terça-feira, 28 de abril de 2015

Organização Social: sinônimo de boa gestão pública? republicado Carlos Neder


Artigo publicado no ‘O Estado de São Paulo’ (“O STF deve chancelar a boa gestão pública”, de Helena Nader, Jacob Palis Junior, Rubens Naves e Thiago Donnini) faz defesa enfática da modalidade de gestão das Organizações Sociais (OSs), dando-lhe caráter público. Seus autores mostram casos de sucesso em âmbito federal.Estudos desenvolvidos pelo Ministério do Planejamento caracterizam, no entanto, essa modalidade de gestão como sendo de natureza privada. O fato de instituições privadas serem qualificadas como OSs pelo poder público, com base na Lei n.º 9.637/98, iniciativa do governo Fernando Henrique Cardoso, não lhes confere um caráter público e tampouco os acordos administrativos estabelecidos se confundem com convênios. Inserem-se, com mais propriedade, na categoria de contratos em que pode haver conflitos de interesses na relação de prestação de serviços, sendo imprescindível controle público efetivo sobre sua atuação.
Defendidas com o argumento de agilidade administrativa e de serem sinônimo de boa gestão, inclusive para o desenvolvimento tecnológico e cientifico do País, essas entidades criaram a expectativa de que conseguiriam captar recursos privados, mas dependem de recursos públicos. Os conflitos de interesses observados por gestores públicos e órgãos de controle, tais como Controladorias, Ministérios Públicos, Legislativo, Tribunais de Contas, Judiciário e Conselhos Gestores, mostram impropriedades e inadequações no funcionamento das OSs, até mesmo em desacordo com legislações específicas que as instituíram.
São conhecidas, entretanto, alternativas de gestão pública que podem atender às mesmas exigências de agilidade, eficiência e eficácia. Experiências bem sucedidas de administração pública indireta, como é o caso do uso pelo poder público das modalidades de autarquias, autarquias especiais, fundações públicas e fundações estatais, para citar algumas. Mesmo a modalidade da administração direta, associada à ideia de inoperância por seus críticos, deve ser considerada uma boa escolha, a depender do perfil da instituição e das condições de trabalho e governança oferecidas.
Ao invés de incentivar o debate do tema, as motivações do artigo resvalam para a tentação de mobilizar a opinião pública para que critique a iniciativa do PT e do PDT de ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade dessa lei federal (Adin n.º 1.923/DF) e exerça pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido da urgente afirmação da integral constitucionalidade do que vem sendo praticado.
Provocam esses partidos para que reconsiderem seus questionamentos, uma vez que lançam mão das OSs em seus governos. Citam os autores que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação encaminhou em 2013 ao STF uma síntese dos benefícios proporcionados pelo modelo das OSs às atividades do setor e argumentam com o que pratica hoje o Município de São Paulo.Ocorre que não apenas esses partidos, mas a sociedade como um todo quer saber se o eventual julgamento da constitucionalidade de parte ou da totalidade dessa legislação federal dará cobertura legal para práticas que parecem estar desacordo com essa e outras legislações. O argumento do fato consumado e da demora no julgamento, decorridos quase 15 anos da iniciativa jurídica, não pode impedir que questões igualmente relevantes sejam objeto da análise e julgamento do STF, ainda mais considerando a existência de dezenas de leis estaduais e municipais que ampliaram o seu escopo e diversificaram seu uso.
Como explicar o uso de recursos públicos por entidades privadas escolhidas pelo poder público sem processo seletivo e aplicados sem o respeito à lei de licitações? Sendo entidades privadas, como justificar a cessão de servidores públicos para nelas trabalharem? Sendo teoricamente sem fins lucrativos, em quanto importa a taxa de administração embutida sem transparência nos contratos de gestão firmados e quais devem ser os critérios de contratação e remuneração do seu corpo diretivo, muitas vezes praticando valores acima da administração pública e mesmo do mercado?
Os mecanismos de controle têm se mostrado efetivos? Como explicar a associação de entidades para atender aos critérios de qualificação e impedir que se perpetuem problemas como os detectados, por exemplo, na Santa Casa de São Paulo, qualificada indevidamente como Organização Social? Os problemas detectados em auditorias, por exemplo, em relação à SPDM – Associação para o Desenvolvimento da Medicina -, alertam o Poder Judiciário para desvios de finalidade no uso de recursos públicos, com base em legislações estaduais e municipais?
Há, hoje, uma verdadeira febre na utilização desse expediente de OSs para burlar medidas consagradas na gestão pública, tais como atender aos princípios da transparência, publicidade dos atos, critérios objetivos de contratação e compras, realização de processos licitatórios, concursos públicos e respeito aos direitos dos trabalhadores e cidadãos, e naquilo que está consagrado em leis nos sistemas universais de saúde (SUS), assistência social (SUAS), previdência social e educação.
Inicialmente utilizadas nas áreas de saúde e cultura, rapidamente as OSs estão sendo elevadas à categoria de opção preferencial para todas as políticas públicas, chegando mais recentemente ao campo das pesquisas públicas e da ciência, tecnologia e inovação. Em São Paulo, o Governo Alckmin pretende extinguir fundações públicas importantes, como FUNDAP e CEPAM, e aprovou lei para que a Fundação Casa, as Unidades de Conservação Ambiental e o Investe São Paulo passem para gestão de Organizações Sociais.
Que o fato consumado de haver crescente uso dessa modalidade de gestão em governos de diferentes partidos políticos e a crise política atual não sejam utilizados como fatos determinantes para inibir o debate aprofundado e a análise jurídica que tanto clama a sociedade desse marco legal no sentido de proteger o Estado brasileiro da crescente privatização de recursos e terceirização da gestão.
​Carlos Neder, deputado estadual pelo PT, foi secretário municipal de saúde de São Paulo (90-92, Governo Luiza Erundina)

