terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Juliano Spyer - Sob nova direção: pastor Ed René Kivitz anuncia seu sucessor, FSP

 Ed René Kivitz é o pastor evangélico mais influente a combater a bolsonarização nas igrejas. Ele se posiciona —e paga o preço por isso— enquanto outros moderados defendem o silêncio como resposta ao extremismo. Por isso, importa conhecer Kenner Terra, anunciado no domingo (2) como seu sucessor.

Antes disso, vale entender de onde vem a influência da Igreja Batista da Água Branca (Ibab), cuja liderança passará de Ed para Kenner. É uma organização pequena —menos de 2.000 lugares em seu único templo— em comparação a denominações que possuem milhares de templos e presença internacional. Ainda assim, tornou-se um hub para o ativismo social cristão.

O que traz evangélicos do Brasil inteiro para a Ibab é a teologia da missão integral, que pode ser descrita como a versão protestante da Teologia da Libertação. Para seus adeptos, os cristãos devem ir além do cuidado com quem já está na igreja. O chamado é para que sirvam ao próximo, especialmente os mais vulneráveis.

A Ibab se tornou esse ponto de encontro principalmente por três fatores: a liderança carismática de Ed René, uma base forte de membros dizimistas e as oportunidades abertas pela comunicação digital. Ela é hoje uma igreja de bairro com infraestrutura técnica e humana para criar e distribuir conteúdo religioso de alta qualidade pela internet.

Ed René Kivitz apresenta Kenner Terra como seu sucessor na Igreja Batista da Água Branca
Ed René Kivitz (dir.) apresenta Kenner Terra como seu sucessor na Igreja Batista da Água Branca - Reprodução

A Ibab lembra outra organização estabelecida na vizinhança: a TV Cultura. Ambas atraem um nicho cativo de espectadores sofisticados, que rejeitam produções mais caras e padronizadas em favor de um conteúdo com maior independência editorial.

Kenner é uma estrela em ascensão entre pastores que combatem o fundamentalismo religioso e, assim como Ed René, reúne características que raramente andam juntas: carisma, ousadia, sensibilidade social e formação teológica erudita.

Ele também é moderado em termos de valores —comparado, por exemplo, ao pastor Henrique Vieira, do PSOL—, mas não esconde suas posições. Ao pregar pela primeira vez neste domingo, Kenner profetizou em tom de brincadeira que "Ainda Estou Aqui" vencerá o Oscar e criticou a frase "Deus ama o pecador, mas odeia o pecado", frequentemente usada para justificar a rejeição a pessoas LGBT em igrejas.

Ao mesmo tempo, Kenner traz algo novo como pastor: sua origem pentecostal. O pentecostalismo ainda é visto, em igrejas históricas como a Ibab, como uma espécie de "primo pobre do cristianismo", marcado pela emotividade e pela presença de elementos mágicos, como curas nos cultos. No entanto, é justamente o pentecostalismo que impulsiona o crescimento evangélico no Brasil e no mundo, e Kenner se sente à vontade para dialogar também com esse perfil de cristão.

Em um campo onde a extrema direita ocupa tanto espaço, a chegada de Kenner é notícia importante.

Criticada pelos dois lados do extremismo, a Ibab é uma espécie de aldeia gaulesa da série de quadrinhos Asterix: cercada pelos romanos, comparativamente pequena, mas com grande influência. Para continuar relevante, precisa de líderes ousados e com personalidade.

O Paraguai é mais competente que o Brasil na gestão compartilhada de Itaipu?, Jerson Kelman -FSP

 Como a empresa binacional Itaipu não visa lucro, toda a receita da venda de energia a consumidores de eletricidade, brasileiros e paraguaios, é revertida para ambos os países da seguinte forma: a) cessão de energia (atualmente, cerca de 70% para o Brasil e 30% para o Paraguai); b) pagamento de royalties em partes iguais em favor de ambos os países pelo uso do recurso natural compartilhado (potencial hidráulico); c) investimentos socioambientais nos dois lados da fronteira.

Tratado de Itaipu determina que o preço unitário da energia seja calculado para cobrir esses custos, inclusive os operacionais associados à produção e à cessão de energia. Até 2023 era preciso também pagar a amortização e a remuneração do investimento inicial realizado para a construção da usina. Mas a dívida foi integralmente saldada em 2023, abrindo espaço para a redução do custo da energia. O que não aconteceu porque a partir de 2022 os dois países passaram a negociar a tarifa de Itaipu para cobrir custos de iniciativas socioambientais desconectadas da missão institucional da empresa, o que impediu a redução da tarifa.

