quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A lombada e o apêndice



03 de janeiro de 2013 | 2h 03
Fernando Reinach
Lombadas são aqueles morrinhos colocados em estradas asfaltadas para forçar os motoristas a reduzir a velocidade. O apêndice é uma pequena ramificação do intestino do tamanho e formato de um dedo de luva. O que um teria a ver com o outro?

O apêndice é um tubo fechado em uma das pontas, por isso restos alimentares podem se acumular no seu interior, desencadeando um processo infeccioso que leva a dores abdominais. Se a apendicite for diagnosticada a tempo, remove-se cirurgicamente o apêndice e fim de conversa.

Mas se o médico não fizer o diagnóstico correto ou demorar para operar, o apêndice pode se romper e o conteúdo do intestino pode vazar para o interior do corpo, provocando infecção generalizada e risco de morte. Como a operação é simples e o risco de não operar é grande, na dúvida os médicos competentes operam. Por isso, dependendo do hospital na Grã-Bretanha, de 4% a 40% dos pacientes operados, quando têm seu apêndice estudado após a cirurgia, não precisavam da operação, pois não tinham apendicite.

Nem todas as dores abdominais são apendicites. Um dos métodos que ajudam os médicos a saber se uma dor abdominal é apendicite consiste em deitar o paciente de costas e apertar lentamente o abdome no local do apêndice. Esse aperto geralmente não causa dor. No momento seguinte, o médico remove rapidamente o dedo, aliviando instantaneamente a pressão. Se o paciente gritar de dor, é provável que seja uma apendicite. Gases e outras causas de dores abdominais não provocam essa reação. Mas não é fácil diagnosticar corretamente uma apendicite, principalmente nos estágios iniciais.

Influência das lombadas. Na região de Buckinghamshire, as estradas têm asfalto impecável, mas, como relatam médicos de um hospital local, são infestadas por lombadas. A esse hospital, para onde são enviados os pacientes com fortes dores abdominais, é impossível chegar sem passar por lombadas. Em 2010, um médico observou que muitos pacientes se queixavam de que, ao passarem sobre as lombadas, sentiam a dor abdominal aumentar muito. Muitos desses pacientes estavam com apendicite. 

Com base nessa observação aleatória (que só ocorre em mentes preparadas), médicos e epidemiologistas decidiram estudar se o relato de dor causada por lombadas auxiliaria no diagnóstico da apendicite. Incluíram na lista de perguntas, feita a todos os pacientes, se haviam sentido dor ao passar sobre as lombadas. De acordo com as respostas, eram classificados como "lombada positivo" e "lombada negativo". Além dessa pergunta, todos eram submetidos aos exames tradicionais e era decidido se eles seriam ou não operados para a retirada do apêndice (nesta decisão não era levado em conta se o paciente era "lombada positivo" ou "lombada negativo").

Entre fevereiro e agosto de 2012, mais de cem pacientes foram submetidos ao novo protocolo. A partir de agosto, os médicos começaram a examinar os dados. Verificaram quantos pacientes haviam sido diagnosticados corretamente como sofrendo de apendicite (o apêndice retirado estava danificado) ou diagnosticados corretamente como não apendicite (outro diagnóstico havia sido feito e se mostrou correto). Também verificaram o número de falsos positivos (pacientes diagnosticados com apendicite, mas cuja operação mostrou que o apêndice estava normal) ou falsos negativos (o pior erro: o paciente não foi operado, mas tinha apendicite).

Fizeram então a seguinte análise: o que teria ocorrido se tivessem tomado a decisão de operar ou não apenas utilizando a classificação dos pacientes em "lombada positivo" ou "lombada negativo"? Essa comparação foi feita com cada um dos métodos de diagnóstico, como a presença de vômitos e enjoo e dores refletidas em outros locais do abdome. O resultado demonstrou que o método da lombada é melhor para prever os casos de apendicite que qualquer outro método usado isoladamente. Esse novo método também é melhor para evitar falsos negativos e falsos positivos e, se associado a métodos já em uso, reduz significativamente o número de erros no diagnóstico da apendicite.

Essa descoberta demonstra como muitas vezes a medicina progride por meio de observações simples, ao alcance de qualquer médico atento, sem necessidade de grandes equipamentos ou de laboratórios sofisticados. A única característica que permitiu essa descoberta foi a capacidade de um médico de ouvir atentamente a história relatada pelos pacientes. 

Nenhum comentário: