quinta-feira, 30 de julho de 2015

Diário de um agente penitenciário: seita satânica – batismo e morte na cadeia, do Jusbrasil


Publicado por Canal Ciências Criminais - 1 dia atrás
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Dirio de um agente penitencirio seita satnica batismo e morte na cadeia
Por Diorgeres de Assis Victorio
De modo que, para o sistema penal, o que seria fundamental, o que seria mais importante, acaba sendo subalterno – e por que? Porque o Governador espera que eu não lhe dê problemas na área dos presídios; eu espero que o Diretor Geral do DIPE não me dê problemas na área dos presídios; o Diretor Geral do DIPE espera que os Diretores dos Institutos não lhe tragam problemas com os presos; o Diretor de cada Instituto espera que os seus terapeutas; e o “staff” e sua guarda esperam que os presos não lhe dêem problemas. Então quem manda no sistema é o preso – porque o preso tem a sua opinião muitíssimo respeitada: se se vai fazer alguma coisa que contraria os presos, eles podem se revoltar; se os presos se revoltarem, incomoda o Governador. Então as transações se fazem na base, para que não haja trepidaçãoQuando nós queremos introduzir alguma modificação num presídio, os diretores advertem: Olha, Sr. Secretário, muito cuidado, porque isso pode não ser bem recebido. E se os presos não receberem bem nós vamos ter problemas. A disciplina está balançando; nós estamos com muitos problemas aqui dentro. É dificílimo modificar esse equilíbrio quase ecológico dentro da sistemática de uma prisão. Portanto o sistema não presta para nada; não conduz a coisa nenhuma; ele é um custo operacional altíssimo; um custo de investimento de obras altíssimo; um custo de pessoal altíssimo – e para nada, para não resultar em nada”. (PIMENTEL, Manoel Pedro. Visão do Sistema Penitenciário Paulista, à luz da penologia moderna. 1953, p. 116, grifo nosso)
Na semana passada dei umas “pequenas pinceladas” sobre a facção criminosa Seita Satânica, ou “SS” como também é conhecida. A mesma possui estatuto próprio, assim como rituais e comportamentos diferentes dos demais presos das mais diversas Unidades Prisionais, não só de nosso país, mas do mundo todo. Membros possuem estrelas tatuadas de cinco pontas invertidas (pentagrama invertido).
É “no correr dos séculos, o satanismo tem atraído pessoas de todas as posições sociais e profissionais, em parte devido, sem dúvida, à teoria de que Satã era uma figura heróica que não se curvava perante nenhuma autoridade[1]
Uma das Unidades Prisionais em SP em que existiam muitos integrantes da SS é a Penitenciária de Franco da Rocha.
Para as mentes ocidentais, o conceito de assassinato ritual é repulsivo. Mas, 2 mil anos atrás, Jesus Cristo foi sacrificado pelo bem da comunidade – e a teoria reza que isto é bom para a comunidade.”[2]
Como eu disse no artigo da semana passada, os integrantes da Seita Satânica na cadeia eram “faxinas”, mas já vi alguns que eram “boieiros”, não se admitiam homossexuais nesse trabalho. “Não tem cabimento uma pessoa que pratica coisas com a bunda vim mexer na alimentação da coletividade”.[3]
Me recordo que, quando da liberação do Raio para banho de Sol no período da manhã, um preso descia a escada com muita dificuldade. Veio até mim mancando e me pediu para levá-lo à enfermaria. Me causou estranheza porque ele não parava de olhar para os lados e para trás, pensei que ele fosse tomar uma facada na minha frente.
Perguntei ao mesmo o que estava acontecendo e ele não quis falar. Entendi o recado. Pedi ao “gaioleiro” que nos liberasse e foi feito. “Dei um pano nele” (revistei) e descemos a galeria, o questionei, quis saber o que estava acontecendo e porque ele mancava tanto. Ele me disse que como eu já sabia ele estava morando na cela da “Seita” e foram batizar ele. Primeiro começaram a queimar a mão dele e ele me disse que não agüentou a dor e pediu para parar. Disse que tinha sido enganado, porque disseram que essas queimaduras não iam doer. Me disse: “- Eu disse que não queria mais não, aí me grudaram e queimaram meu pé e disseram que se eu gritasse me matavam. Foi isso que aconteceu mestre.” Eu disse ao mesmo que ele deveria contar isso, porque foram praticados crimes e prática de crime na cadeia por preso era “castigo” e falta disciplinar grave. Ele disse que não ia fazer nada e me pediu para eu não contar a ninguém porque iam matá-lo, que inclusive ele tinha que ser medicado logo e voltar, para eles não pensarem que ele estava “caguetando” eles. Não tive outra coisa a fazer a não ser não comunicar a falta, porque realmente ele ia ser morto na cadeia. Na cadeia a gente tem que ter muito bom-senso em algumas horas. Até porque ele ia morrer e o assassino verdadeiro não ia aparecer, ia aparecer um laranja[4]. “ – Sempre existiu esse indivíduo que segura a morte de alguém e que um dia, devido o caminho sinuoso do destino, ele próprio acabará no bico da faca de uma pessoa que, por sua própria vez, vai pôr um laranja para assumir a morte dela. E, assim, por meio da laranjice, vão-se os filhos queridos de muitas mães, deixando apenas lágrimas que rolam no rosto do sofrimento humanitário. A lei diz que é melhor pagar por crime alheio do que delatar o companheiro. Ao acusado é permitido protestar inocência; dar o nome do responsável, jamais. No caso de punição injusta, o verdadeiro culpado arca com a dívida da gratidão, no mínimo[5]
