segunda-feira, 27 de maio de 2013

O que o rumor revela, por Renato Janine Ribeiro*


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link Pega na mentira
No dia 11, multidões foram às lotéricas, apavoradas com a ideia de que ia acabar o Bolsa Família – ou apressadas em receber um extra de Dia das Mães que seria pago apenas naquele dia. Não adiantaram desmentidos das lotéricas. Como isso ocorreu em quase metade dos Estados, fica a pergunta: quanto pode um rumor falso? Como tantas pessoas acreditam numa bobagem dessas, que felizmente não feriu nem matou ninguém?

No Barbeiro de Sevilha, de Rossini, dois velhos tentam impedir o amor dos jovens. Para isso, usam a calúnia. Como ela atua? Ela é uma mentira. Começa baixinho, para apagar suas origens; cresce; forma uma rede, garantindo anonimato; torna-se irrefreável; e elimina “o infeliz caluniado”. Nos boatos do fim de semana, estiveram presentes o anonimato, a torrente e a maldade.

Quem inventou e difundiu o rumor foi antiético. A mentira perturbou vidas. É preciso apurar os fatos. Aparentemente, foi um rumor de ouvir dizer. Não creio que tenha saído pelas redes sociais; se assim fosse, alguém já teria descoberto onde, quando e por quem.

Mas a grande questão é: como circulam ideias, opiniões e mentiras? Foi tudo orquestrado por ligações de celular, para várias cidades, de modo a espalhar o medo? Essa interpretação está perto da teoria da conspiração – o que não significa que esteja errada, porque também paranoicos são perseguidos. Ou o rumor se terá alastrado, espontaneamente, em horas, por dezenas de cidades? A hipótese da conspiração é mais plausível que a da geração espontânea. O caso merece um estudo interdisciplinar. A curto prazo, a polícia precisa intervir, com o objetivo principal, mas não único, de punir. A médio, a academia deve interpretar, com o objetivo de compreender a comunicação informal em nossos dias.

Há uma diferença. A polícia vai apurar como criminosos enganaram suas vítimas. Só que a grande pergunta, que cabe à academia, é: como pode alguém ser vítima de um conto tão mal contado? Como se dá crédito a rumores absurdos? Alguém em sã consciência pode crer que, sem aviso pelos meios de comunicação, sem nada nos jornais ou blogs, o governo cortaria um benefício social para – esse é o lado cômico da coisa – pagar a recepção ao papa Francisco? O crédulo precisa ignorar totalmente como funcionam a sociedade, o Estado, para cair nessa.

Temos uma democracia, um Estado de Direito. Se a Presidência pudesse suspender o Bolsa Família de repente, ou desse poucas horas para sacar o bônus de Dia das Mães, nosso regime seria despótico, não democrático. Acreditar nesse tipo de rumor é não saber o que é a democracia. E crer nessas bobagens não é distintivo de pessoas incultas. Quanta gente não reproduz notas dos sites de humor levando-as a sério?

Um ex-candidato a presidente, antigo e culto comunista, assim acreditou na nota do G17 segundo o qual Dilma teria mandado escrever “Lula seja louvado” nas cédulas de real. Ele não percebeu que a presidente não pode fazer isso legalmente, nem que ela jamais o faria. Possuído pela paixão, acreditou. Ou vejam, na internet, a imagem do fazendão do filho de Lula – fazendão esse que, na verdade, é a sede da Esalq, a escola de agronomia que é um dos orgulhos da USP e do Brasil. Um conhecido postou a denúncia da tal fazenda no Facebook; alertei-o de seu erro. Respondeu-me: quero uma certidão negativa. Queria ele que o diretor da escola de agricultura o desse? O episódio só ilustra a ignorância convertida em sem-vergonhice: a pessoa descobre que errou, mas, em vez de se desculpar ou retratar, ou de se envergonhar, reitera. Transforma o erro em mentira. Há até quem diga: com tudo o que acontece no Brasil, seria possível.

Por que, então, a recepção do absurdo? À primeira vista, ela se explicaria pela ignorância dos desinformados. Quem sabe, por serem carentes, os beneficiários do Bolsa Família seriam mais crédulos, só conhecendo do Estado a dimensão assistencial? Mas pessoas supostamente educadas também veiculam absurdos. Será essa uma fragilidade de nossa democracia? Um ponto fraco de nossa educação política?

Tenho insistido em que nossa democracia é mais forte no plano das instituições que no da crença nela depositada. Temos eleições limpas como nunca antes. As campanhas são razoáveis, embora não perfeitas. Mas candidatos e mesmo eleitores demonizam o adversário, o que lhes dá nota zero em sociabilidade democrática, porque o bê-á-bá da democracia é que disputamos com adversários, não com inimigos. Inimigos, na guerra, nós matamos. Com adversários, na paz, disputamos. É diferente. Mas não é assim que a democracia tem sido vivida, aqui, pelos seres de carne e osso que elegem e são eleitos. Se usarmos conceitos de Montesquieu, eu diria que a natureza da democracia, seu conceito, sua descrição, sua instituição, vão bem, obrigado, no Brasil; mas o princípio dela, a paixão que os cidadãos sentem por ela, o movimento que lhe confere vida, isso é bem fraco entre nós. Dar fé a rumores estúpidos faz parte dessa fragilidade democrática. Podemos extrair daí uma lição: é preciso educação política em democracia. Na política, a razão funciona melhor que esse mau pensamento mágico, que acredita que decisões de governo são atos de prestidigitação, em que por um passe de magia se dá sumiço a uma bolsa ou se cria um bônus dela, como se numa sociedade complexa as instituições funcionassem baseadas no pó de pirlimpimpim.

