terça-feira, 10 de abril de 2012

Ainda a crise da Embrapa


CELSO MING - O Estado de S.Paulo
A Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) perdeu o bonde e enfrenta séria crise de identidade a ser resolvida - como a Coluna de domingo passado mostrou. Mas ela não está sozinha. Justamente quando o agronegócio assumiu importância nunca vista no Brasil, a mesma crise de identidade que acometeu a Embrapa alcançou outros centros de pesquisa agropecuária, financiados com recursos públicos consagrados pelas impressionantes contribuições do passado.
É o que aponta o pesquisador científico José Sidnei Gonçalves, do Instituto de Economia Agrícola do Governo de São Paulo. Ele se pergunta sobre o futuro do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Nos anos 50, o IAC garantiu enormes avanços na cafeicultura ao desenvolver variedades Novo Mundo e estender a cultura para fora das manchas de terra roxa, sobretudo para o Cerrado. Hoje, no entanto, também enfrenta crise de identidade e o risco de ser reduzido à insignificância.
Gonçalves se impressiona com a dizimação da rede das "Casas da Lavoura", que fornecia assistência técnica para o agricultor paulista. Para ele, institutos públicos de pesquisa genética são esvaziados pelo desmonte de redes públicas de assistência técnica e extensão rural, antigos canais de distribuição das sementes feitas pelos centros públicos de pesquisa. E, também, com a "mudança de padrão de financiamento da produção agropecuária com base no crédito subsidiado".
O principal agente de financiamento das safras deixou de ser o velho crédito rural, oferecido principalmente pelo Banco do Brasil. Passou a ser coberto pelo lançamento de letras de crédito agrário no mercado interno de capitais, por meio da rede bancária privada.
Nessa paisagem, o vazio deixado pelos institutos foi ocupado por grandes empresas do ramo - como Monsanto, Agroceres e Syngenta - que contribuem cada vez mais com sementes desenvolvidas pela iniciativa privada.
Outro especialista em Pesquisa Agropecuária, Luís Galhardo, vê mais fatores que têm esvaziado a Embrapa. Um deles foi o Plano de Demissão Voluntária há alguns anos, que aposentou, no auge de sua capacidade científica, grande número de pesquisadores que deixaram uma lacuna em seus quadros.
Galhardo reconhece que as leis que anteriormente proibiam processos de modificação genética (transgenia) paralisaram a Embrapa. Mas este não é para ele motivo suficiente para estagnar a empresa. Ele observa que a soja tolerante ao herbicida glifosato (produto hoje líder de mercado fornecido pela Monsanto) permitiu o aparecimento de plantas daninhas tolerantes ao próprio glifosato, que prejudicam a produtividade da cultura. Isso reabre perspectivas para novas variedades a serem desenvolvidas por outros centros de pesquisa.
Isso significa que a Embrapa tem um campo fértil pela frente, lembra Galhardo. Mas, para isso, tem de se livrar do jogo corporativista do seu atual quadro de pessoal, avesso às transformações. Não é o fim do mundo perder o bonde. Quanto a isso, é como o metrô. Logo vem outro.

O avanço da formalização no Brasil



01 de abril de 2012 | 3h 08
MESTRE EM ECONOMIA PELA UNESP, ECONOMISTA DA CONSULTORIA LCA - O Estado de S.Paulo
Análise: Fábio Romão
O crescimento da economia brasileira entre 2004 e 2008 se traduziu em ampliação de investimentos e de contratações formais.
Setorialmente, a expansão do PIB começou pela indústria (o mais formal dos setores) no final de 2003, especificamente pelo braço das exportações, movimento que se espraiou para seu ramo doméstico em 2004. Os demais setores responderam a este movimento, com destaque para a construção civil (onde a informalidade reinava), que passou por um processo de abertura de capital e contou com programas oficiais de crédito residencial. Segundo a RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), enquanto a taxa de evolução média anual dos trabalhadores contratados pela CLT entre 2004 e 2010 foi de 6,3%, a da construção foi de 13,3%.
Em adição, a política de valorização do salário mínimo beneficiou os setores de comércio e serviços - entre janeiro de 2001 e janeiro de 2012, o salário mínimo acumulou ganho real de 97,4%. Cerca de dois terços dos beneficiários do INSS têm este piso como referência.
Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, nas seis principais regiões metropolitanas, desde fevereiro de 2005 a variação interanual (contra o mesmo mês do ano anterior) dos empregados com carteira supera a dos empregados sem carteira e do total.
Entre 2005 e 2011 o estoque de ocupados sem carteira mostrou evolução muito diferente da média: encolheu a um ritmo de 1,8% ao ano, enquanto o estoque total cresceu, em média, 2,4% e a porção com carteira 5,3%. Esta evolução contrastante aponta não somente para a criação de novos postos formais, mas também para a formalização de postos informais pré-existentes. Com isso, os empregados com carteira assinada nas metrópoles chegaram a 54,1% dos ocupados em fevereiro de 2012 - em março de 2002, mês inicial da pesquisa, eles eram 46%.
Ser um trabalhador formal, sobretudo para aqueles que adentraram neste universo pela primeira vez, significa ter maior acesso a crédito e, em muitos casos, a renda aumentada, o que pode elevar seu nível de confiança. Portanto, crédito e confiança culminaram em incremento de posse de bens, o que, em alguns critérios, determina a classe social - apontando que a recente migração de classes no Brasil também se deu via aumento da formalização.