Em razão disso tudo voltamos ao pavilhão mais que rapidamente. Ele retornou a cela da Seita Satânica.
Passados alguns minutos notei que o Raio estava estranho estava muito quieto. Um silêncio sinistro imperava no ar. Silêncio na cadeia não é um bom sinal a experiência já tinha me mostrado isso.
Na parte da tarde vi presos “mascarados” e todos de preto entrando em uma cela. Ninguém se aproximou ou tentou adentrar a cela e de repente barulhos de batidas e gritos. Alguém estava apanhando e muito. Os presos me deixaram isolados, cercaram o local não permitindo que eu me aproximasse da tal cela. Os homens de preto saíram e subiram as escadas e desapareceram, provavelmente trocaram de roupas e elas foram escondidas, passadas para outros presos e até queimadas depois, nada foi encontrado depois. Nisso vi que um preso saiu da cela. Ele caminhava como um “robô”, duro e com movimentos duros e lentos. Sua cabeça estava inchada e pela mesma vazava “coisas” não sei se era o cérebro do mesmo, provavelmente sim. Ele caminhava, mas eu acho que eram as ultimas mensagens que seu cérebro tinha mandado ao seu corpo. Ele não sobreviveu.
Posteriormente uns “línguas pretas” (alcaguetes) me informaram que aquela morte tinha sido encomendada. Disseram que um preso, filho de um preso “piolho” (antigo) na cadeia tinha sido feito de “garoto” (homossexual) na cadeia e teria sofrido estupro (hoje estupro, naquela época atentado violento ao pudor). O pai do preso estuprado estava em uma outra cadeia, e através do “radinho” (celular) foi informado do fato e encomendou o crime, pagou e o homicídio foi praticado.
No final do dia, como via de regra na cadeia, alguns presos se apresentaram como autores do terrível homicídio, eu desconfiava que o crime não tinha sido praticado por eles, mas “Embora os funcionários saibam que aquele não é o verdadeiro autor do crime ou da contravenção, pouco podem fazer contra o código de silêncio que rege a vida no Crime”.[6] Vieram relatos que essa morte tinha sido praticada pelos membros da Seita Satânica, mas ninguém, nenhum preso quis colocar isso no papel, nem com promessa de transferência para uma outra Unidade. Diziam que qualquer tipo de transferência ali ia ser “milho para bode” (iria na cabeça dos presos demonstrar que quem fora transferido era o tal “cagueta”) e aí através dos “radinhos” (celulares que via de regra tem em qualquer cadeia) iam “levantando a fita” (pesquisando aonde esse tal preso transferido estava e aí era só “dar um salve” e mandar “subir o gás” (matar) do “sem futuro” (preso desprezível) na cadeia.
Mais uma vez vi sendo cumprida a regra número 1 das “12 regras do bom bandido” “1 – Não delatar;[7]. Esses regulamentos de conduta criminal, sempre me despertaram grande curiosidade e sempre me dediquei a estudá-los com muito afinco, por exercer uma influência exacerbada na vida dos criminosos, muito mais cumprida à risca que as leis que regem os homens quando em liberdade, afinal de contas, não existe em nosso ordenamento jurídico pena de morte a não ser em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX (artigo XLVIIa da Carta Magna) não é mesmo?
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[1] KLEIN, Shelley. As sociedades secretas mais perversas da história. São Paulo: Planeta, p. 272.
[2] KLEIN, Shelley. As sociedades secretas mais perversas da história. São Paulo: Planeta, p. 69
[3] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 100
[4] A dor maior é perceber que a massa carcerária é formada por uma maioria de moleques primários, gente muito jovem. Os laranjas. Seguram a bronca de seqüestros de funcionários, geralmente no intuito de conseguir uma transferência, tentativas de fugas malogradas, acerto de contas com assassinos, e tudo o mais que se passa num presídio. Seguram a bronca ou morrem. São laranjas. JOCENIR. Diário de um detento: o livro. São Paulo: Labortexto Editorial, 2001, p. 95
[5] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 131-132.
[6] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.148.
[7] AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado. Rio de Janeiro: Record, 1993, p. 319
Dirio de um agente penitencirio seita satnica batismo e morte na cadeia

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