, sexualidade, ética e moralidade. Além de um sistema jurídico que terá que se adaptar a tudo isso. Em um mundo onde as coisas estão cada vez mais técnicas, o desafio para o analista é permanecer um humanista.
Com o avanço das drogas psiquiátricas, o paciente é o que ele toma?
Claro que não. Comemoramos as novas medicações, são um progresso. Entretanto, há um exagero. As pessoas não podem mais ficar tristes. Crises e os lutos são grandes oportunidades de transformação, de inventividade, desenvolvimento. Se você não tem tempo do luto, as pessoas tornam-se descartáveis. Como viver sem perdas? O importante é dar um destino criativo para elas.
Onde entra a análise?
As pesquisas mostram que uma terapia, de ordem verbal, aliada a medicação, funciona melhor do que só o remédio. Isso é consenso em psiquiatria também. No entanto, existe uma predileção por sucesso rápido. Costuma-se dizer que a psicanálise é demorada. O que ocorre é que entramos em um processo de desenvolvimento. Se a análise for boa você sente os benefícios desde o primeiro encontro.
Como se manter são ?
Eu nem pretendo isso. Não me apresento assim. Não tenho cara de são e não faço a menor questão de ser. E não sei mais do que a pessoa que está lá comigo. Só tenho um ouvido disciplinado para aquilo. Para ser analista, tem que ter problemas suficientes para não conseguir ficar quieto.
Como o senhor vê o crescimento dos fundamentalistas no mundo?
Quando eu comecei, a angústia dos pais era que os filhos estavam virando revolucionários. Hoje, se preocupam porque os filhos estão virando fanáticos. Com o a falta de tempo para construir um acervo que dê conta da sua humanidade, o indivíduo apela para as receitas prontas.
Em qualquer época?
Em tempos de transformação. Quando o velho não existe mais e o novo ainda não se estruturou, criam-se os monstros, dizia Antonio Gramsci. São momentos em que ainda não há um novo sonho, uma referência poética. Em épocas como essa, em que não existe tempo de esperar até que se organize um novo sonho, uma nova referência poética e cultural, é que as pessoas se socorrem de coisas estabelecidas.
Outra discussão é sobre a esfera do público e do privado. Mudou com a internet?
Sim. O Facebook e similares, por exemplo. As pessoas acreditam que estão expondo a intimidade ali. Mas, na verdade, não. Mudou o critério de intimidade. O que é íntimo, de verdade, as pessoas não mostram.
Por quê?
Porque quando é íntimo é conflituoso. O sexo pode ser íntimo para uma pessoa e não para outra. E parte da graça do sexo é que é tremendamente conflituoso e angustiante. Senão, seria como comer bife. O medo da perda, da invasão, do excesso, estão sempre aí. O número de fantasias, medos e expectativas que acompanham a sexualidade é enorme, e aí é que está a graça.
O que é a felicidade?
Essa felicidade da qual se fala é uma bobagem (risos). Uma coisa é viver criativamente, viver bem. Viver feliz é um sonho infantil. A ideia de não ter conflitos, problemas, é uma negação da realidade. Isso não é viver feliz, é ter uma anestesia para uma parte da vida. Uma pessoa que acredita nisso não vive as crises dos filhos, as questões amorosas, os lutos. Pensa em soluções. Chamo essas pessoas de “solucionáticas”.
Para resumir, qual o maior desafio para o analista hoje?
Cada vez mais o tratamento é bipessoal. Na sala de análise tudo pode acontecer virtualmente. O analista tem que ser corajoso e participativo. Ter audácia. Tem que ter o conhecimento. Esta é a sua ética. Estamos todos em questão, o paciente, o analista e a análise. Cabe a brincadeira “vamos olhar seus problemas de frente: pode se deitar”. /MARILIA NEUSTEIN E SR