22 DE SETEMBRO DE 2012 ÀS 17:06
Maurício Cardoso, do Consultor Jurídico - 1968, o que fizemos de nós é o nome de um belo livro, do jornalista Zuenir Ventura, lançado em 2008, como sequência de um outro livro ainda mais lindo, 1968, o ano que não terminou, de 1989. Os dois livros falam de um personagem incomum, o ano de 1968: “É possível que no século XX, tenha havido ano igual ou mais importante do que 1968, mas nenhum tão lembrado, discutido e com tanta disposição para permanecer como referência, por afinidade ou por contraste”, explica o autor na contracapa do último volume. E diz mais: “A geração de 68, que dizia não confiar em ninguém com mais de 30 anos, está completando 40. Ainda dá para confiar nela? Que balanço se pode fazer hoje de um ano tão carregado de ambições e de sonhos? O que foi feito dessa herança?”
As quesões que o livro de Zuenir procura responder podem ser encontradas também, em larga escala, no plenário do Supremo Tribunal Federal, todas as segundas, quartas e quintas-feiras, enquanto se julga a Ação Penal 470, o processo do mensalão. O livro de Zuenir Ventura pode até não explicar porque o partido que era apontado como mais ético e mais autêntico da história da República se tornou patrono do maior escândalo de corrupção desse país. Mas ele mostra que boa parte dos principais personagens desse drama político estavam todos lá em 1968, caminhando e cantando, e seguindo a revolução.
Quem abrir o livro à página 48, vai encontrar o capítulo Há um meia-oito em cada canto. Vai saber que, nos idos de meia-oito, José Dirceu, acusado de ser o “chefe da quadrilha” do mensalão, era um dos mais influentes líderes do movimento estudantil. E que o ministro Celso de Mello, o decano do tribunal que está julgando Dirceu juntamente com toda a “quadrilha”, era praticamente colega do político. “Em 1968, José Dirceu e Celso de Mello moravam numa república de estudantes em São Paulo, visitada frequentemente por agentes do Dops”, conta o livro.
Os dois trilharam caminhos diferentes. “Dirceu foi para a militância e Mello para os estudos”. Mas, em suas respectivas trincheiras, defenderam os mesmos ideais de liberdade. Celso de Mello relembra o momento difícil que enfrentou como orador da turma de promotores aprovados no concurso do Ministério Público. “Eu precisava protestar contra o regime ditatorial, e fiz um discurso que não agradou muito ao chamado establishment; não fui aplaudido.”
Outros meia-oito ilustres que passaram pelo Supremo Tribunal Federal já estão aposentados. Sepúlveda Pertence, que deixou o Supremo em 2007, foi vice-presidente da UNE (1959-1960) e professor da UnB (1962-1965), cargos dos quais se viu afastado à força pelo regime dos generais. Hoje é integrante da Comissão de Ética Pública, ligado à presidência, criada justamente para evitar que novos mensalões aconteçam.
O outro é Eros Grau, que se aposentou em 2010. Em uma de suas últimas intervenções no Supremo, foi o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade que julgou constitucional a Lei de Anistia. Adepto do Partido Comunista (“nunca tive carteira, porque o partido não dava carteira, mas eu tinha um comprometimento com as teses do partido, digamos assim”), foi preso e torturado por sua atuação na resistência à ditadura.
“A geração de 68 não chegou a eleger nenhum presidente, ainda que os dois últimos — Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva — considerem ter levado para o poder idéias e representates das turmas com a qual reivindicam ter afinidades eletivas”, diz Zuenir, na abertura do capítulo dos meia-oito. Claro, o livro foi lançado em 2008, época em que Dilma Rousseff, ex-militante da VAR-Palmares, ainda não havia sido eleita presidente da República. “Em face de sua resistência à tortura na prisão, o promotor que a denunciou chamou-a de Joana D’Arc da subversão”, rememora Zuenir.
Além de Dilma e Zé Dirceu, são citados, ainda, como representantes da geração meia-oito que chegaram ao poder na era Lula, o governador da Bahia, Jaques Wagner (então presidente do diretório acadêmico da PUC-Rio e militante do PCdoB), o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (militante do movimento estudantil e da VAR-Palmares), o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antônio Palocci (militante da organização trotskista Libelu, juntamente com o ex-secretário da presidência Luiz Dulci e o ex-secretário de Comunicação, Luiz Gushiken). Franklin Martins, que sucedeu Gushiken na Secretária de Comunicação foi do MR-8 e seu secretário executivo Ottoni Fernandes Junior, da ALN. O ministro da Cultura de Lula, Gilberto Gil não era filiado a nenhum grupo militante, mas só de cantar, foi preso e proibido de se apresentar, optando por se exilar na Inglaterra.
Tarso Genro, ministro da Educação e da Justiça no governo Lula, foi ativista da UNE e do PCdoB e da dissidência desta, a Ala Vermelha, que pregava a luta armada. Foram seus companheiros na militância esquerdista, Milton Seligman, hoje diretor de Relações Corporativas da Ambev, e Paulo Buss, presidente da Fundação Osvaldo Cruz. Os três compartilharam também as salas de aula da Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. “Era uma cidade pequena, e todo mundo se conhecia. Diante da convocação de uma manifestação, o Dops prendia os de sempre”. Que eram os três, relembra Seligman em entrevista para o livro de Zuenir.
Também são meia-oito os verdes Fernando Gabeira, ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro, e Carlos Minc, outro ministro do governo Lula. Mas não só no PT e no PV que se firmou o destino de quem viveu as convulsões de 1968. Antes, muito pelo contrário, como sustenta Zuenir Ventura ao resgatar o nome de dois ilustres meia-oito que tomaram outra direção. Um é o ex-senador tucano pelo Amazonas e atual líder na corrida para a prefeitura de Manaus, Arthur Virgílio Neto. Naqueles tempos, Arthur Virgilio era militante do clandestino PCB e diretor do Centro Acadêmico da Faculdade Nacional de Direito (atual UFRJ). Outro é o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, que pertenceu à Corrente, uma dissidência do PCB que pregava a luta armada. Foi preso no Congresso da UNE, em 68 e foi para o exílio na Argentina e no Chile, onde ficou amigo de outro militante de esquerda no exílio, José Serra.
Como diz Zuenir Ventura, “eles estão no poder, na oposição, à esquerda, à direita, e até prestando contas à Justiça. Há um meia-oito em cada esquina".
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