segunda-feira, 27 de abril de 2015

A vida e o Direito: breve manual de instruções, por Luis Roberto Barroso

QUARTA, 22/04/2015, 22:16

Mensagem do ministro do STF emociona internautas e viraliza no Facebook

Luis Roberto Barroso foi patrono de uma turma de formandos em Direito e fez o discurso durante colação de grau.Foram 47 mil curtidas em apenas dois dias.
Leia o texto na íntegra:

I. Introdução

Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos bons que vieram ao meu espírito ao ser escolhido patrono de uma turma extraordinária como a de vocês. Mas nós somos – vocês e eu – militantes da revolução da brevidade. Acreditamos na utopia de que em algum lugar do futuro juristas falarão menos, escreverão menos e não serão tão apaixonados pela própria voz.

Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos meus olhos e sintam a emoção genuína da minha voz. E ninguém terá dúvida da felicidade imensa que me proporcionaram. Celebramos esta noite, nessa despedida provisória, o pacto que unirá nossas vidas para sempre, selado pelos valores que compartilhamos.

É lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instruções. Porém, não resisti à tentação – mais que isso, à ilimitada pretensão – de sanar essa omissão. Relevem a insensatez. Ela é fruto do meu afeto. Por certo, ninguém vive a vida dos outros. Cada um descobre, ao longo do caminho, as suas próprias verdades. Vai aqui, ainda assim, no curto espaço de tempo que me impus, um guia breve com ideias essenciais ligadas à vida e ao Direito.

II. A regra nº 1

No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado "caso do arremesso de anão". Como se lembrarão, em uma localidade próxima a Paris, uma casa noturna realizava um evento, um torneio no qual os participantes procuravam atirar um anão, um deficiente físico de baixa altura, à maior distância possível. O vencedor levava o grande prêmio da noite. Compreensivelmente horrorizado com a prática, o Prefeito Municipal interditou a atividade.

Após recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francês confirmou a proibição. Na ocasião, dizia-lhes eu, o Conselho afirmou que se aquele pobre homem abria mão de sua dignidade humana, deixando-se arremessar como se fora um objeto e não um sujeito de direitos, cabia ao Estado intervir para restabelecer a sua dignidade perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observava que a história não havia terminado ainda.

E em seguida, contava que o anão recorrera em todas as instâncias possíveis, chegando até mesmo à Comissão de Direitos Humanos da ONU, procurando reverter a proibição. Sustentava ele que não se sentia – o trocadilho é inevitável – diminuído com aquela prática. Pelo contrário.

Pela primeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha um emprego, amigos, ganhava salário e gorjetas, e nunca fora tão feliz. A decisão do Conselho o obrigava a voltar para o mundo onde vivia esquecido e invisível.

Após eu narrar a segunda parte da história, todos nos sentíamos divididos em relação a qual seria a solução correta. E ali, naquele primeiro encontro, nós estabelecemos que para quem escolhia viver no mundo do Direito esta era a regra nº 1: nunca forme uma opinião sem antes ouvir os dois lados.

III. A regra nº 2

Nós vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra o nosso exemplo anterior, cada um é feliz à sua maneira. A vida pode ser vista de múltiplos pontos de observação. Narro-lhes uma história que li recentemente e que considero uma boa alegoria. Dois amigos estão sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Começam, como previsível, conversando sobre mulheres. Depois falam de esportes diversos. E na medida em que a cerveja acumulava, passam a falar sobre religião. Um deles é ateu. O outro é um homem religioso. Passam a discutir sobre a existência de Deus. O ateu fala: "Não é que eu nunca tenha tentado acreditar, não. Eu tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de neve em um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali. Aí, me ajoelhei no chão e disse, bem alto: Deus, se você existe, me tire dessa situação, salve a minha vida". Diante de tal depoimento, o religioso disse: “Bom, mas você foi salvo, você está aqui, deveria ter passado a acreditar". E o ateu responde: "Nada disso! Deus não deu nem sinal. A sorte que eu tive é que vinha passando um casal de esquimós. Eles me resgataram, me aqueceram e me mostraram o caminho de volta. É a eles que eu devo a minha vida". Note-se que não há aqui qualquer dúvida quanto aos fatos, apenas sobre como interpretá-los.

Quem está certo? Onde está a verdade? Na frase feliz da escritora Anais Nin, “nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos”. Para viver uma vida boa, uma vida completa, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem presunção ou arrogância. Sem desconsiderar o outro. 

Aqui a nossa regra nº 2: a verdade não tem dono.

IV. A regra nº 3

Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes. Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a interpretar o sonho. O sábio fez um ar sombrio e exclamou: "Uma desgraça, Majestade. Os dentes perdidos significam que Vossa Alteza irá assistir a morte de todos os seus parentes". Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas no sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao ouvir o sonho, falou com voz excitada: "Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa Alteza irá viver mais do que todos os seus parentes". Exultante com a revelação, o Sultão mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão que assistira a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: "Não consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro sábio. O outro foi castigado e você foi premiado". Ao que o segundo sábio respondeu: "a diferença não está no que eu falei, mas em como falei".

Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber levar. É possível embrulhar os nossos pontos de vista em papel áspero e com espinhos, revelando indiferença aos sentimentos alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do seu conteúdo, é possível, também, embalá-los em papel suave, que revele consideração pelo outro. 

Esta a nossa regra nº 3: o modo como se fala faz toda a diferença.

V. A regra nº 4

Nós vivemos tempos difíceis. É impossível esconder a sensação de que há espaços na vida brasileira em que o mal venceu. Domínios em que não parecem fazer sentido noções como patriotismo, idealismo ou respeito ao próximo. Mas a história da humanidade demonstra o contrário. O processo civilizatório segue o seu curso como um rio subterrâneo, impulsionado pela energia positiva que vem desde o início dos tempos. Uma história que nos trouxe de um mundo primitivo de aspereza e brutalidade à era dos direitos humanos. É o bem que vence no final. Se não acabou bem, é porque não chegou ao fim. O fato de acontecerem tantas coisas tristes e erradas não nos dispensa de procurarmos agir com integridade e correção. Estes não são valores instrumentais, mas fins em si mesmos. São requisitos para uma vida boa. Portanto, independentemente do que estiver acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder. A virtude não precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude é a sua própria recompensa. 

Eis a nossa regra nº 4: seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando.

