terça-feira, 31 de agosto de 2021

Hélio Schwartsman -STF Resistência jurídica, FSP

 Roberto Jefferson poderia ter sido preso? Inquéritos abertos pelo STF para investigar apoiadores de Jair Bolsonaro são teratomas jurídicos? O deputado Daniel Silveira pode ser considerado um preso político? Os ministros do Supremo estão extrapolando? Essas perguntas comportam dois níveis de respostas.

Se estivéssemos numa espécie de playground kelseniano, onde as normas jurídicas são aplicadas de forma totalmente abstrata, eu faria restrições a várias das decisões da corte ou, pelo menos, cobraria fundamentações mais detalhadas. Não há dúvida de que Jefferson ameaçou ministros, mas estamos lidando com ameaças críveis ou com um caso psiquiátrico? Será que o STF não alargou demais o dispositivo do regimento interno (RI) que autoriza a abertura de inquéritos “ex officio”? O artigo 43 do RI, afinal, limita essa capacidade a infrações cometidas “na sede ou dependências do tribunal”.

O ponto é que não estamos num universo de puras abstrações. No mundo em que vivemos, essas decisões do Supremo, apesar de controversas, podem ser descritas como reações legítimas ao vandalismo institucional de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, que não serão contidos pelo respeito abstrato à lei.

O ideal seria jamais ter posto uma pessoa com a ficha corrida de Bolsonaro na Presidência da República. A segunda melhor resposta teria sido destituí-lo por crimes de responsabilidade assim que ele os cometeu. A terceira teria sido encarcerá-lo pelas infrações penais comuns que perpetrou. O país, porém, devido a uma funesta combinação de fatores, fracassou em dar essas respostas. Assim, só nos resta aplaudir o STF por pelo menos esboçar uma resistência às pretensões golpistas dos bolsonaristas.

Os legalistas empedernidos podem dormir tranquilos. A grande vantagem do formalismo que caracteriza o mundo jurídico é que qualquer interpretação que o STF dê a um dispositivo é por definição a correta.

Imagem fantasmagórica de militar americano ao deixar Afeganistão entra para a história, FSP

 Simon Cameron-Moore

REUTERS

Carregando seu fuzil, o major general Chris Donahue, comandante da célebre 82ª Divisão Aerotransportada, tornou-se o último militar dos EUA a embarcar no voo final para fora do Afeganistão, um minuto antes da meia-noite de terça-feira (31).

Capturada de uma janela lateral do avião de transporte C-17 com a ajuda de um aparelho de visão noturna, a imagem fantasmagórica, verde e preta, do general caminhando até o avião que aguardava na pista do aeroporto Hamid Karzai, em Cabul, foi divulgada pelo Pentágono horas depois de os Estados Unidos encerrarem seus 20 anos de presença militar no Afeganistão.

Último militar americano em Cabul, o general Chris Donahue, comandante da 82ª Divisão Aerotransportada do Exército, embarca para o voo final da retirada em um cargueiro C-17
Último militar americano em Cabul, o general Chris Donahue, comandante da 82ª Divisão Aerotransportada do Exército, embarca para o voo final da retirada em um cargueiro C-17 - Comando Central dos EUA via Reuters

Como um momento da história, a imagem da partida de Donahue pode ser comparada à de um general soviético que liderou uma coluna blindada na travessia da Ponte de Amizade, entre o Afeganistão e o Uzbequistão, quando o Exército Vermelho finalizou sua saída do Afeganistão em 1989.

Concluindo uma operação militar que, com a ajuda de aliados, conseguiu evacuar 123 mil civis do Afeganistão, o último avião transportando tropas americanas partiu ao abrigo da noite.

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Embora seja uma imagem estática, a impressão que se tem é que Donahue está caminhando rapidamente, com a expressão impávida. Ele está de uniforme e equipamentos de combate, óculos de visão noturna sobre o capacete e um fuzil. Ele ainda não havia partido do Afeganistão ou chegado a um lugar seguro.

Em contraste, as imagens do general Boris Gromov, comandante do 40º Exército da União Soviética no Afeganistão, o mostram andando de braços dados com seu filho pela ponte sobre o rio Amu Darya, carregando um buquê de flores vermelhas e brancas.

Boris Gromov, o último comandante do 40º exército da União Soviética no Afeganistão, carrega flores enquanto caminha em uma ponte ao lado do filho, durante a retirada das tropas soviéticas do país
Boris Gromov, o último comandante do 40º exército da União Soviética no Afeganistão, carrega flores enquanto caminha em uma ponte ao lado do filho, durante a retirada das tropas soviéticas do país - Reprodução Reuters TV

As retiradas americana e soviética de um país que ficou conhecido como cemitério de impérios foram conduzidas de modos muito diferentes, mas pelo menos evitaram a derrota calamitosa sofrida pela Grã-Bretanha na Primeira Guerra Anglo-Afegã, em 1842.

A imagem que perdurou desse conflito é a pintura a óleo “Resquícios de um Exército”, de Elizabeth Thompson, que mostra um cavaleiro solitário exausto, o cirurgião militar assistente William Brydon, sentado com dificuldade na sela de um cavalo ainda mais exausto, na retirada de Cabul.

Quando o Exército Vermelho russo partiu, um governo comunista pró-Moscou ainda estava no poder no Afeganistão, e seu exército continuaria a combater por mais três anos. Agora, contudo, o governo afegão apoiado pelos EUA já se rendeu, e Cabul havia caído diante do Talibã um pouco mais de duas semanas antes do prazo final de 31 de agosto definido para a saída das tropas americanas.

Fazendo uma retirada ordeira, os últimos membros dos 50 mil soldados de Gromov continuaram a ser alvos de ataques isolados quando dirigiram para o norte, rumo à fronteira uzbeque, apesar de terem pago a grupos mujahedins para garantirem sua passagem segura até a fronteira.

A coluna de Gromov atravessou a Ponte da Amizade em 15 de fevereiro de 1989, encerrando a guerra da União Soviética no Afeganistão, que durara dez anos e na qual haviam morrido 14.450 militares soviéticos.

Questionado sobre o que sentia em relação ao retorno a solo soviético, Gromov teria respondido: “Alegria, por termos cumprido nosso dever e voltado para casa. Não lamento nada”.

A evacuação americana de Cabul será julgada com base em quantas pessoas foram retiradas do país e quantas foram deixadas para trás. Mas Donahue e seus camaradas ainda vão conservar na memória imagens de seus derradeiros e caóticos dias em Cabul: pais lhes passando bebês por cima da cerca de arame farpado, dois jovens afegãos caindo de um avião que decolava, e as consequências de um ataque do Estado Islâmico diante do aeroporto, que matou dezenas de afegãos e 13 militares americanos.