domingo, 1 de outubro de 2017

Debate superficial ajudou a disseminar ilusões sobre queda da desigualdade, FSP



RESUMO Autor explica por que prevaleceu a percepção de que a desigualdade caiu no Brasil nos últimos anos. Mostra que houve ganhos em todas as classes, em parte derivados da conjuntura internacional, mas que isso não afetou a concentração de renda. Afirma que debate precisa incluir reformas nos impostos, entre outras medidas.
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Provoca sentimentos ambivalentes a afirmação de que a desigualdade de renda no Brasil deste século, nos anos petistas em particular, não se alterou.
Por um lado, contrasta com pesquisas de opinião pública, estatísticas e estudos segundo os quais a vida material melhorou no país quase inteiro.
De outro, contribui para a tese de que algo se moveu a fim de que o país continuasse o mesmo. Nos anos petistas, de acordo com essa hipótese, o governo se valeu da conjuntura econômica favorável para promover a "pax luliana": o apaziguamento de conflitos e a satisfação de interesses de classes variadas sem bulir com a espinha do esqueleto socioeconômico.
O esclarecimento de um conceito simples dissolve parte da confusão. O rendimento de todas as classes aumentou de modo quase contínuo de 2004 a 2014, algo inédito provavelmente desde a ditadura militar (não há dados precisos anteriores a 1976). O bolo cresceu e, claro, as fatias também, mas na mesma proporção: a renda de cada grupo aumentou, mas a desigualdade permaneceu a mesma.
No entanto, ideias dominantes na política —da esquerda à direita— e no debate acadêmico sugeriam que o Brasil encontrara uma via pacífica de redução da desigualdade.
Tal percepção talvez tenha predominado no debate público porque explicava a queda da iniquidade por meio de fatores social e politicamente menos conflituosos, além de legitimar o partido no poder e grupos associados a ele, de sindicatos a empresários. Deu-se ênfase aos efeitos positivos e incrementais da diminuição da desigualdade educacional entre trabalhadores e do aumento das transferências sociais dirigidas aos mais pobres, como o Bolsa Família.
Ficaram à margem pesquisas e debates sobre a concentração de rendimentos e patrimônio nos grupos mais ricos, sobre a rentabilidade do capital (empresas, aplicações financeiras, imóveis) e sobre as iniquidades provocadas pela cobrança desigual de impostos.
Houve pouco debate sobre os motivos das diferenças de atributos individuais, como o nível de educação, ou de discriminações (por gênero ou cor, por exemplo), fatores de explicação de desigualdades nos estudos predominantes. Por exemplo: que tipo de mercado, relações de poder e de governo produzem diferenças de acesso à educação, a subsídios estatais e ao mercado de trabalho?
Menos ainda se discutiu como o próprio funcionamento desta nossa peculiar economia de mercado produz desigualdade, embora houvesse análises críticas sobre empresas e corporações que se beneficiam de favores oficiais, legais ou não (debate explosivo desde o 2014 da Lava Jato). O esquecimento desses termos do problema contribuiu para disseminar ilusões sobre ricos e pobres nos anos petistas.
O QUE MELHOROU
Mas houve melhorias. A economia (o PIB) cresceu no ritmo de cerca de 1,3% ao ano entre 1992 e 2002. De 2002 a 2012, a 2,6%. O consumo das famílias per capita crescia bem mais rápido nesse último período, o do auge dos anos petistas: 3,15% ao ano. O rendimento dos 40% mais pobres aumentava em padrão ainda mais acelerado, a 6,4% ao ano. Os domicílios pobres eram 27% das casas do país em 2002 e 10% em 2014.
O salário mínimo elevou não só rendimentos do trabalho mas também o valor do piso dos benefícios da Previdência e da assistência social. Cresceu 4,5% ao ano no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), 5,6% no do petista Lula (2003-2010) e 4,8% ao ano em todo o período do PT (2003-2016). Passou do equivalente a 31% da renda média nacional em 2002 para mais de 40% desde 2010.
O rendimento dos 10% mais pobres mais que dobrou (foi multiplicado por 2,6 vezes) de 2003 a 2014. O rendimento intermediário (da fatia entre os 40% mais pobres e os 40% mais ricos) dobrou. Nesses anos, o crédito bancário saltou de 23% do PIB para 54%.
consumo de bens duráveis, como eletrodomésticos ou carros, cresceu bem mais do que o acesso à infraestrutura social (como esgoto), processo que ficou plasmado em imagens caricaturais dos anos Lula, como a do "pobre que compra TV de tela plana" e a da "inclusão pelo consumo".
Preços de bens como carros, motos e máquinas de lavar roupa estagnaram ou caíram de 2002 a 2012. Celulares e TVs ficaram cerca de 36% mais caros. Trata-se de aumentos inferiores ao da alta média de preços. Nesses anos, a inflação acumulada foi de 50%, ao passo que os rendimentos médios (medidos pela Pnad) cresceram 70% em termos reais (além da inflação).
O preço médio de serviços como planos de saúde e creche, por exemplo, cresceu mais de 100%. Os serviços pessoais (de salões de beleza a costureiros, passando por cartórios, despachantes e serviços bancários) encareceram 129%.
As razões por trás dessas mudanças de preços relativos e do aumento do consumo se deveram, em parte importante, à conjuntura econômica internacional excepcionalmente favorável.
MUNDO FAVORÁVEL
O tão falado "boom de commodities", derivado do crescimento econômico mundial acelerado, em especial o da China, teve influência forte na expansão da economia brasileira e nos salários.
A alta nos preços das exportações brasileiras provocou mudanças em cadeia na economia. O real se valorizou (o "dólar ficou barato"), as importações aumentaram. Os preços de produtos industrializados baixaram; os serviços ficaram mais caros.
O setor de serviços, que então cresceu relativamente mais depressa, emprega muita mão de obra, de resto de menor qualificação. A conjuntura internacional, portanto, favoreceu o aumento do emprego dos mais pobres.
Enfim, houve aumento da demanda de trabalho menos qualificado, mais oferta de "capital humano" qualificado (pessoas com mais anos de estudo) e, aparentemente, menos demanda relativa desse trabalhador mais treinado. Nesse balanço de oferta e procura, o salário de trabalhadores menos qualificados cresceu mais depressa.
No resumo muito estilizado dessa ópera, a desigualdade caiu devido às transformações no mercado de trabalho —derivadas, entre outros fatores, da conjuntura econômica mundial, de melhorias educacionais e do crescimento menor da população—, à extensão da cobertura das transferências sociais (mais gente passou a receber benefícios sociais) e a aumentos do salário mínimo.
Ou melhor, a desigualdade caiu segundo os estudos prevalecentes até 2014, quando apareceu a nova geração de pesquisas de desigualdade. Tais trabalhos indicam que a redução da iniquidade de renda ocorreu, se tanto, entre os 80% ou 90% mais pobres do país. Isto é, se desconsiderada a concentração de renda no topo, nos 10% mais ricos.
RIQUEZA E DESIGUALDADE
As pesquisas recentes sobre a concentração de renda no topo da distribuição ainda não exploraram a origem dos rendimentos dos mais ricos no Brasil. Não há estudos de peso sobre o patrimônio (imóveis, aplicações financeiras, empresas) nem dados suficientes para destrinchar a relação entre posse do capital e rendimentos.
Mas há estudos parciais sobre outros motivos de desigualdade.
Os impostos diretos (cobrados sobre a renda e o patrimônio, como o Imposto de Renda e o IPTU) são ligeiramente progressivos (reduzem a desigualdade); os impostos indiretos (como aqueles sobre o consumo) aumentam a desigualdade (levam cerca de 30% da renda dos 10% mais pobres e 12% da renda dos 10% mais ricos, pelas pesquisas domiciliares).
A América Latina, Brasil inclusive, é a região que mais cobra impostos indiretos, mais primitivos e regressivos. Além do mais, pagamentos do governo, como salários e aposentadorias de servidores com valores elevados, contribuem para a desigualdade.
Há outros motivos suspeitos e de apuração mais complexa. Quais regras, formais e informais, favorecem a concentração de renda? Grandes empresas e negócios rurais, por exemplo, recebem crédito subsidiado (ou seja, a juros mais baratos que os de mercado). A partir de 2010, em particular, houve redução de impostos para empresas e assalariados com altos rendimentos e que recebem por meio de empresas (ditos pejotizados).
Por que no Brasil os preços dos bens de consumo e o retorno do capital (isto é, as taxas de juros e a rentabilidade das empresas) são ou parecem mais altos do que em outros países? Quanto disso se explica pela concentração da posse do capital e, em geral, pela falta de competição (inclusive com o exterior)?
A desigualdade no mercado de trabalho, por exemplo, não se limita a salários. Há diferenças regionais. No Nordeste, cerca de 50% dos trabalhadores estão no mercado informal ou sem rendimento (sem carteira, por conta própria ou no auxílio familiar); no Sudeste e no Sul, são 34%. No Nordeste, a proporção de pessoas ocupadas em relação à população em idade de trabalhar é de 46%; no Sul e no Sudeste, de 57%. São indícios fortes de exclusão do mercado, um fator de desigualdade e pobreza.
REFORMAS
Alterar a composição dos impostos (de indiretos para diretos), tornar mais justas as transferências líquidas do governo (salários e benefícios de servidores, reduções de impostos para mais ricos) e tributar heranças são medidas que podem mudar um tanto o padrão da desigualdade.
No entanto, provocam embate sociopolítico forte (o mero tabelamento dos salários no Judiciário é uma guerra, note-se), e talvez por isso sejam negligenciadas no debate e na política.
Deve-se lembrar, contudo, que mudanças na tributação (na composição ou no total da carga tributária) raramente são um jogo de Robin Hood, mera transferência automática sem consequências econômicas negativas (por exemplo, variações indesejáveis nos estímulos econômicos para conseguir uma renda mais elevada; variações nos preços, no nível de poupança e investimento, na eficiência).
É preciso mais do que reformas nos impostos, na iniquidade dos pagamentos do Estado, no acesso ao mercado de trabalho, na oferta de oportunidades sociais iguais, na competição econômica. As economias dos países hoje ricos cresceram muito com aumento contínuo, acelerado e progressivo da carga tributária, entre os anos 1940 e 1970 –é verdade que ao custo da lembrança de guerras e sob ameaça de revoluções sociais.
Afinal, o grupo dos mais ricos do país, com apenas 1% dos brasileiros, leva em torno de 25% dos rendimentos, de acordo com estudos independentes dos pesquisadores Pedro Souza (Ipea) e Marc Morgan Milá (do instituto liderado pelo francês Thomas Piketty ).
Se fosse possível reduzir a concentração de renda nesse topo a um nível japonês ou francês em favor dos 50% mais pobres, o rendimento dessa metade da população quase dobraria.
VINICIUS TORRES FREIRE, 51, colunista da Folha, é sociólogo pela USP e mestre em administração pública por Harvard. 

Irmãos Batista venderam quase metade da JBS para salvar império, FSP



Zanone Fraissat/Folhapress
Wesley e Joesley Batista, da JBS, empresa da holding J&F
Wesley e Joesley Batista, da JBS, empresa da holding J&F

Desde que veio a público a delação premiada, os irmãos Joesley e Wesley Batista já se desfizeram de praticamente metade dos negócios para salvar seu império.
As empresas vendidas até agora foram avaliadas em R$ 24,4 bilhões, enquanto o valor de mercado das companhias que ainda pertencem à família está em cerca de R$ 26,4 bilhões.
Banqueiros ponderam, no entanto, que os investidores vêm subavaliando a JBS, carro-chefe do grupo, enquanto o comprador da fabricante de celulose Eldorado pode ter sido otimista demais –o negócio foi avaliado em R$ 15 bilhões.
Uma evidência disso é que as empresas já vendidas têm juntas receita líquida equivalente a 9% dos cerca de R$ 170 bilhões da JBS.
A JBS vale na Bolsa R$ 23 bilhões, mas os especialistas do setor acreditam que poderia ser muito maior se ela abrisse capital no exterior –projeto que travou após a prisão dos dois irmãos.
Desde que o escândalo estourou, a estratégia adotada pelos Batista tem sido preservar o máximo que puderem a JBS, fundada pelo seu pai em 1953, e vender todo o resto para pagar dívidas e acalmar os credores.
Os irmãos venderam também Alpargatas (R$ 3,5 bilhões), Vigor (R$ 4,3 bilhões), metade da Itambé (R$ 600 milhões), e as operações da JBS no Mercosul (R$ 1 bilhão).
Eles têm ainda o Banco Original (avaliado em R$ 2,2 bilhões), as termelétricas da Âmbar (R$ 800 milhões) e a empresa de higiene e limpeza Flora (R$ 400 milhões).