O mundo digital em 3 telas


ETHEVALDO SIQUEIRA - O Estado de S.Paulo
Televisão, computador e smartphone são as três telas que abrangem praticamente todas as comunicações do mundo digital, setor que passa, aliás, pela mais radical e profunda mudança de paradigmas de toda a história da eletrônica. Na verdade, a palavra que poderia definir com maior precisão essa mudança talvez fosse disrupção (do inglês, disruption) - já registrada pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Sintetizar em três telas toda a comunicação do mundo digital é, sem dúvida, uma fórmula didática perfeita que tem sido utilizada por especialistas para facilitar a compreensão do processo de convergência, entre os quais Rafael Steinhauser, presidente da Qualcomm para a América Latina.
De que modo convergem as três telas? Da forma mais completa e abrangente possível. E mais: as três telas são totalmente reversíveis, pois tudo que uma faz as outras duas também fazem. Assim, a cada dia que passa, a TV mais se transforma e se aproxima de um computador com tela grande. Da mesma forma, pode até exercer as funções de um smartphone. O computador, por sua vez, comporta-se como uma TV ou como um smartphone. E o smartphone assume os papéis de um computador ou de uma TV com tela pequena.
O que muda. "Nas últimas décadas - relembra Rafael Steinhauser - as pessoas se comportavam diante da televisão de forma totalmente passiva, recebendo conteúdos prontos e acabados, tanto da TV aberta quanto da TV paga. Esse público acostumou-se a receber programas preparados e empacotados pelas emissoras, sem se preocupar com aplicativos ou sistemas operacionais. O mesmo acontecia até há pouco com os usuários de computadores e do celular. O cliente recebia o aparelho com os aplicativos essenciais, prontos e acabados, num pacote fechado, e passava a usá-lo sem mais problemas."
Mas esse mundo da comunicação está mudando. A convergência das três telas, entretanto, transforma radicalmente esse cenário, pois a grande tendência dos novos smartphones, laptops e tablets é oferecer um sistema operacional aberto. Daí o grande sucesso do Android.
O mesmo tem acontecido com outros sistemas operacionais, como o iOS, do iPhone - e, agora, com o Windows Phone, pois todos os smartphones permitem a qualquer desenvolvedor colocar seu aplicativo na plataforma e vendê-lo ou distribuí-lo gratuitamente, via celular ou via internet. E o usuário escolhe o que acha melhor, pagando ou baixando gratuitamente. E não há mais lugar para sistemas operacionais fechados, como no caso do Symbian, que está sendo abandonado pela Nokia em favor do Windows Phone. "Por isso, o Symbian está morrendo" - afirma Steinhauser.
Sistemas abertos. A correlação entre as três telas é hoje tão profunda que, para os especialistas, um celular só adquire o status de smartphone se tiver sistema operacional aberto.
Eis aí a grande mudança de paradigma, que permite a colocação de qualquer aplicativo ou software à disposição do usuário. E vale lembrar que os smartphones já dispõem de milhões de aplicativos, um número que nenhum usuário, isoladamente, poderá utilizar em toda a sua vida.
Com esses aplicativos, o cidadão pode baixar também conteúdos da mais variada natureza, inclusive de publicidade. Os sistemas operacionais abertos mudam, assim, toda a cadeia de valores. Isso é disruptivo, como quebra de paradigmas.
Uma diferença fundamental nesse novo cenário é que o cliente deixa de ser verticalizado, como no passado, isto é, vinculado exclusivamente a um pacote de serviços ou conteúdos oferecidos por sua operadora. Hoje, o cliente se comporta de forma horizontal, aberta ao acesso a conteúdos ou serviços globais ou universais.
O mesmo acontece mais recentemente com outros dispositivos, como os tablets. A grande tendência, portanto, é que todos esses dispositivos - bem como os desktops, laptops, ultrabooks e até mesmo os televisores - tenham num futuro próximo sistemas operacionais abertos.
"Um bom exemplo - relembra Steinhauser - é o receptor de TV aberta, lançado no Consumer Electronics Show (CES 2012), em janeiro, em Las Vegas, pela Lenovo e pela Qualcomm, que usa o sistema operacional Android. E funciona perfeitamente bem para tudo que quisermos".
Três competências. A convergência entre as três telas é resultado de três fatores tecnológicos: capacidade computacional, conectividade e multimídia. Essas três capacidades ou competências tecnológicas precisam ser comuns às três telas. Sem eles não haveria convergência entre smartphones, televisores e computadores.
Vejamos o que ocorre com os novos smartphones, que são acionados a cada dia por chipsets com maior capacidade computacional. Alguns deles são processadores de quatro núcleos, como alguns exibidos Mobile World Congress 2012, em Barcelona, em fevereiro.
"Aqueles pequenos smartphones - lembra Rafael Steinhauser - incorporam uma tecnologia ainda mais sofisticada que os nossos melhores home theaters, pois os seus chipsets dispõem de recursos extraordinários, como alta definição, microfones sensíveis, alto-falantes, dolby avançado, som surround 7.1."
A grande diferença é que os smartphones consomem muito menos energia, não aquecem e custam apenas uma pequena fração dos home theaters.