Fotógrafo Juan Esteves mostra edifícios do centro da cidade que resistem à degradação e ajudam a contar a história da metrópole
01 de fevereiro de 2011 | 0h 00
Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
Walter Benjamin deixou um livro fragmentado, Passagens, que, remontado por especialistas anos após sua morte, revelou seu ambicioso projeto de estudar a experiência burguesa do século 19 por meio das galerias parisienses de teto de vidro, arranjadas pelo ensaísta e crítico alemão em 36 categorias (de galerias de moda às galerias de prostituição). São Paulo, uma cidade de arquitetura europeia no século 19 - mais nitidamente influenciada pelas escolas francesa e italiana - não tem essas galerias para mostrar, mas tem belos exemplares de edifícios do passado que resistiram ao descaso, à depredação, à decadência ao centro e revelam muito sobre a cidade que não pode parar. Na contramão da especulação imobiliária que desfigura São Paulo com prédios horrendos, mais de 100 antigos edifícios de boa arquitetura foram registrados pelo fotógrafo santista Juan Esteves no livro Capital, feito em parceria com o curador paulistano Antonio Carlos Abdalla para a produtora Atitude Brasil com recursos da Lei de Incentivo à Cultura e patrocínio de Brasilprev Seguros e Previdência.
Juan Esteves/Divulgação
Construído em 1912, edifício Casa Médici foi pioneiro no uso do concreto armado
Vendido apenas pelo sitewww.operaprimacultural.com.br (R$ 254 págs,. R$ 68), Capital é mais que um livro bonito com fotos em preto e branco de prédios como o que ilustra esta página, construído em 1912 e que abrigou a Casa Médici, pioneiro no uso do concreto armado em seus sete andares, ocupados por escritórios, na Rua Libero Badaró. O curador Abdalla, que organiza exposições de arte e trabalha numa futura mostra de Tarsila para o CCBB do Rio, culpa os modernistas pela desfiguração da cidade. Não que os organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922 sejam os únicos responsáveis, claro, mas foram eles que, iconoclastas, segundo Abdalla, "atacaram de forma virulenta" as escolas de arquitetura em evidência na época, defendendo o estilo colonial como alternativa para o neoclássico, o art nouveau e o art déco e o clamado ecletismo.
Os modernistas, formados pelo olhar europeu, paradoxalmente, posaram de demolidores da influência francesa e italiana, promovendo o estilo neocolonial. "Hoje, por ironia, também essa escola é vítima da fúria das demolições", lembra o curador. Flâneur como o foi Walter Benjamin, Abdalla adora o centro, assim como o fotógrafo Juan Esteves, que mora nos Campos Elísios, bairro que também fotografou e onde resistem alguns casarões antigos. "É difícil fotografar os prédios do centro por causa da descaracterização de suas fachadas e os inúmeros ruídos que perturbam a visão", diz Esteves, que usou o photoshop para eliminar fios de eletricidade, por exemplo. Assim, prédios pintados em cores extravagantes (como o edifício Santa Elisa, exemplo déco dos anos 1930 no Arouche) recuperam seu aspecto original, mostrados em todo o seu esplendor, em preto e branco.
O Banco do Brasil na Rua Álvares Penteado, onde hoje funciona o CCBB, prédio projetado por Hippolyto Gustavo Pujol em 1901, de arquitetura eclética, é um exemplo de conservação que começa a ser seguido por outras instituições do centro. Há outros belos edifícios com detalhes que raramente são observados pelos transeuntes, como o Edifício Rolim, projeto do mesmo arquiteto, da década de 1920. Seu estilo remete ao modernismo catalão, segundo a museóloga Denise Lorck, autora da pesquisa sobre os prédios fotografados, entre os quais está a igreja mais antiga da cidade, a de São Francisco, no largo de mesmo nome, construída em taipa de pilão, em 1647.
A abordagem da dupla Abdalla-Esteves não se concentrou nos séculos anteriores ao 19 ou nas construções contemporâneas da Semana de Arte Moderna, como o antigo Correio Central (de 1922), o Palacete São Paulo da Sé (de 1924) e a Biblioteca Mário de Andrade (de 1925). Há exemplos da arquitetura moderna de Niemeyer (o edifício Eiffel, da Praça da República, inaugurado em 1956) e Artacho Jurado (o condomínio Louvre, da mesma época)
Esteves fotografou detalhes curiosos dos edifícios do centro, como os Atlantis que sustentam o edifício York na Rua São Bento e o pórtico do Palacete Chavantes (construído em 1933 na Benjamin Constant), em que as figuras gregas, símbolos da força, também decoram o prédio que foi propriedade do senador Peixoto Gomide. Toda essa história pode acabar se os paulistanos não olharem em direção ao centro. Esteves e Abdalla olharam.
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