A Âmbar e as marcas da Flora estão à venda, mas não tem sido fácil encontrar um comprador. Já o banco está envolvido em operações investigadas pela Justiça.
CRONOLOGIA
1953 - Cinco bois por dia era o abate da casa de carnes aberta por José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, em Brasília
1968 - Compra do primeiro frigorífico, em Planaltina (DF)
1970 - Adquire a segunda unidade, em Luziânia (GO)
1990 - Wesley e Joesley passam a atuar em frigoríficos da família
1994-2000 - Forte expansão com a compra de frigoríficos concorrentes em dificuldade financeira
2005 - Começa a internacionalização. Compra da Swift Armour, na Argentina, com crédito do BNDES
2007 - Abertura de capital na Bolsa de SP. Compra da Swift no exte- rior, com apoio do BNDES, que se torna sócio da Flora, empresa de higiene
2008 - Compra da área de bovinos da Smithfield e do confinamento Five Rivers nos EUA, também com crédito do BNDES, e do Tasman Group na Austrália
2009 - Compra da Pilgrim's Pride nos EUA. Início do abate de aves. Fusão com o frigorífico Bertin no Brasil. No negócio vem a Vigor
2010 - Expansão das operações na Austrália com duas aquisições e compra de grupo na Bélgica
2011 - Compra marcas da Hypermarcas e reforça a Flora. Fusão do Banco JBS, que era da família, com o Banco Matone (adquirido) cria o Banco Original
2012 - Criação da hol- ding J&F. Entra em frango no Brasil, energia e celulose, junto com fundos de pensão, Petros e Funcef, e crédito do BNDES e do FI-FGTS
2013 - Com a compra da Seara, JBS se torna a maior processadora de frango do mundo. Vigor compra 50% da Itambé
2014 - Aquisição da Tyson no Brasil e no México, e da Primo, na Austrália. J&F se torna o maior financiador de campanha do Brasil, gastando R$ 367 milhões
2015 - Compra da Alpargatas no Brasil, da processadora de frango Moy Park na Europa e do negócio de suínos da Cargill nos EUA
2016 - BNDES veta reestruturação da JBS que levaria sede fiscal para a Irlanda
2017
Março: Aquisição da Plumrose, nos EUA.
Julho: JBS renegocia dívida com os bancos
Julho: J&F inicia o processo de venda de ativos 

do marcas da crise imposto de renda previdência folhainvest o brasil que dá certo Norte-Sul sai atrás de carga para fazer ferrovia render NO CAMINHO DA NORTE-SUL 1 de 11 Karime Xavier/FolhapressAnteriorPróxima AnteriorPróxima ANA ESTELA DE SOUSA PINTO ENVIADA ESPECIAL A PORTO NACIONAL (TO) E SÃO LUÍS (MA) 01/10/2017 02h00 Compartilhar43 Mais opções Na tela da sala refrigerada surge a imagem de dois vagões. Um clique, e comportas se abrem para despejar 100 toneladas de grão em cada um deles. Em sete minutos. Sem manobras ou montagem, a composição de 80 vagões fica pronta para partir em 6 horas —um trabalho que antes levava cinco dias. Locomotivas novas com potência de 4.400 cavalos (quatro vezes a de uma Ferrari na Fórmula 1) percorrem linhas de bitola larga (1,6 m entre a parte interna dos trilhos, o que permite levar até 30% mais carga) e chegam em três dias ao porto final. No trecho hoje em operação da ferrovia Norte-Sul, quase nada lembra os 30 anos de fraude em licitações, superfaturamento, atrasos, desperdício e abandono. A falta de planejamento, no entanto, ainda faz com que a via, considerada a espinha dorsal do transporte de cargas no Brasil, não funcione como deveria. Mas, agora, por excesso de capacidade. Com estrutura pronta para até 9 milhões de toneladas por ano, ela tem conseguido explorar cerca da metade desse potencial: não há vias que levem a soja e o milho das principais regiões produtoras até a linha férrea. LONGO DESVIO Além do investimento subutilizado da VLI, o país como um todo perde receitas. Sem conseguir exportar pelos portos do norte do país, o Mato Grosso (líder no país com 30% dos grãos colhidos) precisa mandar a produção para o Sul e o Sudeste, a um custo muito mais alto. Com base nos últimos dados disponíveis de origem/destino das exportações (de 2015), o especialista Luiz Antonio Fayet, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estima que Mato Grosso gasta com transporte até US$ 