segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Castro faz campanha junto a governoTrump para transformar Comando Vermelho em terrorista, Malu Gaspar - O Globo

 O governador Cláudio Castro está há pelo menos seis meses em campanha junto à gestão de Donald Trump para que os Estados Unidos declarem o Comando Vermelho organização narcoterrorista e apliquem às facções criminosas as sanções previstas para esse tipo de organização. Entre os cartéis de droga considerados terroristas pelo governo americano estão o venezuelano Tren de Aragua e o mexicano Los Zetas.


O governo Lula , porém, se opõe a essa classificação, porque teme que abra espaço não só para algum tipo de sanção contra empresas e bancos ou mesmo contra a União - como ocorre com o Irã , caso os EUA considerem por exemplo que o país não tem feito o suficiente para coibir o crime organizado. A mudança também poderia dar justificativa a uma ação mais invasiva dos EUA sobre o território brasileiro a pretexto de combater o narcoterrorismo, como vem ocorrendo com a Venezuela .

Castro e outros governadores de direita, porém, pretendem insistir no pleito, agora visando a aprovação de uma emenda no projeto de lei antifacção que o Palácio do Planalto está enviando ao Congresso.

No início de 2025, o governo do Rio entregou à embaixada dos Estados Unidos no Brasil um relatório em que lista o que seriam os benefícios da mudança de classificação. No documento confidencial obtido pela equipe da coluna, intitulado "Análise Estratégica: Inclusão do Comando Vermelho nas listas de sanções e designações dos EUA", a gestão Castro argumenta que "a crescente sofisticação, transnacionalidade e brutalidade do Comando Vermelho colocam esta organização dentro dos critérios estabelecidos pelas autoridades dos EUA para sanções econômicas, designações terroristas e bloqueio de ativos", conforme exigido pelo marco legal do país.

O relatório afirma ainda que a designação como organização terrorista "facilitaria pedidos de extradição de chefes do CV refugiados em países como Paraguai e Polícia", "abriria caminho para parcerias com Interpol, DEA, FBI e ONU no combate às redes de trafico e armamento pesado e "ampliaria o alcance de sanções para empresas de fachada e aliados econômicos do CV no exterior".

Esse último ponto é especialmente sensível aos integrantes do governo Lula envolvidos no debate. Para esses auxiliares do presidente, as sanções poderiam levar, por exemplo, à retirada de algum banco brasileiro do sistema swift de pagamentos globais caso os EUA definam que algum correntista faz parte ou está relacionado ao Comando Vermelho mesmo que não haja provas suficientes. "Seria uma tremenda irresponsabilidade", diz um auxiliar de Lula.

O exemplo sempre citado é a inclusão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes entre os alvos da Lei Magnitsky por supostas violações aos direitos humanos nas condenações de Jair Bolsonaro e os condenados pelos ataques de 8 de janeiro às sedes dos Tres Poderes em Brasília .

Como publicamos no blog em maio, o assessor do Departamento de Estado dos EUA David Gamble esteve no Brasil para discutir "organizações criminosas transnacionais e programas de sanções dos EUA voltados ao combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas".

No entanto, nenhum representante da Polícia Federal aceitou se encontrar com ele. A proposta é defendida por alas do Ministério Público de São Paulo , entre os quais a figura mais conhecida é o promotor Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-SP e jurado de morte do PCC.

Dias depois da visita de Gamble ao Brasil, Castro ainda esteve no escritório de Nova York da Drug Enforcement Administration (DEA), a divisão de combate às drogas do governo americano, para tentar fechar um acordo de cooperação com o governo estadual.

Hoje, porém, qualquer intercâmbio de informações ou equipamentos da DEA com o Brasil precisa passar pela Polícia Federal, que é o representante da União para a discussão internacional sobre o crime organizado.

A megaoperação da semana passada sobre os complexos do Alemão e da Penha e a chegada do projeto de lei anti facção ao Congresso deram novo fôlego aos defensores da nova classificação, que vão trabalhar para colocar essa proposta no centro do debate.

domingo, 2 de novembro de 2025

No mundo que comanda o País, retórica malandra de Oruam ganha do grito desesperado de Dona Joelma, Fernando Schuler, OESP

 

Atualização: 

“Foi um fracasso, um horror inominável”, disse a ministra Macaé Evaristo, sobre a operação no Rio de Janeiro. A ministra acertou na palavra, mas errou no alvo. O fracasso não é da operação. É do país inteiro. Se 130 pessoas perdem a vida em uma operação policial, há muito já nos convertemos em um fracasso. O drama carioca nos ensina algumas coisas. O crime se instala onde o Estado é frágil. Enquanto o caos se instala no Rio de Janeiro, lemos que São Paulo vem registrando o menor índice de homicídios e latrocínios dos últimos 25 anos. A esquerda não vai gostar da notícia pois é o outro lado que está no governo. E é aí que vive nosso problema. Jogamos pela janela o aprendizado sobre o que funciona, porque nossa prioridade é o proselitismo político.

