quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Democratas cochilam, mas republicanos dão sinais de nervosismo sob Trump, Lúcia Guimarães, FSP

 

Enquanto o Partido Democrata tenta acordar do estupor das últimas semanas, quando as promessas da campanha eleitoral vitoriosa foram cumpridas (quem diria?), vale prestar atenção ao entorno da situação hoje no poder.

O fato de deputados e senadores da maioria no Congresso continuarem a demonstrar fidelidade robótica ao homem no comando do que é uma inegável crise constitucional não significa que estão dormindo bem.

O líder do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer, ao fundo, e o senador democrata Martin Heinrich, em primeiro plano, participam de entrevista coletiva em Washington, capital dos EUA - Kevin Dietsch - 29.jan.25/AFP

Paralisados por covardia e sede de poder que fariam o centrão brasileiro parecer um exemplo de civismo, republicanos sopram no ouvido de comentaristas que estão vivendo com profunda ansiedade —sob a proteção do anonimato, claro.

Todos os 435 deputados vão disputar reeleição em 2026, assim como 33 senadores, 20 deles republicanos. Um observador político sugeriu que eles se informem melhor sobre Isaac Newton e as leis da física, como a força gravitacional.

Mais da metade dos eleitores americanos votou em alguém que não se chama Donald Trump. O presidente obteve 49,8% dos votos populares e conta com uma das mais apertadas maiorias da história da Câmara. No momento, ele age como se tivesse um mandato supremo e parece claramente não compreender o quebra-quebra promovido na máquina federal pelo bilionário não eleito Elon Musk.

O grau de desinformação dos eleitores trumpistas ficou claro quando o Google revelou que as buscas pela palavra tarifa dispararam 2.400% nesta semana. Os americanos que votaram afirmando que a dúzia de ovos está mais cara, além de não saber que a culpa é da explosão da gripe aviária, não se informaram sobre o fato de que uma guerra comercial aumentaria o preço de inúmeros outros alimentos.

O coletivo invertebrado preguiçosamente chamado de mercado ainda não reagiu à tempestade de decisões com potencial de perturbar seu verão em megaiates no Mediterrâneo. Mas nota-se sinais de desconforto.

No mesmo dia em que o decrépito magnata de mídia Rupert Murdoch era elogiado por Trump —a quem ele pessoalmente detesta— no Salão Oval, seus dois jornais atacaram o presidente em editoriais. O tabloide New York Post argumentou sobre o perigo de entregar ao destrambelhado Robert F. Kennedy Jr. a gestão do Departamento de Saúde. E o Wall Street Journal publicou um editorial sob o título "A guerra comercial mais burra da história".

Trump reagiu, acusando o WSJ de globalista, e a publicação, em seguida, sapecou na página de opinião: "Começaram as consequências da guerra comercial mais burra."

Os legisladores e governadores republicanos que fazem confissões anônimas na esperança de que Trump leia as queixas sabem que essa enxurrada pode levar junto seus mandatos. Desmontar o governo federal é destruir a capacidade do país de gerir riscos como uma crise financeira, uma pandemia e desastres como a colisão aérea perfeitamente previsível em Washington ou os incêndios em Los Angeles. Perseguir e desmoralizar milhares de agentes do FBI e da CIA é abrir um atalho atraente para um ataque terrorista.

Um exemplo de consequências reais é a promessa de Trump de eliminar o Departamento de Educação —o mesmo que distribui financiamento crucial para as escolas da maioria dos estados que votaram nele.

Os aliados do presidente podem até acusar Isaac Newton de globalista, mas vivem sob suas leis, como a que explica que para cada ação há uma reação oposta.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Pobre de direita e trans intolerantes, Mariliz Pereira Jorge, FSP

 O episódio do cancelamento de Karla Sofía Gascón, primeira mulher trans indicada ao Oscar, não é apenas mais um daqueles corriqueiros na agenda progressista, protetora do manual das boas virtudes. É um importante sinal de que a esquerda, seja ela qual for, continuará apanhando nas urnas nos próximos anos, sem saber de onde vem a surra.

Seria interessante saber mais sobre a Gascón dos tuítes e menos sobre a dos tapetes vermelhos. Respostas sinceras e não os pedidos de desculpa protocolares ou desesperados poderiam nos levar a camadas mais reveladoras do nosso zeitgeist do que publicações que tratam de forma simplória o pobre de direita, o gay de direita, mulheres antifeministas ou trans preconceituosos.

Karla Sofía Gascón, estrela de "Emília Perez", é uma das indicadas ao Oscar de melhor atriz - Netflix

Pessoas são complexas, incluindo aquelas que se submeteram à transição de gênero e passaram a fazer parte de minorias marginalizadas, que precisam ter seus direitos garantidos. Desde, claro, que abracem o pacote completo da cartilha identitária. Gascón cometeu o pior dos pecados ao ter opiniões em desalinho com o que se esperava dela como mulher trans. É aí que a esquerda se perde porque se recusa a enxergar que existe diversidade de pensamento dentro de grupos minoritários, o que inclui fobias e intolerância.

No Brasil, o julgamento de Gascón tem sido impiedoso, também pela presença de Fernanda Torres na competição, ainda que ela mesma tenha sido exposta pela patrulha dos costumes. Mas nem disso tiraremos uma lição. O episódio do blackface desencavado para macular a imagem da brasileira não foi tratado com condescendência pelo público por bom senso. Regina Duarte arderia na fogueira do cancelamento mesmo por um esquete feito no século passado.

O assassinato de reputações, tão comum na política, chegou há algum tempo ao Oscar e a outras premiações. Ao responder a cobranças de mais diversidade parecem ter arranjado outra pendência, escarafunchar o passado dos atores e se certificar de que suas opiniões sejam tão corretas ou melhores do que suas performances.

A promessa de Lula a Mucio, Dora Kramer, FSP

 Em meio ao ambiente de incertezas sobre quem fica ou quem sai da equipe do presidente Luiz Inácio da Silva (PT), o ministro José Mucio Monteiro (Defesa) é o único que pediu para sair e, como resposta, ouviu um apelo para ficar.

Não exigiu contrapartidas, mas obteve como bônus o compromisso do presidente de emprestar apoio firme do governo à proposta de emenda constitucional (PEC) que exige a passagem para a reserva de militares que concorram a cargos eletivos, mesmo que percam as disputas.

O presidente Lula pediu ao ministro José Mucio para ficar mais tempo no governo em conversa no dia 31 de janeiro - Pedro Ladeira - 28.ago.24/Folhapress

Lula já falou sobre o assunto com o líder no Senado, Jaques Wagner (PT), e com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). A PEC foi apresentada em 2023, mas desde então ficou travada devido à falta de apoio necessário do Planalto para enfrentar as resistências no campo da oposição.

Segundo José Mucio, a questão foi decidida numa conversa de caráter pessoal "com meu amigo de muitos anos". Aconteceu na sexta-feira passada. Na ocasião, Lula pontuou que faria um pedido "de amigo" para a permanência do ministro.

No encontro, o presidente não citou especificamente o tema, mas, numa referência indireta ao indiciamento de militares e a iminência da decisão da Procuradoria-Geral da República sobre o inquérito da tentativa de golpe de Estado, disse que não queria acrescentar mais um problema aos tantos enfrentados pelo governo no momento.

O veto do assessor especial Celso Amorim à licitação do Exército para compras de armas de uma empresa israelense, ao qual Mucio se opôs publicamente apontando interferência de "questões ideológicas" no negócio, não foi uma questão tratada entre presidente e ministro. Por ora, ao menos.

Quanto à tramitação da PEC, José Mucio assegurou que não há impedimento por parte dos militares. Ao contrário. Na visão dele, é algo bom para as Forças Armadas e para o país, pois distancia os quartéis do proselitismo político.

O ministro, no entanto, não desistiu de sair mais adiante. Lula pediu que ficasse até o fim do mandato e, no meio-termo, combinaram um prazo inicial até dezembro de 2025.