quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Como apagar memórias sem deixar traços



05 de janeiro de 2012 | 3h 05
Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Você gostaria de remover de sua mente um medo ou a memória de um trauma? Em camundongos, isso já é possível. E o método é tão simples que logo será adotado por psiquiatras e terapeutas.
O experimento, feito por cientistas de Helsinque e Nova York, baseou-se em duas descobertas feitas nos últimos anos. A primeira é que, tanto em animais quanto em seres humanos, é muito mais fácil reverter medos e traumas psicológicos durante a infância, enquanto o sistema nervoso está em desenvolvimento. Nesse período, os cientistas acreditam que os neurônios possuem um maior grau de plasticidade e podem ser moldados mais facilmente por novas experiências (é por isso que é mais fácil aprender uma segunda língua na primeira infância).
A segunda é que nos últimos anos foi descoberto que o tratamento de camundongos com antidepressivos, como a fluoxetina (Prozac), provoca mudanças no funcionamento do sistema nervoso, aumentando sua plasticidade.
Com base nessas observações, os cientistas imaginaram que talvez a administração de antidepressivos tornava o cérebro mais plástico, o que facilitaria a remoção de medos patológicos ou traumas de guerra.
Para testar essa hipótese, fizeram o seguinte experimento. Os camundongos foram condicionados a ter medo de um apito agudo. Para tanto, foram submetidos a pequenos choques elétricos toda vez que o apito tocava. Camundongos com medo do apito ficam imóveis assim que o ouvem, mesmo quando o som não é seguido de choque.
Após terem sido condicionados a ter medo do apito, os animais foram divididos em dois grupos. Um recebeu fluoxetina por duas semanas e o outro serviu como controle, tendo recebido somente água.
Após esse período, eles foram submetidos somente ao apito (sem choque) e suas reações foram monitoradas. Isso permite saber se eles haviam "esquecido" que tinham medo do apito e se o uso do apito sem o choque faria com que eles perdessem o medo do apito.
Depois de dois dias, foram deixados em paz por mais uma semana e testados novamente tanto com o apito sem choque (um subgrupo) como com o apito seguido de choque (outro subgrupo). O objetivo desse último teste não era recondicionar os camundongos a ter medo de choques, mas verificar se um único choque era capaz de restaurar o medo original.
Resultados. Os cientistas observaram que os dois grupos de camundongos (com ou sem antidepressivos) perdiam o medo do choque ao longo do tempo e eram igualmente dessensibilizados durante os dois dias em que ouviam o apito sem receber o choque. A grande diferença ocorria mais tarde. Os animais que haviam recebido antidepressivos não recuperavam o medo espontaneamente ao longo do tempo nem voltavam a ter medo após um único choque. A memória do choque havia sido eliminada. Eles estavam curados.
Nos camundongos que haviam recebido água, o medo voltava aos poucos, à medida que ouviam o apito. O medo retornava em níveis muito altos se fossem submetidos a um único choque. Ou seja, o medo estava "adormecido", mas voltava rapidamente após um único estímulo. Eles não haviam sido curados.
Além desses estudos comportamentais, os cientistas analisaram os neurônios dos circuitos cerebrais envolvidos com essa resposta ao medo e confirmaram que a plasticidade desses circuitos foi aumentada pelo antidepressivo. Isso explica porque foi muito mais fácil eliminar o medo e a memória com o uso combinado de antidepressivos e processos de condicionamento.
Como processos de condicionamento semelhantes a esses já são usados para tratar traumas em seres humanos e as doses de antidepressivos necessárias são as rotineiramente utilizadas por psiquiatras, é fácil imaginar que essa combinação de tratamentos pode vir a ser usada em seres humanos no futuro próximo. Sem dúvida, um grande avanço no tratamento de diversos distúrbios psiquiátricos.
Por outro lado, essa tecnologia, que permite remover ou adicionar medos e memórias à mente humana, pode ser utilizada em processos de lavagem cerebral ou doutrinação. Um prato cheio para polícias secretas, seitas radicais e diretores de cinema.
*Biólogo 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O mundo do dinheiro e seus heróis, do Blog do Emir


03/01/2012


Até um certo momento os ricos ou escondiam sua riqueza ou tratavam de passar despercebidos, como se não ficasse bem exibir riqueza em sociedades pobres e desiguais. Ou até também para escapar da Receita.

De repente, o mundo neoliberal - esse em que tudo vale pelo preço que tem, em que tudo tem preço, em que tudo se vende, tudo se compra – passou a exibir a riqueza como atestado de competência. Nos EUA se deixou de falar de pobres, para falar de “fracassados”. Numa sociedade que se jacta de dar oportunidade para todos, numa “sociedade livre, aberta”, quem nao deu certo economicamente, é por incompetência ou por preguiça.

Ser rico é ter dado certo, é demonstrar capacidade para resolver problemas, ter criatividade, se dar bem na vida, etc., etc. Até um certo momento as biografias que se publicavam eram de grandes personagens da historia universal – governantes, lideres populares, gênios musicais, detentores de grandes saberes. A partir do neoliberalismo as biografias de maior sucesso passaram as ser as dos milhardários, que supostamente ensinam o caminho das pedras para os até ali menos afortunados.

Todos dizem que nasceram pobres, subiram na vida graças à tenacidade, à criatividade, ao trabalho duro, ao espirito de sacrifício. Tiveram tropeços, mas nao desistiram, leram algum guru de auto-ajuda que os fez aumentarem sua auto estima, acreditarem mais em si mesmos, recomeçarem do zero, até chegarem ao sucesso indiscutível.

Seus livros se transformam em best-sellers, vendem rapidamente – até que vários deles caem em desgraça, porque flagrados em algum escândalo -, eles viajam o mundo dando entrevistas e vendendo seu saber que, se fosse seguido por seus leitores, produziria um mundo de ricos e de pessoas realizadas e felizes como eles.

Quem vai publicar um livro de um “fracassado”? Só mesmo se fosse para que as pessoas soubessem quais os caminhos errados, aqueles que nao deveriam seguir, se querem ser ricos, bonitos e felizes. O mundo do trabalho, da fábrica, do sindicato, dos movimentos de bairro, das comunidades – mundo marginal e marginalizado.

Programas de televisão exaltam os ricos, os bem sucedidos, as mulheres que exibem sua elegância, sua falta de pudor de gastar milhões na Daslu e nas viagens a Nova York e a Paris. Ninguém quer ver gente feia, pobre, desamparada, que só frequenta os noticiários policiais e de calamidades naturais. As telenovelas tem como cenários os luxuosos apartamentos da zona sul do Rio e dos jardins de Sáo Paulo, com belas mulheres e homens que não trabalham, no máximo administram empresas de sucesso. Os pobres giram em torno deles – empregadas domésticas, entregadores de pizza, donos de botecos -, sempre como coadjuvantes do mundo dos ricos, que propõem o tipo de vida que as pessoas deveriam ter, se quiserem ser ricos, bonitos, felizes.

Esse mundo fictício esconde os verdadeiros mecanismos que geram a riqueza e a pobreza, os meios sociais – os bancos por um lado, as fábricas por outro – em que se geram a riqueza e a fortuna, a especulação e a expropriação do trabalho alheio. Em que estão os vilões e os heróis das nossas sociedades.
Postado por Emir Sader às 09:29

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

País gasta muito com seguro-desemprego


O Estado de S.Paulo
O Brasil é o único país no mundo em que o emprego cresce e as despesas com seguro-desemprego disparam. O paradoxo decorre de instituições de má qualidade no campo do trabalho. Explico-me.
Para fazer jus ao seguro-desemprego, o empregado precisa ter trabalhado pelo menos seis meses com registro em carteira. Para poder sacar os recursos depositados no FGTS, o empregado necessita completar um ano de serviço, desde que dispensado sem justa causa.
Vejamos o que ocorre com um empregado que ganha R$ 1 mil por mês e que completa um ano na mesma empresa. As estimativas a seguir são feitas com aproximações e sem considerar os descontos de lei.
Se ele for dispensado sem justa causa, terá acumulado R$ 1.040 na sua conta do FGTS (inclusive a parcela do 13.º salário). No caso de ser desligado da empresa sem justa causa, sacará esse montante e receberá R$ 400 a título de indenização de dispensa, perfazendo R$ 1.440. Além do salário do mês, como parte das verbas rescisórias, ele terá direito a R$ 1 mil de 13.º salário e R$ 1.333 a título de férias e abono, o que no agregado soma R$ 3.773. Uma vez despedido, ele receberá quatro parcelas no valor de R$ 763,29 a título de seguro-desemprego, ou seja, R$ 3.053,16. Em resumo: para viver nestes quatro meses, o empregado em tela disporá de R$ 6.826, o que dá uma média mensal de R$ 1.706, ou seja, 70% a mais do que ganhava quando estava trabalhando.
Até aqui foi tudo legal. Mas, com a atual falta de mão de obra, o referido trabalhador pode se reempregar com facilidade. Para não perder o benefício do seguro-desemprego, muitos procuram um emprego informal. Digamos que o protagonista do exemplo consiga ganhar R$ 1 mil nessa atividade, ou seja, R$ 4 mil durante os quatro meses. O ganho total no período subirá para R$ 10.826, que dá uma média de R$ 2.706 mensais! Além disso, há o abono salarial.
Numa realidade desse tipo, não é à toa que tanta gente utilize esses expedientes. Isso ocorre principalmente entre os empregados de baixa renda. Os dados mostram que, em 2010, 85% dos saques do FGTS foram feitos em contas cujo saldo médio era de apenas R$ 1 mil (tendo totalizado R$ 12 bilhões). Para quem ganha R$ 1 mil por mês, um acréscimo de renda de 170% é de extrema valia.
É assim que se explica por que os pedidos de seguro-desemprego aumentam numa hora em que (ainda) são abundantes as oportunidades de emprego. As despesas explodem. O pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial consumiu em 2011 cerca de R$ 32 bilhões - quase 20% acima do que se gastou em 2010.
Uma parte do estouro das despesas foi devida à elevação do salário mínimo em 2011. E o que ocorrerá em 2012? O salário mínimo será de R$ 622 mensais - um aumento de 14% em relação a 2010. O governo que se prepare. As despesas com seguro-desemprego e abono salarial explodirão.
Mas essa é só uma parte da história. A outra, de maior impacto, vem da combinação das estratégias acima descritas e ganha força num mercado de trabalho aquecido. A rotatividade aumenta porque muitos empregados "provocam" sua demissão (sem justa causa) e entram na ciranda das benesses.
Esse é um bom exemplo de como más instituições induzem a perigosas distorções. Está na hora de fazer uma boa revisão das leis que dão suporte a essas manobras. A exigência de aceitar um emprego oferecido pelo Ministério do Trabalho (criada em setembro de 2010) é uma boa medida, mas ainda é tímida. Uma reforma de profundidade exige a combinação do seguro-desemprego e do FGTS com programas de treinamento e com a própria aposentadoria. Mas esse é um assunto complexo que fica para outra oportunidade. Ademais, os recursos do FGTS pertencem aos trabalhadores, que já vêm sendo expropriados por uma taxa de juros ridícula, e a eles cabe a primeira palavra.