Vertedouro da usina de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai - Joédson Alves - 7.jan.25/Agência Brasil

De acordo com a regra do tratado, a receita em 2024 deveria ter sido de US$ 1,6 bilhão. Corresponde ao custo unitário médio de US$ 24/MWh (ou R$ 144/MWh ao câmbio de R$ 6), valor um pouco inferior ao preço médio de venda de energia por usinas nacionais em contratos de longo prazo. Ou seja, a energia de Itaipu poderia ter sido barata para o consumidor brasileiro. Mas não foi.

Em razão das negociações anuais iniciadas em 2022, os brasileiros e os paraguaios desembolsaram em 2024 em favor de Itaipu, respectivamente, US$ 2,5 bilhões e US$ 0,6 bilhão, perfazendo a receita total de US$ 3,1 bilhões. Ou seja, quase o dobro do que poderia ter sido.

O US$ 1,5 bilhão cobrado a mais em relação ao disposto no tratado foi aplicado numa enxurrada de benfeitorias socioambientais executadas em valores iguais nos dois países, só que os brasileiros pagaram 80% do custo. Ou seja, os brasileiros pagaram US$ 1,2 bilhão a mais para receber benfeitorias no valor de US$ 0,5 bilhão —um prejuízo de US$ 0,45 bilhão. Já os paraguaios pagaram US$ 0,3 bilhão a mais para receber benfeitorias também de US$ 0,75 bilhão —um ganho de US$ 0,45 bilhão.

O que explica essa aparente inabilidade negocial por parte do Brasil?

O vertedouro da usina no final de 2023 - Sara Cheida - 1°.nov.23/Itaipu Binacional

Primeiro, os governos paraguaios têm sido competentes tanto para estabelecer negociações que nem deveriam ter sido iniciadas quanto para escalar negociadores que conhecem as nuances do tratado e sabem fazer contas.

Segundo, como a maior parte das benfeitorias socioambientais no Brasil é realizada no Paraná e, em menor escala, em Mato Grosso do Sul, há mobilização da força política desses estados para controlar o lado brasileiro da governança da empresa binacional com uma ótica regional, não nacional.

Terceiro, a flexibilidade orçamentária de Itaipu abre espaço para a administração federal direcionar recursos para custeio e investimentos que deveriam constar do Orçamento da União, mas que não constam e sequer são fiscalizados pelo TCU (Tribunal de Contas da União). É o caso, por exemplo, do apoio à COP30, em Belém.

Trump desmonta o soft power americano, Hélio Schwartsman, FSP

 Donald Trump já mostrou que não hesitará em impor tarifas, tanto a países aliados como a adversários. Também mostrou, pela rapidez com que "se entendeu" com México e Canadá, que está mais interessado em arrancar concessões de seus parceiros do que em erguer barreiras alfandegárias.

Há uma explicação psicológica para isso. Trump gosta de se vender ao mundo como um gênio dos negócios. Introjetou tanto essa imagem que os centros de prazer de seu cérebro fervilham cada vez que ele acha que fez uma boa negociação.

Donald Trump conversa com a imprensa no Salão Oval da Casa Branca - Mandel Ngan - 31.jan.25/AFP

Não estou, com isso, afirmando que o mundo será poupado de uma guerra comercial. O risco de haver uma não é nada desprezível. Sempre existe a chance de Trump não se entender com seu homólogo. Apenas destaco que as motivações do presidente americano têm mais a ver com seu ego do que com um plano de ação coerente em termos econômicos ou geopolíticos.

E o preocupante é que, em suas primeiras interações tarifárias, Trump se deu bem, o que funciona como reforço à atitude de bullying. A valentia de Gustavo Petro, da Colômbia, não durou um dia. Os líderes de México e Canadá também foram céleres em fazer promessas a Washington. Elas não são muito realizáveis, mas os dois países ganharam tempo. As negociações com a China ainda não foram enterradas.

Tais desfechos eram esperados. Exceto talvez pela China, nenhum país tem, sozinho, condições de enfrentar os EUA, ainda a maior potência econômica do planeta guarnecida pela mais formidável máquina militar jamais montada.

O que Trump não quer ou não consegue ver é que essas vitórias não vêm sem custos. Ao agir como um valentão, o presidente americano desfaz décadas de política de alianças, baseada em laços de confiança, soft power e ajuda externa, pela qual outros presidentes tanto se empenharam.

Nenhum país baterá de frente contra os EUA, mas vários vão procurar caminhos sem os americanos, o que, no longo prazo, é ruim para Washington.

E as relações internacionais não são o único estrago que Trump está causando aos EUA.