40 a mais por tonelada de soja que vende a US$ 400. Por ano, a diferença supera US$ 1,2 bilhão, e a tendência é de alta: dentre os três líderes globais (Brasil, Estados Unidos e Argentina), só os brasileiros ainda têm como ampliar fronteiras agrícolas. Atual líder na soja e vice-líder no milho, o país pode fazer isso sem desmatar, segundo Gustavo Spadotti Castro, analista do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite), da Embrapa. São três possibilidades simultâneas: elevar a produtividade com tecnologia, tirar mais safras por ano e ocupar áreas hoje degradadas por pastagens. SEM DESMATAR Nesse terceiro item, dar vazão à ferrovia Norte Sul é fundamental: cortar o custo de transporte torna viável ocupar áreas menos férteis do Centro Oeste brasileiro. Em Tocantins, principal área de influência da ferrovia, há cerca de 5.000 km² de pastagens degradadas (pouco menos que a área do Distrito Federal) que poderiam ser usadas para o plantio. Nos cálculos de Spadotti, resolver o gargalo logístico elevaria em 35% a produtividade do agronegócio brasileiro. "É o dobro do que seria obtido se fossem implementadas todas as tecnologias já desenvolvidas pela Embrapa e ainda não usadas." A pedido do governo, o Gite desenhou as rotas economicamente mais eficientes para escoar a produção agrícola nacional nas chamadas "bacias logísticas", que funcionam como se fossem bacias hidrográficas. Também elencou oito obras prioritárias para desviar para o norte o volume de produção que deveria estar sendo exportado por lá. Dentre elas está a BR-080, vista como fundamental para fazer chegar grãos do leste do Mato Grosso até a Norte-Sul. 200 KM Faltam cerca de 200 km de estrada (mais ou menos como ir de São Paulo a Ilha Bela, no litoral norte), entre as cidades de Ribeirão Cascalheira (MT) e Luiz Alves (GO), e uma ponte sobre o rio Araguaia para que a estrada chegue ao trecho central da ferrovia, cujas linhas férreas estão prontas (o leilão é previsto para fevereiro ). A construção é uma das prioridades do movimento Pró Logística, que reúne várias associações de produtores e é presidida pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja). Hoje, essa produção vai até São Simão (GO) e de lá ao porto de Santos, ou segue até Araguari (MG) onde embarca num trem para Vitória (ES) e de lá vai a Santos. A nova rota reduziria o custo em 30%, diz o presidente da Aprosoja, Endrigo Dalcin. Mas a rodovia ainda não tem as licenças ambiental e indígena e não há estimativa de prazo nem de custo. Ainda assim, é a opção mais viável para otimizar a Norte Sul no médio prazo. A Fico, ferrovia projetada para fazer a conexão da Norte Sul com Lucas do Rio Verde (no centro da produção mato-grossense), não ficaria pronta em menos de 15 anos. Mesmo a priorização dessas oito obras pode não ser suficiente, alerta Spadotti: "O Brasil tem atingido projeções muito antes do que esperavam as mais otimistas das expectativas", diz. Nas estimativas da Embrapa, resolvidos os gargalos de acesso, outro já terá se formado: os portos precisarão se preparar para aumentar sua capacidade em cerca de 15 milhões de toneladas, para dar vazão ao volume de exportações. Enquanto isso, a VLI procura alternativas próprias para "suar os ativos" que ligam Porto Nacional (TO) ao porto de Itaqui, em São Luís (MA) e consumiram R$ 1,7 bilhão em investimentos e, desde 2014, escoaram 11,7 milhões de toneladas de grãos. "A infraestrutura chegou primeiro, e agora é preciso fomentar a carga", diz Fabiano Lorenzi, diretor comercial e de novos negócios da companhia. Karime Xavier/Folhapress PALMAS / TOCANTINS / BRASIL - 09/09/17 - :00h - Visitamos o terminal de transbordo em Palmas e o terminal portuário em Itaqui. TERMINAL INTEGRADOR DA VLI - TI PALMEIRANTE. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***MERCADO Locomotivas da ferrovia Norte Sul no terminal de Porto Nacional, na região de Palmas (TO) DE BARCAÇA Um eixo foi a travessia de caminhões por balsa em Caseara, que começou a funcionar em abril deste ano. Viagens que levavam 20 horas passaram a levar duas, e cerca de 1.200 bi-trens já pegaram a barcaça para chegar à ferrovia, elevando em até 7% o volume recebido do leste e nordeste do Mato Grosso e do sul do Pará. A empresa também faz "road shows" para atrair produtores até as proximidades da ferrovia. Um exemplo é a cooperativa Frísia (ex-Batavo), que em maio do ano passado decidiu abrir sua primeira unidade fora do Paraná, em Paraíso de Tocantins. A expansão era necessária, diz Emerson Moura, superintendente da Frísia, porque não havia mais terrenos suficientes para absorver as novas gerações de cooperados. Três fatores embasaram a escolha por Tocantins: a logística (a presença da ferrovia e a posição central no país), o valor da terra (mais baixo que em outras regiões produtoras) e a fraca tradição cooperativista (que garantia boa oportunidade de negócios). Desde então, mais de 30 cooperados se instalaram na região, ocupando 18 mil hectares e produzindo 54 mil toneladas de grãos. O plano era chegar a 50 mil hectares em cinco anos, mas as expectativas foram superadas e a Frísia já decidiu duplicar sua unidade de armazenamento. O agronegócio representa hoje 54% da receita da VLI, que planeja completar em 2019 seu plano de investimentos de R$ 9 bilhões. No eixo Norte-Sul, os grãos representam 70% do volume transportado., FSP

ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO NACIONAL (TO) E SÃO LUÍS (MA)
01/10/2017  02h00
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Mais opções
Na tela da sala refrigerada surge a imagem de dois vagões. Um clique, e comportas se abrem para despejar 100 toneladas de grão em cada um deles. Em sete minutos.
Sem manobras ou montagem, a composição de 80 vagões fica pronta para partir em 6 horas —um trabalho que antes levava cinco dias.
Locomotivas novas com potência de 4.400 cavalos (quatro vezes a de uma Ferrari na Fórmula 1) percorrem linhas de bitola larga (1,6 m entre a parte interna dos trilhos, o que permite levar até 30% mais carga) e chegam em três dias ao porto final.
No trecho hoje em operação da ferrovia Norte-Sul, quase nada lembra os 30 anos de fraude em licitações, superfaturamento, atrasos, desperdício e abandono.
A falta de planejamento, no entanto, ainda faz com que a via, considerada a espinha dorsal do transporte de cargas no Brasil, não funcione como deveria. Mas, agora, por excesso de capacidade.
Com estrutura pronta para até 9 milhões de toneladas por ano, ela tem conseguido explorar cerca da metade desse potencial: não há vias que levem a soja e o milho das principais regiões produtoras até a linha férrea.
LONGO DESVIO
Além do investimento subutilizado da VLI, o país como um todo perde receitas.
Sem conseguir exportar pelos portos do norte do país, o Mato Grosso (líder no país com 30% dos grãos colhidos) precisa mandar a produção para o Sul e o Sudeste, a um custo muito mais alto.
Com base nos últimos dados disponíveis de origem/destino das exportações (de 2015), o especialista Luiz Antonio Fayet, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estima que Mato Grosso gasta com transporte até US$ 40 a mais por tonelada de soja que vende a US$ 400.
Por ano, a diferença supera US$ 1,2 bilhão, e a tendência é de alta: dentre os três líderes globais (Brasil, Estados Unidos e Argentina), só os brasileiros ainda têm como ampliar fronteiras agrícolas.
Atual líder na soja e vice-líder no milho, o país pode fazer isso sem desmatar, segundo Gustavo Spadotti Castro, analista do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite), da Embrapa. São três possibilidades simultâneas: elevar a produtividade com tecnologia, tirar mais safras por ano e ocupar áreas hoje degradadas por pastagens.
SEM DESMATAR
Nesse terceiro item, dar vazão à ferrovia Norte Sul é fundamental: cortar o custo de transporte torna viável ocupar áreas menos férteis do Centro Oeste brasileiro.
Em Tocantins, principal área de influência da ferrovia, há cerca de 5.000 km² de pastagens degradadas (pouco menos que a área do Distrito Federal) que poderiam ser usadas para o plantio.
Nos cálculos de Spadotti, resolver o gargalo logístico elevaria em 35% a produtividade do agronegócio brasileiro. "É o dobro do que seria obtido se fossem implementadas todas as tecnologias já desenvolvidas pela Embrapa e ainda não usadas."
A pedido do governo, o Gite desenhou as rotas economicamente mais eficientes para escoar a produção agrícola nacional nas chamadas "bacias logísticas", que funcionam como se fossem bacias hidrográficas.

Também elencou oito obras prioritárias para desviar para o norte o volume de produção que deveria estar sendo exportado por lá. Dentre elas está a BR-080, vista como fundamental para fazer chegar grãos do leste do Mato Grosso até a Norte-Sul.
200 KM
Faltam cerca de 200 km de estrada (mais ou menos como ir de São Paulo a Ilha Bela, no litoral norte), entre as cidades de Ribeirão Cascalheira (MT) e Luiz Alves (GO), e uma ponte sobre o rio Araguaia para que a estrada chegue ao trecho central da ferrovia, cujas linhas férreas estão prontas (o leilão é previsto para fevereiro ).
A construção é uma das prioridades do movimento Pró Logística, que reúne várias associações de produtores e é presidida pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja).
Hoje, essa produção vai até São Simão (GO) e de lá ao porto de Santos, ou segue até Araguari (MG) onde embarca num trem para Vitória (ES) e de lá vai a Santos. A nova rota reduziria o custo em 30%, diz o presidente da Aprosoja, Endrigo Dalcin.
Mas a rodovia ainda não tem as licenças ambiental e indígena e não há estimativa de prazo nem de custo. Ainda assim, é a opção mais viável para otimizar a Norte Sul no médio prazo.
A Fico, ferrovia projetada para fazer a conexão da Norte Sul com Lucas do Rio Verde (no centro da produção mato-grossense), não ficaria pronta em menos de 15 anos.
Mesmo a priorização dessas oito obras pode não ser suficiente, alerta Spadotti: "O Brasil tem atingido projeções muito antes do que esperavam as mais otimistas das expectativas", diz.
Nas estimativas da Embrapa, resolvidos os gargalos de acesso, outro já terá se formado: os portos precisarão se preparar para aumentar sua capacidade em cerca de 15 milhões de toneladas, para dar vazão ao volume de exportações.
Enquanto isso, a VLI procura alternativas próprias para "suar os ativos" que ligam Porto Nacional (TO) ao porto de Itaqui, em São Luís (MA) e consumiram R$ 1,7 bilhão em investimentos e, desde 2014, escoaram 11,7 milhões de toneladas de grãos.
"A infraestrutura chegou primeiro, e agora é preciso fomentar a carga", diz Fabiano Lorenzi, diretor comercial e de novos negócios da companhia.
DE BARCAÇA
Um eixo foi a travessia de caminhões por balsa em Caseara, que começou a funcionar em abril deste ano.
Viagens que levavam 20 horas passaram a levar duas, e cerca de 1.200 bi-trens já pegaram a barcaça para chegar à ferrovia, elevando em até 7% o volume recebido do leste e nordeste do Mato Grosso e do sul do Pará.
A empresa também faz "road shows" para atrair produtores até as proximidades da ferrovia. Um exemplo é a cooperativa Frísia (ex-Batavo), que em maio do ano passado decidiu abrir sua primeira unidade fora do Paraná, em Paraíso de Tocantins.
A expansão era necessária, diz Emerson Moura, superintendente da Frísia, porque não havia mais terrenos suficientes para absorver as novas gerações de cooperados. Três fatores embasaram a escolha por Tocantins: a logística (a presença da ferrovia e a posição central no país), o valor da terra (mais baixo que em outras regiões produtoras) e a fraca tradição cooperativista (que garantia boa oportunidade de negócios).
Desde então, mais de 30 cooperados se instalaram na região, ocupando 18 mil hectares e produzindo 54 mil toneladas de grãos.
O plano era chegar a 50 mil hectares em cinco anos, mas as expectativas foram superadas e a Frísia já decidiu duplicar sua unidade de armazenamento.
O agronegócio representa hoje 54% da receita da VLI, que planeja completar em 2019 seu plano de investimentos de R$ 9 bilhões. No eixo Norte-Sul, os grãos representam 70% do volume transportado.