segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Raios! Raios múltiplos!

MÔNICA MANIR
Relampiava como o diabo, era faísca de fio a pavio no céu. Mas Zé Vicente não acocorou para contemplar o cenário. Achou por bem fugir da água antes que ela encharcasse seu uniforme cinza. Bateu o ponto e acelerou o passo na magrela, os flashs tudo em riba, uma fila de eucaliptos atrás da cerca margeando o caminho de terra. Zé Vicente olhou para cima. Então viu: numa fração de segundo, um raio acertou o topo de um eucalipto e veio rasgando a árvore pelo meio. Aí, sentiu: uma pancada vinda da cerca rachou a bicicleta em duas e ele foi jogado a uns dez metros, com a perna esquerda fumegando de dor.


Faz dez anos, mas ainda lembra que vislumbrou um clarão antes de ele mesmo apagar. Só acordou no hospital dois dias depois, com a mãe à beira da cama, a família e uma moça que ele mal conhecia em segundo plano e, por fim, uns fios juntando a pele do tornozelo lá embaixo. Sob o corte, sete pinos e duas placas de platina. "O raio foi queimando os nervo por dentro, encurtou tudo a partir do fêmur, ainda bem que minha mãe não deixou amputar", diz Zé Vicente, arrematando com um "graças a Deus" e não um "louvada seja Santa Bárbara", que ele é evangélico de nascença e não acredita nos poderes da santa do Oriente que protege contra os raios, os trovões e o troar dos canhões.
Foram nove meses de fisioterapia e um ano no total para voltar ao trabalho na manutenção de telefonia do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em São José dos Campos. Mais aprumado das ideias, Zé Vicente soube que foi ressuscitado no hospital. E que a moça conhecida mas desconhecida era Lucilene, uma vizinha que desenrolou sua língua na beira da estrada, ajudou a colocá-lo no ônibus da firma e mandou tocar para o pronto-socorro. Ali no ambulatório mesmo começaram a entabular uma paquera e, na velocidade de um corisco, acabaram por casar. Zé Vicente enche o peito para dizer que tem duas filhas, mas prende a respiração quando o tempo começa a armar lá fora. Em dia de tempestade, ele não sai de casa. Se já saiu, tranca-se no carro ou busca um abrigo longe de árvores, objetos metálicos e telefones. Calça logo alguma coisa, um chinelo de dedo que seja, e ainda assim sente que receberá outra descarga elétrica no mesmo lugar da outra vez. "É como se eu estivesse na guerra e soubesse que levaria um tiro."
Quem viu de perto a face da morte sabe que ela pode abrir o olho de novo, ainda mais porque raios caem, sim, no mesmo lugar e podem, sim, escolher a mesma pessoa para cristo. O guarda florestal Roy Sullivan que o dizia. Em 36 anos de carreira, foi atingido por sete raios. No primeiro, em 1942, perdeu uma unha. Em 1977, data do último, ganhou queimaduras no peito e no estômago. Sullivan morreu dali a seis anos, mas de amor. Ou por falta dele. Teria se suicidado por uma paixão não correspondida.
O caso dele está no Guinness. No Brasil, campeão mundial de incidência de raios, com uma média de 60 milhões por ano, o agricultor Armindo Carra tem um currículo elétrico considerável. Armindo foi alvo de quatro dos inúmeros relâmpagos que já aterrissaram em Almeida Prado (RS). Raios são isso: relâmpagos que atingem o solo. O agricultor tomou o primeiro na cozinha de casa, em 1969, quando apanhava o ferro de passar roupa que estava em cima do fogão a lenha. Seu corpo foi projetado contra a estante, de onde caíram os santos de devoção. Desesperados com sua falta de alma - não se mexia, não respirava, as mãos tinham arroxeado -, família e amigos o colocaram num buraco cavado no porão, deixando somente o rosto de fora. Esperavam que se descarregasse do que não lhe pertencia. Um trovão, companheiro invariável dos raios, ensurdeceu a cidade. Armindo abriu os olhos e aos poucos voltou a si. O povo limpou a terra apegada ao seu paletó, tirou o excedente com uma vassoura e o levou até o Hospital São José, onde se constatou que não era daquela vez que bateria as botas. Nem nas três seguintes. Armindo teria ficado apenas um pouco energizado: mãos, braços e pernas repuxavam à medida que se formava uma tempestade. Morreu no ano passado, no distrito de Guabiju, vítima de câncer. Tinha 74 anos.


