Abaixo, no artigo transcrito na íntegra pelo Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, uma constatação realmente sem equívocos.
E é interessante observar-se a afirmativa do Ministério dos Transportes dada como resposta a uma pergunta de uma pesquisadora da UERJ quanto à não citação dos trens de passageiros: "embora esse não seja o foco, as modernas ferrovias permitirão tal uso, “desde que surja demanda”.
Essa resposta mostra a real importância que o Ministério dos Transportes dá aos passageiros potenciais dos trens no Brasil: nenhuma. Afinal, demanda surge quando algo é oferecido. Enquanto não for, não existirá. E, por trens bons, padrão europeu, sempre haverá. O que falta é vontade mesmo, é desconhecer o público-alvo. Afinal, ministérios no Brasil são ocupados em seus cargos decisórios, há anos, por pessoas sem o menor conhecimento dos respectivos assuntos.
Segue o trecho:
Cresce Brasil – Ferrovia precisa superar sucateamento e concessões desastrosas
Boletim do Sindicato de Engenheiros do estado de São Paulo
Soraya Misleh
Após mais de uma década sem destinar grandes recursos ao setor, o governo federal anunciou investimentos da ordem de R$ 91 bilhões para expansão em mais 10 mil quilômetros de ferrovias no Brasil. Serão R$ 56 bilhões em cinco anos e o restante, em 25 anos. A ação está inserida no Programa de Investimentos em Logística: Rodovias e Ferrovias. Lançado em agosto de 2012, totaliza R$ 133 bilhões para os dois modais, mediante PPPs (parcerias público-privadas).
A participação de investidores privados acabou gerando apreensão entre alguns especialistas. Não sem razão. Como afirma o consultor em transportes Adriano Murgel Branco, “as concessões ferroviárias foram talvez as piores feitas na área de transportes”. A entrega do patrimônio público à iniciativa privada em 1997 resultou em sucateamento e perda de inteligências. “Hoje temos uma malha de 29 mil quilômetros e desses, somente 10 mil km estão operando, ou seja, têm mais de uma viagem por dia, a maior parte voltada a interesses especiais, principalmente de mineradoras e do setor siderúrgico”, lamenta o consultor.
A economista e pesquisadora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Ceci Vieira Juruá ratifica: “A situação é de precariedade. Por um lado, a rede em tráfego é menor do que a malha entregue por ocasião das privatizações, houve uma redução de aproximadamente 30%. Há processos correndo na justiça, sobretudo contra a ALL (América Latina Logística), mas faltam medidas eficazes do governo contra o desrespeito aos contratos firmados, evidenciado nos autos.”
Murgel Branco observa que o poder público por vezes ameaça retomar algumas concessões, mas nunca levou isso adiante. Ambos acreditam que se a opção política fosse outra, a rede atual poderia ser superior a 100 mil km. “Quando o governo aponta para uma rede de 35 mil km daqui a 30 anos, parece desprezar a importância do sistema ferroviário em um país como o Brasil, de dimensões continentais. Nesse horizonte de tempo, seria necessário ao menos duplicar a malha em operação e colocar em tráfego 50 mil km”, enfatiza Juruá. Na sua estimativa, o investimento para tanto deveria ser de R$ 250 bilhões.
Além de considerar insuficiente o montante anunciado pelo governo, ela critica a opção pelas PPPs: “São mal justificadas. Um Estado que tem crédito e gasta mais de uma centena de bilhões de reais em pagamento anual de juros, ao mesmo tempo em que concede isenções tributárias típicas de mecenato a setores altamente lucrativos, não pode ser considerado sem recursos, incapaz de construir as infraestruturas necessárias ao desenvolvimento econômico.”
Ela questiona ainda os projetos indicados para as concessões, na sua concepção, ações previstas para favorecer o grande capital. E o fato de as ampliações não contemplarem o transporte de passageiros. O Ministério dos Transportes afirma que, embora esse não seja o foco, as modernas ferrovias permitirão tal uso, “desde que surja demanda”.
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