*RENATO JANINE RIBEIRO, PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP, É AUTOR DE A SOCIEDADE CONTRA O SOCIAL – O ALTO CUSTO DA VIDA PÚBLICA NO BRASIL (COMPANHIA DAS LETRAS)

Momentos decisivos para a indústria química, por Arnaldo Jardim



A História mostra que não há desenvolvimento industrial sustentável sem uma forte e consolidada indústria química. E isso é particularmente notável, por exemplo, na Alemanha, Estados Unidos, França e Inglaterra, fabricantes de remédios, tintas, tecidos, alimentos industrializados e tantos outros produtos marcados em nossas memórias. Essa indústria é base de muitos outros setores industriais: cerca de 95% do que é fabricado no Planeta abriga produtos ou substâncias oriundos da indústria química. E movimenta uma extensa cadeia de fornecedores de matérias primas, insumos, serviços de manutenção, máquinas, equipamentos, segurança, transportes etc.
A indústria química brasileira é a sexta maior do mundo, com receita de R$ 300 bilhões anuais foi responsável por 10% do PIB industrial e quase 3% do PIB do país, em 2012; emprega 790 mil trabalhadores qualificados e paga salários 60% acima da média da indústria. A petroquímica brasileira, fortaleceu-se muito nos últimos 10 anos, saindo de uma posição periférica no ranking mundial quando foi criada a Braskem. A empresa, que nem figurava entre as 50 mais importantes, está hoje entre as dez maiores petroquímicas do mundo.
Mas a situação está longe de ser confortável, como demonstraram os debates no seminário “Indústria Química: Uma Agenda para Crescer”, realizado no último dia 21 de maio na Câmara dos Deputados, em Brasília. O evento foi promovido pelas Frentes Parlamentares em Defesa da Infraestrutura Nacional (da qual sou presidente) e em Defesa da Competitividade da Cadeia Produtiva do Setor Químico, Petroquímico e Plástico e organizado pelo jornal Valor Econômico com apoio da Abiquim.
Entre 1991 e 2012, as importações cresceram de 7% para 30% enquanto mais de 500 linhas de produtos foram fechadas. A competitividade depende de fatores como o preço das matérias primas, a infraestrutura logística, inovação e tecnologia, crédito, tributos e câmbio. E da forte concorrência centrada nos países que utilizam o gás como matéria-prima básica, fenômeno que se acentuou nesta década com o advento do gás de xisto nos Estados Unidos, onde a petroquímica renasceu com grande vigor.
A perda de competitividade é notável quando se compara o primeiro lugar mantido pela indústria química brasileira entre os segmentos industriais, de 1992 a 1994 e a quarta colocação para a qual se deslocou, desde 2008. O reflexo espelha-se no crescente déficit na balança comercial do setor, de US$ 20,7 bilhões, em 2010, para US $28,1 bilhões, em 2012, com previsão de alcançar US$ 30 bilhões neste ano.
O pré-sal trará enormes oportunidades por causa da oferta de gás associado à exploração do petróleo. O gás é matéria prima e importante insumo para o setor. É preciso desde já estabelecer incentivos e diferenciais para que apoie a retomada da indústria química nacional.
Em 2011, empresários e trabalhadores se reuniram com o governo federal no Conselho de Competitividade da Indústria Química, criado no âmbito do Programa Brasil Maior. O conselho projeta vendas internas da indústria química de US$ 260 bilhões por ano; oportunidades de investimentos de cerca de US$ 167 bilhões em produção e outros US$ 32 bilhões em pesquisa e desenvolvimento até 2020. Para isso entretanto será necessário um regime especial que prevê a suspensão de pagamentos de IPI, Pis PASEP e Cofins sobre bens e serviços utilizados em investimentos e incentivos à produção e pesquisa com recursos renováveis.
Em abril passado, o governo anunciou para a indústria química a ampliação dos créditos fiscais gerados pelas compras de matérias-primas petroquímicas, como nafta (base da indústria nacional) e de produtos da primeira geração petroquímica, como eteno, propeno etc., formalizada na MP 613/2013 que está sendo analisada em comissão mista da qual faço parte. As representações das indústrias saudaram o gesto como a demonstração inicial do propósito do governo federal de evitar o sucateamento da indústria e de preservar os empregos. Avaliaram as mudanças como ponto de partida que permita elevar a produção do setor industrial a um novo patamar tecnológico.
Agora será necessário ampliar a desoneração tributária, especialmente dos investimentos, e definir um tratamento diferenciado para o gás natural quando insumo industrial. O governo está bem avançado nesse sentido, segundo Heloísa Menezes, secretária do desenvolvimento da produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Aguardamos com muita expectativa o estudo sobre diversificação da indústria química que o BNDES financiará e deverá ser concluído em um ano, para permitir finalmente um planejamento de longo prazo.
 Seria um contrassenso histórico permitir a involução da química brasileira que já teve escolas de formação reconhecidas internacionalmente, tem pesquisa e desenvolvimento de qualidade associados à criação e fortalecimento da Petrobras e liderança mundial na produção de biopolímeros, com o plástico derivado do etanol da cana de açúcar, que aproveita as vantagens comparativas do país na área de matérias primas renováveis.
Com o pré-sal, o Brasil será um dos cinco maiores produtores de petróleo mundiais, situação que permitirá ao Estado mudar paradigmas. Especialmente se estiver preparado para desenvolver uma robusta indústria química que se ocupe intensivamente de pesquisa, inovação, da geração de produtos nobres destinados aos fármacos, intermediários químicos e polímeros modernos. Base para a retomada do vigor da indústria brasileira.
                             
Arnaldo Jardim é Deputado Federal (PPS/SP) e presidente da frente em Defesa da Infraestrutura Nacional

Atraso no saneamento

O Estado de S.Paulo
Em 2006, o governo petista prometeu, com a fanfarra habitual, que até 2024 todos os brasileiros teriam acesso a saneamento básico. Agora, esse objetivo - que, é bom que se diga, já deveria ter sido atingido há 50 anos - ficou para 2033. E no que depender da agilidade e do empenho do governo, não será surpresa se o prazo for esticado até o próximo século.
Uma pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que nada menos que 65% das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a construção de redes de coleta e tratamento de esgoto em 18 Estados estavam atrasadas, paralisadas ou nem sequer haviam sido iniciadas até dezembro de 2012.
O andamento dessas obras segue o padrão geral do PAC - um programa considerado essencial desde o governo Lula e que foi usado na campanha de Dilma Rousseff à Presidência para atestar sua alardeada capacidade gerencial, mas cujos balanços são frequentemente maquiados para disfarçar a lentidão que lhe é característica. Atrasos viram "redefinição de prazos", na peculiar linguagem dos burocratas petistas quando flagrados no pulo. A demora em concluir os projetos de saneamento, no entanto, significa bem mais do que prejuízo financeiro, porque contribui decisivamente para perenizar a pobreza, que se enraíza em ambientes nos quais faltam condições para a manutenção da saúde.
No caso da primeira fase do PAC, que teve início em 2007, apenas 19 das 112 obras observadas na pesquisa foram concluídas. Já no chamado PAC 2, que começou em 2010, 16 das 26 obras ainda não foram iniciadas. Segundo o Trata Brasil, o governo liberou apenas 47% dos recursos destinados ao PAC 1 e estima que nem metade das obras esteja pronta até 2015. Em relação ao PAC 2, foram liberados cerca de 50% das verbas. No total, estão previstos gastos de R$ 6,1 bilhões nas 138 obras analisadas no estudo.
O problema, como sempre, não é de falta de dinheiro, e sim de mau gerenciamento, e nesse quesito devem ser incluídos as prefeituras e os governos estaduais. No caso do PAC, os recursos são liberados conforme as obras são executadas; logo, se nem metade das verbas da primeira fase do PAC foi autorizada, é porque simplesmente as obras "não andam", disse o presidente do Trata Brasil, Édison Carlos.
As explicações para o atraso variam. Há demora na obtenção de licenças ambientais, falhas nas licitações e erros de projeto - que, em alguns casos, são constatados quando a obra já está perto de ser concluída, ampliando o prejuízo, pois os recursos já foram usados e o projeto tem de ser refeito. Um caso crítico é o de Teresina (PI), que tem uma cobertura de rede de esgoto de apenas 17% e cuja obra de ampliação do sistema foi interrompida por erro de concepção.
Os números mostram também que os atrasos estão se ampliando. No caso do PAC 1, as obras cuja situação é considerada "normal" caíram de 38 para 22 entre 2011 e 2012, ao passo que as obras paralisadas subiram de 32 para 45. Já no PAC 2, o andamento das obras é considerado "normal" em apenas seis casos, e somente uma havia sido concluída. No Sudeste, o porcentual de construções em atraso entre 2011 e 2012 saltou de 16% para 31%, enquanto no Sul passou de 5% para 35% e no Nordeste, de 27% para 41%.
Os principais atingidos pela demora das obras são os cidadãos que convivem diariamente com o esgoto a céu aberto na porta de casa. "Não aguento mais as promessas. Não temos esgoto tratado, água potável. Não temos nada", disse ao jornal O Globo (18/5) uma moradora de São Gonçalo (RJ) ao falar da estação de tratamento que foi prometida em 2007, mas cujas obras estão com apenas 30% concluídos.
Diante da constatação de que uma parte considerável dos brasileiros ainda não tem acesso a serviços essenciais, como água tratada e coleta de esgoto, mesmo com todas as promessas de palanque e os slogans marqueteiros, parece claro que a loquacidade do governo petista sobre o fim da miséria simplesmente não se sustenta.