Zé Vicente, Sullivan e Armindo são casos de extrema fortuna diante da má sorte de ser atingido por uma descarga elétrica desse calibre. O raio é uma corrente que varia no tempo: aumenta até uma média de 30 mil amperes, mil vezes a corrente de um chuveiro elétrico, e então decai a zero. Dura menos de 1 segundo, tem pouquíssimos centímetros de espessura, mas chega fervendo, batendo os 30 mil graus centígrados. No Brasil, por ano, cerca de 130 pessoas não resistem ao tranco. A maioria morre por parada cardiorrespiratória. "O coração pode parar de bater ou então parar de respirar, se a corrente afetar o músculo do diafragma ou comprometer os centros respiratórios do sistema nervoso central", explica o cirurgião plástico David Gomez, chefe do serviço de queimaduras do Hospital das Clínicas da USP.
Quem resiste não raro apresenta sequelas, por vezes graves. O departamento de segurança contra relâmpagos do serviço nacional de meteorologia dos EUA, exímio em estatísticas como de resto todos os departamentos de segurança americanos, informa que dos 400 casos de atingidos por raios no último censo do país, de 2008, 60 pessoas morreram e as outras 340 reportaram diferentes efeitos colaterais da overdose elétrica: amnésia, curta ou prolongada, dificuldade para processar mais de uma informação ao mesmo tempo, dor de cabeça, insônia, fadiga, irritabilidade, depressão, mudança de comportamento, dor muscular crônica ou nas extremidades do corpo. Mary Ann Cooper, professora da Universidade de Illinois, em Chicago, maior especialista do mundo em relâmpagos, faz uma pequena lista para aqueles que se veem no prejuízo. Pra começo de conversa, fortalecer a rede familiar e de amigos. Depois procurar ajuda psicológica profissional, aprender tudo que puder sobre as consequências do acidente e, na medida do possível, cultivar o bom humor.
O engenheiro gaúcho Osmar Pinto Junior, coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica do Inpe, explica muito séria e pragmaticamente por que o Brasil lidera o ranking de incidência de raios: somos o maior do planeta na região tropical. "Na República Democrática do Congo até incide mais raio por quilômetro quadrado, mas esse país africano tem bem menos metros quadrados que o Brasil." Critério semelhante pode ser usado para medir a área nacional mais atingida por esse petardo atmosférico. Acertou se pensou no Amazonas, porém o Mato Grosso do Sul e sua vizinhança paraguaia são para-raios naturais.
Os homens morrem mais de raio do que as mulheres. Não que a descarga elétrica tenha preferência de gênero, mas eles se expõem mais ao perigo. Exemplo clássico é que invariavelmente negligenciam o tempo fechado e permanecem em campo porque um dos times ainda pode virar o jogo. Ou porque o treino ainda não acabou. Em 1983, o jogador do Palmeiras Carlos Alberto Borges aguardava um lance em pé, no gramado do time, quando ouviu um estrondo ensurdecedor. Enquanto os colegas corriam para o vestiário, ele ficou estirado no chão. Deu sorte porque o boliviano Aragonéz se deu conta do acontecido e chamou um cardiologista que estava de plantão no clube. Carlos Alberto Borges, o Carlos Alberto Raio, teve um princípio de parada cardíaca, ficou um dia sob observação e depois afirma não ter sofrido mazela do acontecido. "Senti um formigamento nas pernas, que passou, mas fui o primeiro jogador a levar um raio no Parque Antártica", gaba-se.
Se não há para onde correr, melhor se ajoelhar e botar a cabeça entre as pernas. Porque não vale o ditado de que raio não cai em pau deitado. Tampouco funciona achar que os pneus protegem totalmente o ser humano. Uma pessoa dentro de um carro está isolada pela carcaça metálica, e não pela borracha dos rodilhos. Verdade que Zé Vicente talvez tenha sobrevivido porque os pneus da bicicleta diminuíram o impacto do raio vindo da cerca, mas estivesse ele num descampado e sua bike serviria - com roda e tudo - como alvo preferencial. Ainda não se sabe se foi isso o que aconteceu com Maria Bueno, a funcionária do Parque Villa-Lobos atingida por um raio no domingo passado. Maria orientava justamente as pessoas a procurar abrigo durante um começo de tempestade quando foi alcançada por um relâmpago sobre sua bicicleta. O último boletim do Hospital das Clínicas até o fechamento deste caderno indicava que Maria Bueno continuava em estado grave, porém estável. Como marca visível do acontecido, uma ligeira queimadura no pé. O fato é que ficar perto de objeto metálico, ao ar livre e numa condição climática assim é pedir para entrar na história pelo lado trágico.
Pelo lado curioso, o raio esteve presente na história do Brasil do Descobrimento à República, das expedições naturalistas à Guerra do Paraguai. Esse seria o mote de Fragmentos da Paixão - Que Raio de História, o filme que Osmar Pinto Junior e equipe se preparam para gravar a partir de agosto, com lançamento previsto para fevereiro de 2012. Na mísera palinha que Osmar deu sobre a película está a fundação de São Paulo ao redor da Itaecerá - na crença tupi, uma pedra rachada por um raio. Darwin também faz uma ponta no filme. A bordo do Beagle, deixando o Rio Grande do Sul, ele teria feito o seguinte comentário no seu diário: "À noite, no convés, presenciei um espetáculo extraordinário; a escuridão da noite era interrompida por raios muito luminosos. Os topos dos mastros ficavam iluminados por fluido elétrico". 