VI. A regra nº 5
Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um galo que após intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro. O galo vencido, dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto do telhado e pôs-se a cantar aos ventos a sua vitória. Chamou a atenção de uma águia, que arrebatou-o em vôo rasante, pondo fim ao seu triunfo e à sua vida. E, assim, o galo aparentemente vencido reinou discretamente, por muito tempo. A moral dessa história, como próprio das fábulas, é bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na vitória. Humildade não significa pedir licença para viver a própria vida, mas tão-somente abster-se de se exibir e de ostentar. Ao lado da humildade, há outra virtude que eleva o espírito e traz felicidade: é a gratidão. Mas atenção, a gratidão é presa fácil do tempo: tem memória curta (Benjamin Constant) e envelhece depressa (Aristóteles). Portanto, nessa matéria, sejam rápidos no gatilho. Agradecer, de coração, enriquece quem oferece e quem recebe.

Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida começou a me oferecer este presente, eu incluo a passagem que se segue, e que é pertinente aqui. "As coisas não caem do céu. É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando, após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer".

Esta a nossa regra nº 5: ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.

VII. Conclusão

Eis então as cláusulas do nosso pacto, nosso pequeno manual de instruções:
1. Nunca forme uma opinião sem ouvir os dois lados;
2. A verdade não tem dono;
3. O modo como se fala faz toda a diferença;
4. Seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando;
5. Ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.
Aqui nos despedimos. Quando meu filho caçula tinha 15 anos e foi passar um semestre em um colégio interno fora, como parte do seu aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Pai gosta de dar conselho. E como vocês são meus filhos espirituais, peço licença aos pais de vocês para repassá-los textualmente, a cada um, com toda a energia positiva do meu afeto:
(i) Fique vivo;
(ii) Fique inteiro;
(iii) Seja bom-caráter;
(iv) Seja educado; e
(v) Aproveite a vida, com alegria e leveza.
Vão em paz. Sejam abençoados. Façam o mundo melhor. E lembrem-se da advertência inspirada de Disraeli: "A vida é muito curta para ser pequena".


Leia mais: http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/pais/2015/04/22/MENSAGEM-DO-MINISTRO-DO-STF-EMOCIONA-INTERNAUTAS-E-VIRALIZA-NO-FACEBOOK.htm#ixzz3YY7OYcAT

domingo, 26 de abril de 2015

Vamos importar do Nordeste uma solução para a falta de água em São Paulo




Postado em 17 jan 2015
cisterna

Atualmente os paulistas convivem com uma estranha e desconfortável situação. As tão esperadas chuvas de verão vieram, mas à custa de ruas alagadas, semáforos quebrados e centenas de árvores derrubadas, principalmente na região metropolitana da capital. Os mananciais, entretanto, continuam com seus estoques de água abaixo das cotas mais confortáveis para o abastecimento. Os níveis dos sistemas Cantareira e Alto Tietê, no máximo, estancaram as quedas no volume de água.
Pela primeira vez o governador Geraldo Alckmin admitiu, nesta semana, que São Paulo vive um racionamento de água desde o ano passado. Já o novo presidente da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), Jerson Kelman, em sua posse no início de janeiro, reconheceu que a coisa está feia: “Seria irresponsabilidade, no quadro em que a gente está hoje, olhar para frente com otimismo. Temos que estar preparados para o pior”. E emendou: “Inescapavelmente teremos algum tipo de sofrimento pela população”.
Se não é possível contar com os governantes para ter água em casa está na hora do cidadão se virar como pode. Uma solução – ou um paliativo eficiente e de baixo custo para a crise hídrica – pode estar em uma velha conhecida do povo nordestino, calejado com os longos períodos de estiagem que castigam a região do semiárido: a cisterna.
Nada mais é que um reservatório domiciliar que capta e armazena as águas das chuvas. Nas cidades do sertão nordestino castigadas pela falta das chuvas elas são a salvação da lavoura para o abastecimento diário de muitas famílias.
Tanto que, em tempos de mudanças climáticas, outras regiões já estão adotando o uso de grandes cisternas coletivas. É o caso de Mato Grosso, Bahia e do norte de Minas Gerais.
O governo federal também tem financiado a construção de reservatórios por meio do programa “Água para todos”, do Ministério da Integração Social.
O balanço dá conta de que no período entre 2011 e 2014 mais de R$ 6 bilhões foram investidos na instalação de cerca de 750 mil cisternas em 1 200 municípios do Norte e Nordeste. Nada menos que cinco milhões de pessoas foram beneficiadas.
Imagine quanta água poderia ser aproveitada nas residências do Sudeste com as chuvas que estão desabando sobre a região nas últimas semanas e não conseguem encher os mananciais?
Na capital paulista existe um grupo independente cuja missão é difundir a ideia de recolher, tratar e utilizar as águas que caem do céu: o Movimento Cisterna Já. Ele foi criado por ativistas preocupados em disseminar ações sustentáveis e humanizadoras entre os moradores das grandes cidades.
Montar e instalar minicisternas residenciais não requer muito dinheiro, nem tampouco habilidade para quem já é iniciado em pequenos consertos domésticos. Nem ao menos ocupa espaço no quintal ou na área de serviço. Para começar, são necessários itens simples encontrados em qualquer casa de material de construção: bombonas de plástico, tubos de PVC, peneiras, filtros, torneiras e um punhado de cloro.
Com tudo instalado em casa, a água das chuvas recolhida pelo equipamento – diretamente das calhas do telhado – servirá para fazer a faxina geral domiciliar, lavar o carro, dar descarga no vaso sanitário e também para molhar as plantas.
Todas estas tarefas representam a metade do que é gasto de água mensalmente em uma residência. A água das chuvas captada só não é recomendada para beber, mesmo com a adição de cloro e com os filtros.
O site do Movimento Cisterna Já disponibiliza um manual de montagem e instalação de minicisternas residenciais. Elaborado pelo engenheiro Edson Urbano, o passo a passo é detalhado e fácil de entender.
A página também indica onde encontrar bombonas à venda em São Paulo, traz reportagens e uma galeria de vídeos. O Cisterna Já também ministra oficinas, cursos e mutirões para quem quer aprender a instalar os reservatórios de captação de água pluvial na capital paulista. As datas dos próximos eventos são atualizadas no site do movimento.