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Outra coisa que sabemos: o Estado não pode abrir mão do controle territorial. Estudo recente mostrou que perto de um quarto de nossa população vive em áreas com forte controle do crime. Andamos no topo da América Latina, neste quesito. Foi exatamente o que assistimos. As favelas, no Rio, funcionam como uma espécie de estado de natureza, e não é por acaso que as pesquisas mostram um forte apoio de seus moradores à operação. Na base da sociedade, há um desejo de ordem. No mundo idealizado de certa elite ainda vigora uma irresponsável glamourização da violência. O tipo que mora em Ipanema, termina a noite do Sushi Leblon e pede, entre uma e outra taça, a “desmilitarização das PMs”. Uma glamourização do universo marginal que vem do fundo da nossa cultura. Da fronteira tênue entre o malandro, o herói e o bandido. Do “seja marginal, seja herói”, na obra de Hélio Oiticica sobre o bandido Cara de Cavalo. No fundo, o desvio ético consentido. Da violência que, de longe, não soa assim tão violenta. Da vida das pessoas que é um inferno, no mundo real, mas que por vezes serve como destino exótico, em um domingo de verão.

Sua prima-irmã é a filosofia Oruam. “Meu pai é reflexo da sociedade”, diz ele, falando do Marcinho VP, do Comando Vermelho, e um dos criminosos mais perigosos do Brasil. A frase vale para qualquer coisa. Mas, usada para justificar o crime e nossa inércia com a violência, se converte na armadilha perfeita. Sua negação veio da Joelma, a mãe do Artur, traficante jovem que teve a sorte de ser preso, na operação. “Você não é vítima da sociedade! É vítima de suas escolhas!”, gritou ela para o filho, cabisbaixo, no canto de uma delegacia. Do jeito que só uma mãe sabe dizer, ela dizia que acreditava nele, que a pobreza não produzia o crime, que havia um espaço para a escolha e a responsabilidade individual.

É o mesmo que penso sobre o Brasil. Vítima de suas próprias escolhas. Se o crime tomou conta da favela, é porque fomos escorregando, por conta própria, como o Artur. E não por falta de aviso. O ponto é que no mundo que comanda o País, a retórica malandra de Oruam ganha fácil do grito desesperado de Dona Joelma. E isto não deveria ser assim.

Muniz Sodré - Carta branca para o invisível, FSP

 Muniz Sodré

Deu no jornal que o italiano Salvatore Garau produziu uma escultura invisível, já vendida pelo equivalente a R$ 80 mil. O comprador tem à disposição apenas um suporte sem nada por cima, mas leva para casa o "espírito" e a assinatura do autor. É algo bizarro, mas pouco surpreendente no rol das extravagâncias que há muito tempo fazem o espetáculo nas galerias de arte em todo o mundo. Na verdade, a arte moderna é principalmente avaliada pela subjetividade do artista, materializada em sua valiosa assinatura.

A imagem mostra uma grande multidão de pessoas caminhando em uma rua. As pessoas estão vestidas de maneira variada, algumas usando casacos e capuzes, indicando um clima mais frio. O cenário é urbano, com edifícios ao fundo e sinais de trânsito visíveis. A maioria das pessoas parece estar concentrada em seu caminho, algumas olhando para frente e outras para baixo. A iluminação sugere que a foto foi tirada durante o dia, possivelmente no início da manhã ou no final da tarde.
Pessoas caminhando pela avenida Paulista; um eleitorado sem cara nem voz tem a mesma fajuta consistência política da escultura invisível do italiano espertalhão - Rafaela Araújo - 24.jun.25/Folhapress

O singular na experiência desse italiano é que ele faz dinheiro com invisibilidade: "Não vendi o nada, mas um vácuo cheio de energia". O comprador tem consciência de que paga por algo imaterial, mas como se ali estivesse presente o germe de uma invenção social e cultural, portanto, outra marca civilizatória, latente no invisível da sociedade, seu espírito. O fato é que a experiência social ultrapassa os aspectos sensíveis da vida comum, atribuindo significações a coisas potencialmente acolhidas pelo imaginário coletivo.

O fenômeno sugere alcance mais extenso. Numa pesquisa recente da ONG paulista More in Common sobre a polarização no Brasil, descobriu-se que a maioria da população (54%) é formada por dois segmentos, classificados como "invisíveis", que não têm posições extremas nem o menor grau de engajamento político. Os extremos, progressistas ou direitistas, são estridentes, logo, visíveis. Já os invisíveis não querem ver nem serem vistos, seu estatuto lógico é o do "um-qualquer", cujo lugar de fala dispensa a mediação, garantindo-se por si mesmo. É a natureza do conhecimento gerado pela rede eletrônica.

De fato, quando você informa algo a alguém, a sua fala tem de ser confiável, portanto, o dito precisa ser garantido por escuta e fala de outro. Se você é um-qualquer, a informação pode até ser operativa na prática. Mas, legitimada apenas pelo próprio falante, não pertence ao conhecimento consensual, que exige o reconhecimento implícito dos pares. Sem isso, o lugar de fala do um-qualquer fragmenta a confiança, logo, a credibilidade. É a realidade da internet.

Como razão própria, o escultor Garau provavelmente se apoiaria em sua frase de que "o vazio é uma forma de presença". Mas quando se trata da plenitude inerente à vida democrática, essa invisibilidade é socialmente disruptiva. É o que agora acontece no Brasil, onde a governança paralela e invisível das facções criminosas organizadas assusta a nação.

Na esfera pública, visibilidade funda a prática política. Basta ver Trump, uma hipervisibilidade midiática acima de partidos apagados. A luta das minorias pelo reconhecimento de suas vozes passa por sujeitos visíveis no espaço comum. Na falta disso, um eleitorado sem cara nem voz (54%), manipulado por financistas, bets mafiosas, extremistas, igrejas bilionárias e algoritmos, tem a mesma fajuta consistência política da escultura invisível do italiano espertalhão. Um corpo parasitado por aliens invisíveis ("narcoterrorismo", comunismo etc.) que a extrema direita inventa e finge combater.