domingo, 27 de fevereiro de 2011

Energia própria é opção contra apagão

eone Farias 
do Diário do Grande ABC

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A padaria onde Andréia Gonçalves Moreira trabalha, no Jardim do Estádio, em Santo André, ficou sem luz por três dias em janeiro. No mesmo período, a empresária Andréa Fazan dispensou clientes da lavanderia que administra, no município, porque não tinha como ligar as máquinas.
Para evitar esses problemas, cada vez mais empresas buscam alternativas de geração própria de energia, a fim de não ter de depender da rede da AES Eletropaulo, pelo menos em parte do dia. O Shopping Praça da Moça, em Diadema, é um exemplo: o centro de compras investiu em gerador movido a gás natural.
A ideia, segundo o gerente geral do empreendimento, Wilson Roberto Pelizaro, é que o equipamento comece a funcionar em março. "Ele fornecerá energia para o shopping no horário de pico, das 18h30 às 21h30, quando o preço de um quilowatt chega a ser dez vezes mais caro que no restante do dia", ressaltou.
COGERAÇÃO
Dados da EPE (Empresa de Pesquisas Energéticas) mostram que o mercado da autoprodução de energia vem em ascensão e deve disparar até 2020, com expansão de 6,8% ao ano, ou seja, acima do ritmo do consumo de eletricidade no País, que deve girar em 4,8% anualmente no período.
De olho nesse mercado, a Comgás, concessionária da distribuição de gás no Estado de São Paulo, criou em 2007 departamento específico para a área, que registrou alta de 55% nas vendas em 2010.
Embora o volume consumido pelos clientes do segmento ainda seja pequeno - 30 milhões de m³ ao ano, frente ao total de cerca de 5 bilhões de m³ anuais -, o percentual de crescimento justifica ter equipe dedicada a esse público. Isso porque as perspectivas são promissoras. Para este ano, o gerente de cogeração da Comgás, Alexandre Breda, afirma que a meta é de expansão superior a 52% em relação a 2010.
Breda acrescenta que entre os clientes há hospitais, prédios comerciais, escolas e shopping centers.
Seu departamento engloba três segmentos: o de ar-condicionado a gás, a geração de ponta (para operação normalmente no horário de pico de consumo de eletricidade, das 17h30 às 20h30) e a cogeração propriamente, em que o equipamentos ficam ligados o tempo todo e há o aproveitamento da queima do gás para o aquecimento ou resfriamento de água, por exemplo.
No caso da última modalidade, ele cita que o investimento inicial gira em R$ 7 milhões, para capacidade de 2,5 MW. Ele ressalta que a economia de gastos com eletricidade fica em 30% e que há retorno do valor aplicado no prazo de até quatro anos.
Autoprodução é tendência mundial, apontam especialistas
A geração própria de energia é tendência mundial, segundo o especialista em mercado de energia elétrica da UFABC (Universidade Federal do ABC), Aroldo de Farias Júnior. O gerente da Comgás Alexandre Breda cita que o Brasil ainda está bem atrás de outros países. "O mundo inteiro vai na direção da cogeração. A média mundial é de 20% (do consumo), enquanto no Brasil está em 1%", afirma.
Breda destaca que o sistema dá mais confiabilidade, já que pode ser usado em paralelo à rede de eletricidade. Farias Júnior avalia ainda que a fonte geradora de energia localizada mais próxima ao local de consumo diminui os riscos de interrupção no abastecimento.
Paulo Toledo, consultor da Ecom Energia, considera que a autoprodução é uma opção, mas não justifica os serviços prestados pelas distribuidoras. "Nosso sistema de energia não condiz com a tarifa cobrada. É preciso fiscalizar para que façam um serviço mais confiável", afirma.
As falhas se agravam todo início de ano. "Nessa época, o clima contribui para agravar o problema, pois raios e tempestades prejudicam a rede. Mas transformadores e subestações também estão com defeitos e precisam passar por manutenção", afirma Farias Júnior.
Representantes do setor empresarial da região engrossam o coro das críticas à rede da AES Eletropaulo. Em recente reunião com técnicos da companhia, dirigentes do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) questionaram a qualidade da rede e a demora no restabelecimento da energia
AES Eletropaulo rebate críticas
A AES Eletropaulo rebateu as críticas e afirmou, em nota, que investe R$ 12 milhões na região. Entre as ações previstas estão a modernização de três subestações (Capuava, Nações e Utinga), beneficiando mais de 100 mil consumidores, e a realização de 70 mil podas, já que 52% das interrupções são causadas por quedas de galhos e árvores na rede.
Segundo o diretor executivo de operações da empresa, Sidney Simonaggio, as ações já estão em andamento.
Ele apontou o fator climático como o causador dos apagões. "Foram eventos notáveis que causaram a queda de árvores e galhos sobre a rede, além de deixar ilhadas as equipes de atendimento emergencial." Ainda segundo ele, em janeiro choveu mais que no mesmo período de 2010, mas a empresa teve melhor desempenho neste ano. "Houve queda de 19% no número de clientes que ficaram sem abastecimento e de 25% na duração do blecaute", explicou
Indústria aposta em projetos sustentáveis
Grandes indústrias da região estão investindo em usinas de energia no interior do Estado, que se inserem em estratégias de sustentabilidade.
É o caso da Rhodia Energy, divisão do grupo químico francês, que vai aportar cerca de R$ 150 milhões em projeto de cogeração, utilizando a biomassa da cana-de-açúcar, em Brotas (SP). Terá capacidade instalada de 70 MW (megawatts) e produzirá o suficiente para atender a 200 mil residências ou 600 mil pessoas. A maior parte da eletricidade gerada por essa unidade será comercializada no sistema nacional de energia.
Segundo o presidente da Rhodia América Latina, Marcos De Marchi, a empresa já tinha gerador em suas instalações em Santo André, com capacidade de 4 MW, para dar mais confiabilidade, já que o processo produtivo da companhia não pode parar. "A Rhodia Energy é um negócio à parte. Temos a crença de que esse modelo vai tornar nossa empresa perene, aumentando produtos sustentáveis, como é o caso da biomassa", afirma.
Iniciativa que também carrega o conceito da sustentabilidade é das PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) da Volkswagen. A montadora anunciou em dezembro a construção da segunda unidade geradora de energia, com aporte total de R$ 143 milhões. A usina, com inauguração prevista para 2013, terá capacidade instalada de 25,5 MW/h, com três turbinas.
A primeira PCH, em operação desde março de 2010, é a Celan (Central Elétrica Anhanguera S.A.), resultado de parceria entre a Volkswagen, a Seband e a Pleuston, construída no rio Sapucaí, afluente do Rio Grande, entre as cidades de São Joaquim da Barra e Guará.
A planta já em operação tem capacidade instalada de 22,68 MW/h e possui potencial de geração anual de 18,3 mil toneladas de crédito de carbono. Juntas, as duas usinas totalizam investimento de R$ 273 milhões. Para o presidente da Volkswagen do Brasil, Thomas Schmall, os aportes mostram a preocupação da empresa no desenvolvimento de alternativas de energia geradas por fontes limpas e renováveis. (com Camila Galvez)

Mais petróleo segura o preço

ALBERTO TAMER - O Estado de S.Paulo
Os preços do petróleo chegaram a US$ 119 na quinta-feira, num mercado intensamente especulativo, e recuaram neste fim de semana, com o Brent a US$ 98. É quase o nível de quando eclodiu a crise no Egito.
O recuo se deve principalmente à decisão oficial da Arábia Saudita de aumentar a produção. No fim da tarde sexta-feira, informava-se que os sauditas haviam colocado no mercado mais 3 milhões de barris por dia, elevando sua produção de pouco mais de 7 milhões de barris/dia para cerca de 10 milhões. Isso apenas confirma uma tendência anterior, quando os sauditas evitaram que os preços do barril ultrapassassem US$ 100, considerado o nível suportável pela economia mundial nesta fase de recuperação.
O que vocês querem? A Arábia Saudita não só está produzindo mais petróleo, mas chegou a perguntar às empresas dos países consumidores qual tipo de petróleo, leve ou pesado, estavam precisando para manter a produção de suas refinarias e abastecer o mercado.
Uma sutileza importante, pois tinha como objetivo conter as especulações de que o petróleo saudita é pesado, e não pode substituir o produto leve da Líbia. Não vai dar, diziam os críticos, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade, afirmava Lawrence Goldstein, diretor da Fundação de Política Energética, em Nova York.
A resposta veio logo. Os sauditas têm esse tipo de petróleo, mas se propõem a fazer acordos com a Argélia e principalmente a Nigéria, grandes produtores de petróleo leve, em troca de contrato de reposição futura em condições financeiras mais favoráveis. Há espaço no mercado para esse tipo de operações. Além disso, as refinarias americanas e mesmo sauditas e outras nos países árabes do Golfo Pérsico estão preparadas para operar com petróleo pesado e exportar derivados. Não se pode esquecer que, além do petróleo que jogou no mercado, a Arábia Saudita tem mais 3,5 milhões de capacidade ociosa. É uma decisão política, que, parece, já adotou.
Opep sem reuniões. Outro fato que pesou no recuo dos preços foi o anúncio velado dos países árabes do Oriente Médio de que não vão esperar reuniões da Opep para produzir mais petróleo. Pouco lhes importa, nas circunstâncias atuais, o que vierem a dizer o Irã, ideologicamente engajado num confronto com o Ocidente, ou a Venezuela, de Chávez. Os países árabes da Opep não veem razão alguma para impedir a recuperação econômica mundial e jogar o mundo contra eles.
Os preços também recuaram na sexta-feira porque a Casa Branca informou que os EUA têm dependência menor do petróleo do Oriente Médio. Aumentaram suas importações os países do leste da África e da América Latina. Isso foi possível porque suas refinarias, ao contrário do que ocorre com as europeias, estão mais preparadas para operar com petróleo pesado. Hoje até exportam gasolina, diesel e outros derivados.
Outro fato. No mesmo dia em que se fazia esse anúncio, o Departamento do Comércio informou que o PIB dos Estados Unidos cresceu menos que se previa, apenas 2,8% (anualizado) no último trimestre de 2010, ou seja, apenas 3% no ano. Sinal de menor aumento da demanda. É muito importante, porque eles respondem por cerca de 24% do consumo mundial de petróleo. Acrescente-se que o país dispõe de reserva estratégica, estimada pelo mercado em torno de 750 milhões de barris, que pode ser usada a qualquer momento.
Outro desdobramento importante: a Agência Internacional de Energia (AIE) confirmou que os países consumidores têm reservas estratégicas de 1,6 bilhão de barris. Na quarta-feira, antes da ação da Arábia Saudita, a AIE havia sugerido aos países membros que começassem a usar parte desse petróleo para conter especulação com os preços, mas no fim da tarde de sexta-feira reavaliou essa recomendação. Não será preciso, disse um diretor da agência. O mercado, agora, está abastecido. 