cisterna - esquema
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O suicídio do jornalismo, Por Sylvia Debossan Moretzsohn OI

Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 21/04/2015 na edição 847
No início dos anos 1990, a internet ainda engatinhava no Brasil mas já começavam os debates sobre o futuro do jornal impresso e do próprio jornalismo diante da nova tecnologia. Em 1993, aFolha de S.Paulo promoveu seu primeiro fórum internacional para tratar desse tema. Um dos convidados, Warren Hoge, então chefe de redação adjunto do New York Times, sintetizou a crítica aos que exaltavam a hipótese de dispensar essa mediação essencial: os jornais, disse, dão ao público “aquilo que ele não sabe que precisa”.
Falava-se, então, em “informação personalizada”, ainda oferecida pelos jornais de sempre – o que hoje chamamos de “mídia tradicional” –, a partir da qual o público seria incentivado a montar seu próprio jornal. Seria uma expressão da liberdade de escolha. Na época, escrevi que esta seria “uma fórmula que expande o velho princípio do ‘direito de saber’: o público não apenas tem esse direito como já sabe o que quer e sabe onde encontrar. A consequência lógica é, por um lado, a segmentação da audiência e a formação de um círculo vicioso que termina por se revelar o contrário da diversidade prometida: a constituição de guetos fechados em torno de seus próprios interesses” (Jornalismo em ‘tempo real’. O fetiche da velocidade, ed. Revan, 2002, p. 170).
Rapidamente a hipótese de o público montar seu próprio jornal por esse método foi substituída pela exaltação do protagonismo desse mesmo público na produção de notícias. Sem qualquer base para argumentação, porque deveria ser evidente que esse público, de modo geral, não tem acesso às fontes que poderiam fornecer informações nem competência ou tempo para apurar o que quer que seja. Porém, com a ajuda de teóricos afamados que surfam a onda do momento e só produzem espuma, mas têm grande audiência inclusive e sobretudo no meio acadêmico, essa ideia libertária do jornalismo-cidadão se disseminou. E ajudou a minar o terreno em que se pratica o jornalismo profissional, dentro ou fora das grandes empresas de mídia.
Jornalismo caça-cliques
Ao mesmo tempo, as grandes empresas, no Brasil e no exterior, não parecem ter clareza do que devem fazer diante do campo aberto pela internet e, em vez de priorizarem o jornalismo, que exige distanciamento e rigor, cedem progressivamente ao imediatismo e à cacofonia das redes. A justificativa corrente é a de que a alteração no hábito de leitura e consumo de notícias provocada ou favorecida pela disseminação da tecnologia digital jogou o jornalismo num ambiente inédito e imprevisto, que retirou das empresas o sustento da publicidade tradicional. O resultado seria a caça ao clique, como forma de contabilizar uma massa de leitores atraente para o mercado publicitário, ainda que seja difícil estabelecer preferências de consumo – e, portanto, definir o “público-alvo” – num meio tão dispersivo e volátil como o virtual.
Ocorre que a caça ao clique é a morte anunciada do jornalismo, porque o que costuma excitar o público é a surpresa, o escândalo, o bizarro, o curioso, o grotesco. Em síntese, o fait-divers, que sempre foi elemento periférico para os jornais de referência.
O caminho da decadência
A gravidade da situação pode ser medida pela pesquisa publicada pela Quartz, site de notícias de negócios ligado à revista The Atlantic, que põe o Brasil na liderança de consumo de notícias no Facebook: dos 80% que dizem frequentar essa mídia, 67% afirmam utilizá-la para consumir notícias. Restaria indagar o que se classifica como “notícia”: há muitos anos, uma pesquisa sobre a audiência de programas radiofônicos populares indicou que boa parte daquele público considerava “notícia” a publicidade de promoções de supermercado, feita pelos animadores durante os programas.
Ao compartilhar o gráfico, a jornalista Lúcia Guimarães comentou:
“Assim como queimamos a etapa da leitura nos anos 60, passamos do vasto analfabetismo para um sistema sofisticado de TV que uniu o país (…), não vamos migrar para plataformas de jornalismo digital abrangente. Jornalismo, não importa se de papel, ou digital, é um pilar da democracia. Vamos passar direto ao desmonte da experiência da informação consequente.
“No momento em que a mídia no Brasil e nos EUA (New York Times a vários outros a bordo) considera ceder grande parte de sua independência à plataforma do Facebook (saem os links, Facebook vira o anfitrião do conteúdo jornalístico, controla o tráfego), as consequências, no caso do Brasil, são especialmente assustadoras. Já temos uma geração pouco educada e não leitora chegando à idade adulta convencida de que se informar é circular por aqui [pelo Facebook]”.
É a mesma geração que se “forma” nas escolas fazendo pesquisa pela internet sem a devida orientação, com resultados previsivelmente catastróficos.
Varal digital
Lúcia recorda que “a informação jornalística, para o Facebook, é apenas um arranjo para compor o cenário de outras plataformas mais lucrativas” e lembra um comentário de Mark Zuckerberg, definidor de seu conceito de notícia: “Um esquilo morrendo no seu jardim deve ser mais relevante para o seu interesse do que pessoas morrendo na África”. “A relevância a que se refere Zuckerberg”, diz Lúcia, “é a decidida pelo seu orwelliano algoritmo. Uma fórmula matemática decide o que é notícia neste varal digital.”
Daí a sua conclusão sobre o fim do jornalismo – não o jornalismo impresso, mas o jornalismo como o conhecemos e valorizamos –, como quem marcha “de olhos vendados na prancha do navio em direção ao mar”. Lúcia conclui:
“Informar não é agradar. Quem sabe, uma nova geração vai imaginar alternativas para esta alienação que já é claramente refletida no debate político brasileiro, contaminado por polarização e desprezo por fatos.
“Mas, a médio prazo, não posso me sentir otimista sobre este dilema no Brasil.
“Os novos destituídos não serão necessariamente os explorados num mercado de trabalho injusto. Serão os que não sabem, não querem saber ou não sabem o que mais há para saber”.
“Não sabem o que mais há para saber” porque estarão num tempo em que não haverá mais jornais para “dar ao público aquilo que ele não sabe que precisa”.
Assim se deformam os cidadãos involuntariamente alienados, como observou Janio de Freitas em sua coluna de domingo (19/4) na Folha de S.Paulo, ao criticar a falta de divulgação de informações relativas às discussões a respeito da reforma política, de óbvio interesse público: “Informação e ação pública andam a reboque. (…) Nem sempre quem cala consente. Depende de estar ou não informado”.
Reinventar o jornalismo?
Pensemos agora no quadro que vivemos atualmente: a onda de demissões nos principais jornais do país, parcialmente resultante da conjuntura econômica brasileira, que leva as empresas a recorrer ao mecanismo de sempre e reduzir custos cortando profissionais, justamente aqueles que poderiam garantir qualidade ao seu “produto”. Nessas horas retornam com força os apelos em torno da “reinvenção” não só do jornalismo mas do próprio jornalista, supostamente não qualificado para atuar nesse novo ambiente que, ao mesmo tempo, ninguém sabe como funciona ou para onde caminha.
Bem a propósito, o estudante de jornalismo Ricardo Faria lembrou de artigo da revista New Yorker de janeiro deste ano, um texto irônico sobre o “rei dos caça-cliques”, um criador de sites desenhados especificamente para viralizarem e lucrarem com cliques de Facebook (ver aqui). “É o retrato do espírito desta web”, comentou, destacando um trecho significativo em que o “empreendedor” explica seu processo de trabalho:
“Se eu fosse responsável por uma empresa de hard news e quisesse informar as pessoas sobre Uganda, em primeiro lugar eu procuraria descobrir exatamente o que está acontecendo por lá. Então buscaria algumas imagens comoventes e histórias que provocam emoção, faria um vídeo – de menos de três minutos – com palavras e estatísticas simples e claras. Frases curtas e declarativas. E, no final, diria às pessoas algo que elas pudessem fazer, algo que as levasse a se sentir esperançosas”.
“Aquela frase de Saramago ressoa na minha cabeça: ‘De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido’”, desabafou o estudante.
Mas trata-se de um estudante crítico. Quantos não verão aí uma saída “criativa” para a crise da profissão?
Não. Mudam as tecnologias, não os fundamentos. O jornalismo não precisa se reinventar: precisa corresponder ao ideal que o justifica e o legitima socialmente. Já se disse inúmeras vezes que o imediatismo e a cacofonia das redes tornam o jornalismo ainda mais necessário para filtrar, em meio à profusão de banalidades, boatos, falsidades e incorreções, o que é informação confiável e relevante. É, além de tudo, uma tarefa que exige compromissos éticos fundamentais, e isto não é retórica vazia: ética diz respeito a princípios e finalidades. Ética pressupõe autonomia e liberdade. Exige, portanto, uma luta permanente, sobretudo quando as empresas escancaram seu desrespeito a esses pressupostos.
Fábrica de produzir infelizes
Mas para fazer jornalismo é preciso contar com profissionais competentes. A recente onda de demissões atingiu muitos dos mais experientes. Alguns saíram a pedido, insatisfeitos com a falta de perspectiva de valorização na empresa. Os baixos salários da maioria e a falta de um plano de carreira são reclamações recorrentes. Entre os jornalistas começa a se difundir o sentimento de que esta é uma profissão para quem tem até 30 anos e não tem filhos, e que as redações são uma fábrica de produzir infelizes: gente mal paga e que não se reconhece no que faz. Considerando que o jornalismo é uma atividade à qual as pessoas se dedicam por prazer, não é difícil calcular o tamanho da frustração.
Reinventar-se e tornar-se empreendedor de si mesmo é o mantra desse mercado que desmantela qualquer perspectiva de estabilidade e joga purpurina sobre a dramática realidade da precarização, da qual as propostas de terceirização, atualmente em discussão e cinicamente vendidas como um benefício aos assalariados, são o exemplo mais acabado.
As mudanças no mundo do trabalho têm levado contingentes inteiros de trabalhadores qualificados a se degradar – perdão, a se “reinventar” –, obrigando-os a abandonar habilidades duramente aprendidas para se transformarem em pau para toda obra. Simplesmente porque é preciso sobreviver, e porque não se vislumbra saída imediata.
A crise que estamos enfrentando, e que não é de hoje, nos impõe uma resposta à altura, e esta resposta não será individual, como sugere a ideia de “reinventar-se”, que ignora a perspectiva coletiva, sem a qual nada muda. Para os jornalistas, em particular, essa resposta não pode dispensar a luta pela recuperação da dignidade e pela exigência do respeito aos princípios que norteiam a profissão.
***
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)