sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Enfim, o transporte público não será (e nunca será) grátis


Publicado por Liberdade Juridica - 18 horas atrás
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Por Anthony Ling
A cidade de Hasselt, na Bélgica, era um dos modelos de cidades com tarifa zero de ônibus mais mencionados pelos integrantes do Movimento Passe Livre. No entanto, em abril deste ano, após 16 anos sem cobrar tarifas de ônibus, a cidade estabeleceu uma tarifa fixa de 0,60 euros (cerca de R$1,50). O motivo declarado foi uma simples necessidade econômica: com o aumento de usuários, o custo de manutenção do sistema, passou de 967,000 euros em 1997 para 3.5 milhões de euros em 2007, insustentável para os subsídios que estavam recebendo do governo federal.
Muitos consideram o modelo da cidade um sucesso pois teve um aumento de dez vezes no número de usuários de ônibus. No entanto, vários outros projetos foram feitos além da isenção da tarifa. A rede aumentou de 2 para 9 linhas, além de ter um grande aumento na frequência dos ônibus. Corredores de ônibus foram criados para terem vantagem sobre os carros. Todos os ônibus foram adaptados para idosos. O anel viário que limita a região central foi reduzido, criando uma ampla ciclovia e faixa de pedestres. 800 vagas públicas de estacionamento na cidade foram eliminadas e as demais começaram a ser pagas. Assim, sendo o projeto a realização de um grande plano de mobilidade, é difícil controlar as variáveis para saber qual foi o impacto isolado da tarifa zero no aumento de passageiros.
Logo antes de Hasselt declarar o projeto insustentável, Tallinn, capital da Estônia, introduziu a tarifa zero. Com apenas meio ano de uso, muitos já cantam a vitória, declarando-o um sucesso absoluto. Alguns, ainda, como o Juan Lourenço, em postagem para o blog Papo de Homem, defendem equivocadamente a proposta, dizendo que a medida reduzirá 12 milhões de euros no orçamento público, enquanto este valor na verdade representa o valor necessário para o governo subsidiá-lo. A estratégia fiscal da cidade para a implementação é praticamente uma "verba de marketing": a cidade pretende usar o imposto de renda dos novos moradores, que seriam atraídos para a cidade pelo aumento da mobilidade, para subsidiar o sistema. No entanto, novos moradores também precisam dos outros serviços públicos, que muito possivelmente criarão problemas orçamentários no futuro. A verdade é que ainda é muito cedo para dizer o quanto o projeto de Talinn é viável, mas uma coisa é certa: os recursos virão de impostos.
Não existe almoço grátis. Os recursos sempre vão ter que sair de algum lugar, e a dificuldade de uma economia planejada é justamente saber identificar demandas e alocar estes recursos de forma eficiente. Afinal, não podemos esquecer das outras áreas de atuação do governo: educação, saúde, segurança, infraestrutura, etc. Muitos alegam que se o governo simplesmente fosse mais eficiente na sua gestão, diminuindo corrupção e regalias auto-concedidas, o dinheiro dos impostos poderia subsidiar programas como este com sobra. Mas a lógica de eficiência na gestão é uma do setor privado, na sua busca para terminar a gestão com lucro. O setor público, caso faça uma gestão menos eficiente, tem a carta coringa de aumentar impostos, simplesmente alegando que faltam recursos para investir em uma determinada área. E caso os impostos fiquem altos demais, com serviços públicos sendo distribuídos "de graça", o cidadão terá incentivos para trabalhar menos ou atéemigrar do país, gerando menos impostos e a consequente quebra do ciclo.
Existe também a alegação de que projetos governamentais como este mitigam externalidades, economizando recursos perdidos no trânsito, tendo benefícios com o projeto ao longo do tempo. No entanto, é uma justificativa arriscada já que o projeto sempre estará à mercê do inesperado, com chances de falhar. Será que o ganho chegará mesmo aos R$4,5 bilhões arrecadados atualmente com os bilhetes? Em São Paulo, especialistas estimam que os custos gerados pelo congestionamento giram em torno de R$7 a 8 bilhões (outros ainda estimam o valor de R$40 bilhões), e sabemos que a tarifa zero não vai resolver o congestionamento sozinha. Também já aprendemos que em Hasselt os benefícios mencionados não foram unicamente devido à tarifa zero. E que consequências sofrem os responsáveis caso elas não forem atingidas? Praticamente nenhuma.
Lembremos que as mesmas justificativas de eficiência do planejamento centralizado foram usadas na fracassada Brasília, que dizia ter atingido o urbanismo ideal. E embora o sistema de concessões não funcione bem, por problemas de incentivos parecidos, há alternativa à ambos modelos, como o sistema de transporte descentralizado e privado de LimaNa capital peruana 80% da população anda de transporte coletivo, com amplo acesso às periferias e com tarifas equivalentes à R$0,75. Lá, a concorrência entre os atores gera tais incentivos para tal eficiência. Impostos diretos para este sistema nem mesmo são necessários, já que o governo cria apenas a plataforma legal e física (as ruas e calçadas) para que ele funcione. E ao exercer o poder do consumidor de apenas escolher o melhor serviço, ou a atitude empreendedora de criar alternativas às existentes, manifestações públicas se tornam desnecessárias.
Ontem à tarde, em São Paulo [N. E.: o texto foi publicado originalmente em 20.6.13], o Prefeito Fernando Haddad e o Governador Geraldo Alckmin anunciaram a redução das tarifas de R$3,20 para o valor anterior, de R$3,00. Alguns manifestantes do Movimento Passe Livre entraram em prantos de felicidade com a notícia. A grande manifestação de hoje será substituída por uma grande festa, embora o modelo de concessões, criticado pelo grupo, permanece. O plano financeiro do estado para viabilizar a manobra será de zerar as alíquotas do ICMS e do ISS das empresas de transporte, que continuarão recebendo subsídios e repassarão estes incentivos às tarifas. No entanto, esta diminuição na arrecadação impactará outras pontas do orçamento público, e nada indica que este impacto será no sentido de diminuir a corrupção e tornar o governo mais eficiente. O projeto está agora nas mãos do senador Lindbergh Farias, o mesmo que teve sigilo bancário quebrado por transações suspeitas que chegam a R$ 300 milhões, da época em que era Prefeito de Nova Iguaçu. E todos estão comemorando.

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