Tópicos: EconomiaVersão impressa

Remédio em excesso mata

MIR KHAIR - O Estado de S.Paulo
Os remédios têm em suas bulas a posologia, ou seja, as dosagens que podem ser tomadas para produzir o melhor efeito no combate ao problema de saúde. O médico, após o diagnóstico, tem que decidir qual o remédio ministrar e a posologia adequada ao tratamento.
O mesmo ocorre para a economia. Uma das doenças a ser tratada é a inflação e o remédio mais usado tem sido uma alta taxa básica de juros, a Selic. A partir do dia 6 de dezembro um novo remédio foi usado pelo Banco Central (BC) visando conter "certos excessos do mercado de crédito". Ele impôs uma reserva maior de dinheiro pelos bancos quando concederem empréstimos para consumidores com prazo acima de dois anos. No caso de automóveis, essa reserva varia conforme a entrada que o comprador do veículo der. Além disso, o BC elevou o recolhimento compulsório dos bancos, tirando da economia cerca de R$ 65 bilhões.
Os efeitos deste remédio foram eficazes e imediatos, pois de acordo com o BC, até o fim de janeiro, a taxa do crédito pessoal subiu de 40,3% para 49,4% ao ano, o prazo médio reduziu de cinco para quase três anos e a média diária das concessões de crédito pessoal caiu 19%! No caso dos veículos, a taxa do financiamento subiu cinco pontos nos bancos convencionais e quatro nos bancos de montadoras, o prazo médio recuou de três anos e meio para menos de três anos e a concessão de crédito caiu 45% nos bancos convencionais e 35% nos bancos das montadoras.
Outros indicadores confirmam queda ou estabilidade no nível de atividade depois dessas medidas macroprudenciais. A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE de dezembro ficou estável em relação a novembro, e em janeiro, o indicador de atividade do comércio elaborado pela Serasa apresentou queda de 2,7%. Avalia-se que as vendas do varejo tendem a ser prejudicadas pela redução da oferta de crédito.
Quanto ao remédio taxa básica de juros, a posologia adotada mundialmente é aproximá-la da taxa de inflação. Atualmente, está um ponto abaixo da inflação na média mundial e nos países emergentes meio ponto abaixo. Mas, no Brasil, é de 5,5 pontos acima, ou seja, uma posologia anormalmente elevada, que além de não resolver a doença da inflação traz vários efeitos colaterais danosos ao corpo econômico.
1) Aumenta as despesas do governo. A Selic contamina no curto e no médio prazo todas as taxas de juros dos títulos do governo federal cuja dívida está atualmente em R$ 1,7 trilhões. Cada ponto de aumento da Selic aumenta a despesa com juros do governo federal em R$ 17 bilhões! Como essa dívida é crescente, especialmente por causa da elevação das reservas internacionais, do aporte de recursos do Tesouro Nacional ao BNDES - que são feitos com a emissão de títulos - e da Selic, esse dano será maior neste ano, anulando parte expressiva do corte de R$ 50 bilhões no orçamento do governo federal.
2) Causa elevado custo de carregamento das reservas internacionais. O BC tem mais de US$ 300 bilhões de reservas, que são aplicadas especialmente em títulos do Tesouro americano com juros de cerca de 1,5% e pagam juros de 11,25%. Além disso, há a perda cambial com a valorização do real perante o dólar. No ano passado, o custo de carregamento desta dívida foi estimado em R$ 26,6 bilhões pelo BC, mas esse cálculo parece conservador frente a outros estudos que apontam para R$ 45 bilhões. Neste ano deverá se elevar mais, pois crescem as reservas e a Selic em relação ao ano passado.
3) Valoriza o real perante o dólar. Os especuladores do mercado captam recursos a taxas próximas a zero e aplicam nos títulos do governo federal que pagam taxas elevadas. São ganhos líquidos e certos, sem riscos. O BC está dando um presentão a esses especuladores para manter o real apreciado e funcionar como âncora cambial, barateando as importações e encarecendo nossas exportações. Isso tira o poder competitivo das empresas do País tanto interna quanto externamente, causando um rombo nas contas externas, que pode se tornar explosivo. Esse risco existe, caso se mantenha essa situação, pois a política dos países desenvolvidos é continuar inundando o mundo com suas moedas para permitir elevar suas exportações e reduzir suas importações.
O mais grave é que o paciente Brasil ainda não se deu conta que está tomando o remédio errado e em doses cavalares. Ele tem, ainda, uma boa saúde, mas está ficando cada vez mais debilitado com os efeitos colaterais do remédio. O pior é que o médico já avisou que vai elevar essa dosagem, pois não está havendo a cura e o paciente tem confiança no médico e não pensa em mudá-lo. Se continuar assim, corre sério risco de espalhar em seu organismo novos problemas, que certamente serão combatidos com mais elevação da dosagem do mesmo remédio. Assim, o paciente corre o risco de vir a morrer.
A pergunta que fica é: Não dá para trocar de remédio uma vez que o outro (medidas macroprudenciais) já provou sua eficácia além de não causar os efeitos colaterais apontados? Dá, e isso precisa ser feito imediatamente rumando em prazo, o mais curto possível, para taxas de juros a nível internacional e continuar aferindo os efeitos das medidas macroprudenciais, regulando sua posologia para que o apetite de consumo não tensione a inflação.
O consumo das famílias, que responde por 75% do consumo total, é fortemente influenciado pela oferta de crédito via taxas de juros e prazos de financiamentos. As medidas macroprudenciais, que podem influir o nível da oferta de crédito e suas taxas de juros, têm efeito imediato. A taxa Selic leva, segundo o BC e o mercado financeiro, cerca de nove meses para produzir efeito. Em nove meses ninguém sabe o que estará ocorrendo no mundo e em nossa economia, pois o tempo é longo demais para previsões. Há pouco não se previa a revolta no mundo árabe e ninguém sabe onde isso vai dar, com repercussões nos preços do petróleo, em forte ascensão.
Outra questão que chama a atenção é o ciclo vicioso criado pelo BC: 1) mantém a Selic elevada para servir como âncora cambial; 2) com isso atrai capital externo para lucrar com essa taxa; 3) isso aprecia o real; 4) para segurar essa apreciação, o BC compra dólares aumentando as reservas; 5) reservas maiores atraem mais capital externo, pois aumentam a garantia às aplicações externas. Ou seja, ele cria o problema e o agrava com sua "solução".
Várias vezes o jornalista Celso Ming, em sua coluna no Estado, chamou a atenção que, quanto maiores as reservas internacionais, mais atração exercerão para a entrada de capital externo. Como resultado desse processo da ação do BC, eleva-se a dívida bruta do País, as despesas com juros do governo federal e o custo do carregamento das reservas. E tudo isso tem efeito imediato; não precisa de nove meses para repercutir numa improvável alteração da inflação.
Quanto à teoria das expectativas de que as alterações da Selic servem para conduzir os agentes econômicos a adequar seus preços conforme a meta de inflação, isso não ocorre, pois ao contrário dos outros países, onde essa teoria funciona razoavelmente, a distância entre a Selic e a taxa de juros dos bancos é tão grande, que permite variar as taxas dos bancos conforme outros interesses, visando ampliar seu mercado na disputa com bancos mais agressivos em sua expansão, além das pessoas e empresas terem mais alternativas de escolha das melhores ofertas de financiamento.
A teoria das expectativas faz mais sentido para as medidas macroprudenciais, pois o efeito é imediato sobre o crédito, que é a perna principal da adequação do nível de consumo. As expectativas, porém, estão sendo mais influenciadas pela inflação corrente do que pela inflação projetada, sempre sujeita a toda sorte de erros. A inflação está sendo influenciada mais pela realidade internacional nos preços dos alimentos e commodities do que por qualquer outro fator e sobre isso pouco se pode fazer a não ser restringir o galope do crédito.
Para que possa ocorrer a mudança do remédio velho para o de nova geração, que já mostrou sua eficácia, é necessário que o BC, que já dispõe de autonomia operacional em relação ao governo e aos políticos, comece a exercê-la também em relação ao mercado financeiro, o qual adora uma Selic elevada, pois amplia sem riscos seus lucros.
Para isso, é fundamental cortar a relação simbiótica que sempre existiu entre ambos. Isso agora tem melhor chance de ocorrer, uma vez que os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) são todos funcionários de carreira do próprio BC. Além disso, já passou da hora de usar o Boletim Focus, baseado em cem instituições financeiras, como única fonte de consulta sobre projeção de inflação e Selic. O BC precisa estender as consultas à academia e às instituições que representam o setor real da economia se quiser ter maior credibilidade e possuir diagnósticos mais confiáveis e de melhor qualidade. Já passou da hora de mudar de remédio.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR 


Os pobres e os ricos do Nordeste

SUELY CALDAS - O Estado de S.Paulo
Nos últimos dias o Nordeste ganhou destaque duas vezes na mídia: em Barra dos Coqueiros (Sergipe), a presidente Dilma Rousseff fez sua primeira reunião com governadores locais; na quinta, o Ministério da Justiça divulgou o Mapa da Violência 2011 - Os jovens do Brasil, despontando os Estados nordestinos como "campeões da violência", título tomado do eixo Rio-São Paulo.
Ao criar a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, o economista Celso Furtado queria levar progresso para a região mais pobre do País com projetos financiados com dinheiro público. Em sua cabeça, a justiça seria feita, transferindo renda de Estados ricos do Sul e Sudeste para desenvolver os pobres do Nordeste. Meio século depois, quase nada mudou e o Nordeste segue pobre, subdesenvolvido e subnutrido. Com exceção de José Sarney, do Maranhão, os coronéis, donos do poder naquela época, aposentaram-se ou morreram, mas a elite política local - com raras exceções - ainda usa a pobreza como argumento para arrancar dinheiro de Brasília.
Da presidente Dilma, ouviu-se um rotundo "NÃO" em resposta a duas demandas: criar uma nova CPMF para financiar a saúde e alterar o indexador para reduzir dívidas com a União, o que implicaria jogar no lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao contrário de seu antecessor, Dilma não fez demagogia, recusou os pedidos no ato, sugeriu que administrassem melhor o dinheiro da saúde e procurassem crédito em fontes como o Banco Mundial.
A pesquisa sobre violência mostra mudanças que refletem a ação ou omissão, competência ou fracasso das gestões estaduais de políticas de combate ao crime. Entre 1998 e 2008, enquanto São Paulo reduziu em 62,4% o número de homicídios, a Bahia aumentou em 237,5%; o Maranhão, em 297%; o Pará, em 193,8%; e Alagoas, em 177,2%. Segundo o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, em São Paulo "o aparato repressivo foi recuperado, as polícias foram depuradas, as investigações ganharam nova tecnologia e o sistema de informação melhorou". Ou seja, a ação eficaz e a correta aplicação dos recursos deram bons resultados. Já no Nordeste, explica, surgiram novos polos econômicos, a população em torno cresceu, mas o Estado não acompanhou, manteve-se ausente.
A persistência da pobreza no Nordeste é muito mais decorrente da incompetente (e muitas vezes mal-intencionada) gestão dos políticos locais do que da falta de recursos públicos. O dinheiro sai de Brasília, passa pelo governo do Estado, mas não chega à população. Os serviços públicos não funcionam e a multiplicação de fraudes e escândalos de projetos fantasmas da Sudene prova que há uma elite de empresários, políticos e seus amigos e parceiros que retêm indevidamente o dinheiro. Há governadores que resistem e outros que cedem (ou são compadres) a lobbies para suprir gastos de campanha eleitoral ou engordar patrimônios privados.
A pesquisa aponta Alagoas como o Estado campeão em mortes e onde a violência quase triplicou - cresceu 2,7 vezes em dez anos. Em vez de gerir o dinheiro com eficiência, é um dos mais rápidos e persistentes em correr a Brasília quando a situação aperta.
Em 1995, quando a queda da inflação tirou a máscara da contabilidade dos governos, Alagoas tinha três folhas de salários atrasadas, as polícias (civil e militar) entraram em greve, as escolas fecharam, os hospitais entraram em colapso, o Judiciário entregou as chaves do tribunal ao STF. Alagoas vivia um caos nunca visto. O dinheiro nos cofres públicos pingava porque o ex-governador Fernando Collor abdicou da principal fonte de arrecadação de impostos ao isentar os usineiros de açúcar do pagamento do ICMS. O governador que o sucedeu, Divaldo Suruagy, correu a Brasília atrás de dinheiro. FHC negou e despachou para Alagoas um interventor federal para tirar o Estado do caos.
Pois bem. Na reunião com Dilma, na segunda-feira, foi justamente o governador alagoano, Teotônio Vilela (PSDB), o primeiro a defender a mudança do indexador para reduzir o pagamento das dívidas do Nordeste com a União.
JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR) 

Empresas ''laçam'' mão de obra na rua

Márcia De Chiara - O Estado de S.Paulo
Grandes redes de varejo e indústrias disputam mão de obra a laço para preencher vagas fora dos grandes centros do País. A escassez de trabalhadores qualificados no Nordeste e Centro-Oeste fez com que as empresas optassem por saídas inusitadas para recrutar pessoal.
"Estamos usando a técnica do circo, que põe um carro de som circulando pelas ruas avisando que chegou à cidade, para recrutar trabalhadores", conta Amarildo Carlos Rodrigues, gerente de Recursos Humanos da unidade de Rio Verde, em Goiás, da BRF Brasil Foods, empresa que é a união da Sadia com a Perdigão.
Desde a metade do ano passado, a companhia decidiu ir literalmente às ruas para contratar trabalhadores a fim de suportar os planos de expansão da fábrica em Mineiros (GO), que concentra a produção de perus, e de Rio Verde, onde estão os industrializados de aves, suínos e rações.
Rodrigues, idealizador do projeto, conta que colocou carros de som e montou tendas de recrutamento em bairros mais populosos porque constatou que o público que ele procurava não lia jornal e, no caso do rádio, cada um ouvia uma estação. O resultado do recrutamento foi surpreendente: conseguiu nos últimos três meses contratar 1.100 trabalhadores em Rio Verde e 500 em Mineiros.
"Para muita gente este é o primeiro emprego", afirma o gerente. Pesquisa feita com os contratados revela que 60% deles nunca tinham trabalhado com carteira assinada anteriormente.
Esse é o caso de Inês Barbosa Marinho Neta, de 28 anos, que foi contratada em janeiro para trabalhar na sala de corte de chester. "O carro de som passou na porta da minha casa", conta ela, lembrando que foi assim que ficou sabendo que a empresa estava admitindo. Anteriormente, Inês tinha trabalhado como empregada doméstica, ganhava R$ 200 e sem registro. Agora, ela recebe cerca de R$ 700 por mês e tem carteira assinada.
Rodrigues explica que a maioria das vagas é de ajudante, com salário na faixa de R$ 700, e a empresa forma os profissionais. Ele observa que, além da expansão do agronegócio na região, com a instalação de várias empresas no polo industrial de Rio Verde, a disputa por mão de obra está acirrada no local por causa da chegada das usinas de açúcar e das obras do PAC.
Terra natal. Mas não é apenas a agroindústria que está atrás de trabalhadores nas regiões mais distantes do País. Grandes redes varejistas criaram programas específicos para transferir funcionários do Sudeste para o Nordeste, visando a abertura de lojas.
Em meados do ano passado, o Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, inaugurou o programa-piloto "de volta para a minha terra", conta Maria Aparecida de Souza, gerente de Recursos Humanos. A intenção foi recrutar funcionários do grupo para a primeira loja do Extra em Teresina (PI). "Foram feitas 26 transferências para essa nova loja, e cinco delas eram funcionários da região que trabalhavam no Sudeste e voltaram para casa", diz a gerente.
Ismerinda Maria da Silva, de 37 anos, com dois filhos, aderiu ao programa de transferência e voltou para Teresina, de onde havia saído em 2000 e deixado a mãe. "Hoje estou muito mais feliz." Ela voltou a morar com a mãe, não paga aluguel e ainda ascendeu para um cargo de maior responsabilidade no Piauí.
No retorno para casa, ela observou que o Nordeste mudou, e para melhor: "Todos os meus amigos têm moto ou bicicleta." Morando com a família, ela vai poder economizar com aluguel e creche e vai poder quitar dívidas.
O Magazine Luiza, que comprou as Lojas Maia no Nordeste, desenha um projeto semelhante ao do Grupo Pão de Açúcar, batizado "de volta pra sua terra", para levar os funcionários de volta aos seus Estados. 


Troca tributária


26 de fevereiro de 2011 | 16h00
Celso Ming
A presidente Dilma Rousseff só anunciou a parte boa. Anunciou que vem aí a desoneração da folha de pagamentos. O objetivo é aumentar a competitividade da empresa brasileira e, também, incentivar o emprego formal (com carteira assinada), desestimulado pelo alto custo dos encargos sociais.
Mas não disse ainda como vai compensar a perda de arrecadação da Previdência Social, já que a ideia é substituir uma tributação nociva por outra, preferencialmente menos nociva.
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Dilma. Falta a parte ruim (FOTO: José Patricio/AE)
Uma das propostas que surgiram por aí é a taxação por meio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), sobre uma base ainda a ser definida. O problema é que o IOF é um tributo regulatório, ou seja, serve para calibrar fluxos financeiros e não para arrecadar. Por exemplo, o IOF de 6% na entrada de capitais destinados às aplicações de renda fixa foi determinado com o objetivo de conter a entrada de recursos.
Em princípio, o uso de um tributo regulatório com o objetivo arrecadatório não seria impedimento definitivo. Mas seria uma distorção que complicaria sua utilização quando fosse necessário aplicar uma regulagem qualquer.
A proposta de aumentar as alíquotas do PIS/Cofins e/ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) esbarra na objeção irrespondível de que seria desonerar o setor produtivo de um lado para onerá-lo, logo em seguida, de outro.
Outra lembrança recorrente é a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). É a opção preferencial do governo, porque é o imposto mais fácil de arrecadar: cai diretamente na conta do Tesouro a cada movimentação bancária, sem necessidade de declaração e sem esforço de coletoria.
As distorções que provoca são conhecidas. É um imposto cumulativo (incide em cascata sobre todas as fases da produção e da distribuição); onera o produto de exportação; incentiva a desintermediação financeira, na medida em que leva o contribuinte a pagar “por fora” para fugir do imposto; e é uma permanente tentação para que o governo aumente a alíquota a cada pleito por mais verbas.
Dia 22, o advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, em fórum sobre simplificação tributária realizado na sede do Sindicato da Indústria da Construção Pesada, defendeu a volta da CPMF. O argumento dele é o de que o efeito cascata da CPMF é bem menos acentuado do que o dos encargos sociais sobre a folha de pagamentos. E o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel entende que a permanente tentação ao aumento de alíquota poderia ser eliminada por meio de imposição de uma trava, do tipo “não pode passar de X%”.
Os políticos querem a CPMF não para substituir um tributo, mas para aumentar a arrecadação. Na segunda-feira passada, por exemplo, em encontro com a presidente Dilma Rousseff, os governadores do Nordeste defenderam a volta da CPMF alegadamente para “financiar a saúde”. É uma desculpa velha de guerra e é sempre canalha porque todos sabem que as despesas com saúde são financiadas por dotação orçamentária. E o resultado da arrecadação de uma CPMF qualquer acaba sempre no caixa do Tesouro.
Em todo o caso, os cães de guarda contra a fúria arrecadatória que se preparem. Terão trabalho nas próximas semanas, quando o governo definir como vai substituir a arrecadação sobre a folha de pagamentos. Provavelmente não vai se limitar a trocar um imposto por outro. Se ninguém reagir, pretende arrecadar mais.
CONFIRA
Reservas na infraestrutura? O leitor Sérgio Bresciani pergunta: se o carregamento de reservas é tão caro para o País (foi de R$ 26,6 bilhões em 2010), por que, em vez de aplicá-las em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que rendem menos de 2% ao ano, não usar essa moeda estrangeira para comprar equipamentos de portos ou para montar a infraestrutura de que o Brasil tanto precisa, o que, de quebra, poderia reduzir os custos produtivos de toda a economia?
É ou não é? Aí há dois problemas. O primeiro é de conceito. Reserva é reserva. Não é para usar nem em despesa corrente nem em investimento. Tem de ficar disponível para as horas de necessidade e de crise.
Questão de demanda. Em segundo lugar, se é para importar equipamentos para infraestrutura e se o importador não comprar dólares internamente para pagá-los, a demanda por moeda estrangeira ficará mais baixa e o real poderia se valorizar ainda mais.

Tecnologia e logística em águas profundas, por Norman Gall


NORMAN GALL - O Estado de S.Paulo
As descobertas em águas profundas na Bacia de Santos estão levando a Petrobrás a dar saltos para o futuro, abordando desafios pioneiros de tecnologia e logística, numa escala sem precedentes na indústria mundial de petróleo.
Cientistas e engenheiros do Cenpes, centro de pesquisas da Petrobrás, tentam encontrar uma maneira de instalar plantas de processamento automatizadas para separar o gás, o petróleo e a água no leito marinho, a cerca de dois mil metros de profundidade. Essas plantas funcionarão movidas por geradores elétricos submarinos que também bombearão petróleo e gás, através de dutos instalados no fundo do Atlântico Sul, para estações coletoras a centenas de quilômetros de distância.
"Nossa meta para os próximos dez anos é não necessitar de plataformas de produção na superfície do oceano", disse o diretor da Cenpes, Carlos Tadeu Fraga, para o jornal Valor Econômico. "Em termos de inovação, há um raciocínio que muda a capacidade das pessoas de realizarem algo novo, dependendo da pergunta feita. Ao abordar uma ideia nova, há duas formas de reagir. Uma é: "Por quê?". Outra é "por que não?""
Existem muitos "por que não" à medida que a Petrobrás tenta contornar obstáculos para produzir óleo e gás a sete mil metros de profundidade no Atlântico Sul. Embaixo do leito marinho, com furos atravessando três mil metros de rochas que cobrem uma camada de sal com dois mil metros de espessura, foram achados micróbios fossilizados, transformados pelo calor e a pressão em petróleo e gás durante milhões de anos.
Os técnicos da Petrobrás falam em construir plataformas totalmente automatizadas. Mas, até agora, no setor petrolífero, plataformas não manejadas por humanos estão situadas principalmente em campos mais antigos e em águas rasas, como no Golfo do México e no Mar do Norte norueguês. Todas localizadas mais próximas da costa do que os poços na Bacia de Santos.
Transferir os equipamentos de produção para o leito do mar já é meta da indústria global do petróleo, que explora em águas cada vez mais profundas. O sal embaixo distorce as ondas sonoras sísmicas, que se propagam muito mais rapidamente através do sal do que pelas rochas em torno, mudando as imagens da mesma maneira que um lápis parece ficar torto quando colocado dentro de um copo de água, "como uma imagem de TV embaçada, nebulosa", disse um geofísico. Uma inovação da empresa independente Anadarko, usando ondas sísmicas em 3D processadas por supercomputadores para detecção de estruturas geológicas promissoras, levou à descoberta do campo de Mahogany pela Phillips em 1993 e a uma nova onda de exploração no subsal do Golfo do México. "Estamos na aurora da jogada subsal global", disse Clint Moore, que criou o processo de ondas sísmicas da Anadarko nos anos 90. "Agora que temos uma nova ferramenta para ver embaixo e dentro das bacias de sal do mundo, isso fará uma enorme diferença na quantidade de petróleo e gás que poderá ser descoberta nessas bacias geológicas complexas." A Petrobrás absorveu essas novas técnicas nas suas descobertas em águas profundas.
A Petrobrás gera apenas 6% da sua produção diária em seus projetos internacionais no Golfo do México, África Ocidental, América do Sul e Austrália, mas ela ganha conhecimento técnico e geológico com esses atividades em parceria com outras companhias. Assim, a Petrobrás avançou numa mistura de nacionalismo e internacionalismo, absorvendo tecnologia e técnicos do exterior e enviando centenas de brasileiros para universidades de outros países para criar uma equipe técnica de gabarito mundial.
Até agora, a maior conquista na instalação de equipamentos de produção no leito do mar é a plataforma de Perdido, da Shell, de US$ 3 bilhões, no Golfo do México, montada sobre um cilindro de aço flutuante na mesma distância da costa como as descobertas de Tupi. "Perdido abriu uma nova fronteira na produção de petróleo em águas profundas", disse Tyler Priest, historiador da indústria do petróleo na Universidade de Houston. "É a instalação mais avançada no mundo." Em Perdido é feita a perfuração, coleta e separação do óleo e gás de 35 poços espalhados numa área de 80 quilômetros quadrados no leito mar. Equipamentos sensíveis ficam dentro de um hangar fechado, do tamanho de um campo de futebol, fincado no leito do mar para proteção das correntes e avalanches submarinas. Os dados do metabolismo do complexo de Perdido, como também do projeto BC-10 da Shell na Bacia de Campos, são monitorados num centro de controle remoto em Nova Orleans, nos Estados Unidos. No campo do Parque das Conchas, na Bacia de Campos, a Shell instalou em 2009 o primeiro sistema de bombeamento e separação de gás e petróleo submarino, mesmo antes da tecnologia ser usada no complexo de Perdido, cujas operações começaram em 2010.
Para produzir petróleo em águas profundas a 350 quilômetros da costa na Bacia de Santos, a Petrobrás terá de superar problemas técnicos e logísticos mais difíceis do que aqueles enfrentados pelas companhias no Golfo do México, que hoje respondem por um quarto da produção de petróleo dos Estados Unidos, onde os depósitos de sal submarino cobrem 85% da plataforma continental.
As camadas de sal na Bacia de Santos são muito espessas, chegando em alguns lugares a cinco mil metros. São plásticas, móveis e heterogêneas, contendo tipos diferentes de sal, mudando de posição à medida que as perfurações são realizadas. "Perfurar esses reservatórios de pré-sal implica desafios gigantescos", observaram os engenheiros da Petrobrás durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston. "De todos esses desafios, o deslizamento do sal é o mais comum e mais difícil de administrar." As camadas de sal são tão instáveis que podem engolir as brocas de perfuração e derrubar a carcaça que envolve o tubo de perfuração. "Os reservatórios de microcarbonatos ainda são pouco conhecidos", disse um engenheiro veterano. "O petróleo sai do reservatório muito quente para chegar a um ambiente frio, com apenas 4º centígrados, e congela para virar cera, bloqueando o tubo, a menos que produtos químicos especiais sejam adicionados e esse tubo seja continuamente lubrificado." A instabilidade das camadas de sal impede a perfuração horizontal para aumentar a recuperação dos reservatórios imediatamente abaixo do sal.
Na superfície do oceano existem mais problemas logísticos e de engenharia. "Nas descobertas de pré-sal, temos dois tipos de problemas logísticos", disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, numa entrevista. "O primeiro tem a ver com pessoas, e é um problema de distância. Na Bacia de Campos, agora nossa principal área de produção, fazemos 60 mil viagens de helicóptero ao mês para transportar pessoas entre as plataformas e a costa. Mas os blocos de pré-sal na Bacia de Santos podem estar a uma distância de 300 quilômetros, longe demais para transportarmos tanta gente por helicóptero. Assim, precisamos, em primeiro lugar, reduzir o número de pessoas trabalhando nas plataformas e aumentar a automação. Precisamos colocar plataformas a meio caminho entre a costa e as descobertas de pré-sal para servirem como centros logísticos e também como dormitórios, de modo que os trabalhadores que chegam por barcos possam ser distribuídos por helicópteros para as plataformas de produção depois de passarem a noite no centro logística. O segundo problema é a entrega de material para as operações em alto-mar. É preciso transportar produtos químicos, máquinas, eletricidade. Provavelmente teremos plataformas especiais para geração de eletricidade e outras para a mistura de substâncias química para os fluidos de perfuração."
Guilherme Estrella, diretor de exploração e produção da Petrobrás, imagina 50 plataformas operando na área das descobertas iniciais, cada uma consumindo 100 megawatts de eletricidade, totalizando 5 mil megawatts de capacidade, gerada por 200 turbinas movidas a gás, o equivalente ao consumo de energia na região da Grande São Paulo, com aproximadamente 20 milhões de habitantes. Na Bacia de Santos, bases para grandes frotas de helicópteros e navios de apoio devem mudar a ecologia do litoral, com o porto de Santos se tornando um novo centro de gerenciamento das explorações em alto-mar.
Uma dificuldade para criar essas plataformas logísticas é garantir a estabilidade em mar agitado para permitir a atracação segura, como também a chegada e saída de navios e helicópteros. "Já nos ofereceram até porta-aviões para servir como centros," disse José Formigli, diretor de operações do pré-sal da Petrobrás. "Mas os porta-aviões têm o mau hábito de virar de um lado para outro. Sua carcaça é fina, pois têm de ter velocidade, e assim, quando estão parados, eles balançam e os helicópteros não conseguem aterrissar."
A Petrobrás enfrenta desafios de engenharia para aumentar a produção além dos 20 mil barris diários obtidos no teste realizado no seu campo de Tupi, rebatizado Lula, e além dos 100 mil barris diários no projeto-piloto com um barco perfurador em Angra dos Reis, que começou a operar em outubro de 2010. Uma nova expansão desse cluster vai exigir a instalação de mais 10 plataformas em 2016. Um gasoduto no leito do mar enviaria o gás a 300 quilômetros para o Terminal de Cabiúnas, no Estado do Rio de Janeiro. A Petrobrás avalia a possibilidade de liquidificar o gás natural em alto-mar, para exportar.
O cluster do campo de Lula é só uma das várias descobertas sendo avaliadas. Na conferência da OTC em Houston, em 2009, José Formigli, diretor de operações do pré-sal, explicou porque a Petrobrás precisa inovar para desenvolver o cluster do pré-sal, por causa da escala de produção e das "características singulares" da área: águas ultraprofundas, locais remotos, contaminantes na produção dos fluidos, alto conteúdo de gás, etc". Um grande obstáculo, disse Formigli, é a falta de espaço nos deques de superpetroleiros convertidos (FPSOs), usados como plataformas de produção, por causa da quantidade de equipamento especial necessário para separar e processar o gás natural contido no óleo cru, remover contaminantes e recolocar grandes quantidades de gás, dióxido de carbono e água de volta no reservatório para manter a pressão do poço. Por isso, a indústria procura instalar mais equipamentos no leito do mar.
Formigli comparou a escala de produção no imenso campo de Lula com a do campo gigante de Marlim, na Bacia de Campos, que produzia 645 mil barris diários em 2002, mas declinou para menos de 300 mil em 2010. Enquanto o campo de Marlim foi desenvolvido com sete plataformas, ou FPSOs, produzindo 130 poços, o campo de Lula precisaria de 15 a 25 FPSOs alimentados por 2 mil poços, usando os mesmos conceitos de desenvolvimento do campo de Marlim, "o que resultaria em projetos não econômicos".
Um estudo feito pelo banco de investimentos Credit Suisse alertou para os ganhos decrescentes das novas descobertas, uma vez que a base de recursos da Petrobrás "cresceu a tal ponto que as descobertas marginais têm um valor muito baixo, uma vez que os campos existentes já são suficientes para garantir uma reserva com mais de 50 anos de vida". Mas as estimativas das reservas, a partir de dados nebulosos sobre as novas descobertas na Bacia de Santos, variam muito. Estão baseadas em informes de duas consultoras internacionais divulgados pouco antes da capitalização de US$ 67 bilhões da Petrobrás, em setembro passado, num ambiente pré-eleitoral muito politizado.
As descobertas no pré-sal parecem alimentar muitos mitos. Que escondem questões inquietantes. José Gabrielli declarou em reuniões públicas que o programa de investimento da Petrobrás para 2010-2014, de US$ 224 bilhões, está absorvendo anualmente um décimo da formação de capital fixo bruto do Brasil, num país com uma das mais baixas taxas de investimento público na América Latina. O Brasil precisa realmente investir no pré-sal nessa rapidez e escala? Esses investimentos acelerados não criarão distorções por si sós? Esses investimentos no petróleo são mais importantes para o futuro do país do que investir mais em escolas, portos, aeroportos, geração e transmissão de energia elétrica, comunicações, saneamento básico e infraestrutura de transporte? Futuros artigos desta série abordarão algumas dessas questões. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO