segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Bilionários das techs fizeram papel de cortesãos na posse de Trump, FSP

 O que a China fez com os bilionários americanos das big techs e com Donald Trump foi uma malvadeza histórica.

No dia 20 de janeiro, o novo presidente anunciou em seu discurso de posse: "A partir de agora, terminou o declínio americano". E prometeu o início de uma "Era de Ouro" para o país.

Entre os convidados, aplaudindo-o, estavam os bilionários Elon (Tesla) Musk, Mark (Meta) Zuckerberg, Jeff (Amazon) Bezos, Tim (Apple) Cook, Sundar (Google) Pichai e Sam (OpenAI) Altman.

A imagem mostra um grupo de pessoas vestidas formalmente em um evento. No primeiro plano, há cinco indivíduos em destaque. Entre eles, há um homem careca de terno escuro e gravata, uma mulher de cabelos longos e escuros vestindo um blazer branco, e outros homens de terno. O fundo está ligeiramente desfocado, com mais pessoas presentes no evento. O ambiente parece elegante e profissional.
Da esq. para a dir., Mark Zuckerberg, da Meta; Lauren Sanchez e o marido, Jeff Bezos, da Amazon; Sundar Pichai, do Google; e Elon Musk, do X, participam da cerimônia de posse de Donald Trump - Julia Demaree Nikhinson - 20.jan.24/AFP

Com jeito de quem não queria nada, naquele dia, a empresa DeepSeek, do chinês Liang Wenfeng, soltou seu aplicativo de inteligência artificial R1. Em seguida, republicou um artigo de 22 páginas assinado por 193 autores (todos chineses) e a estrutura do seu programa.

O R1 da DeepSeek foi lançado no dia da posse de Trump de caso pensado. A China já fez coisa parecida em 2023, às vésperas de uma visita da secretária do Comércio dos EUA.

Segundo a DeepSeek, o R1 custou US$ 5,6 milhões. Os programas de inteligência artificial das empresas americanas custam entre US$ 100 milhões e US$ 1 bilhão. O R1 é grátis, enquanto alguns similares americanos cobram dos usuários pelo menos US$ 20 mensais.

No dia 25, o R1 era o aplicativo mais baixado nos Estados Unidos e em outros 50 países. Dois dias depois, as sete grandes empresas americanas de tecnologia, conhecidas como "the magnificent seven" (Alphabet, Amazon, Apple, Meta, MicrosoftNvidia e Tesla), perderam US$ 1 trilhão em valor de mercado.

Os CEOs de cinco delas estavam na cena da posse e só a Apple não micou. A fabricante de chips Nvidia, princesinha do mercado de inteligência artificial, tomou a maior pancada, com uma perda de US$ 589 bilhões, a maior da história de Wall Street. Elon Musk perdeu US$ 5,3 bilhões. Como as ações sobem e descem, a Nvidia recuperou parte da queda.

O segredo do R1 estava no fato de que uma unidade de custo que no mercado das big techs vale US$ 15, na DeepSeek ele sai por apenas 55 centavos. Além disso, o R1 é grátis e aberto para programadores pelo mundo afora. A Microsoft e a Dell já incorporaram o R1 às suas plataformas.

Nos próximos meses, artigos e livros contarão o que aconteceu antes do mico de 20 de janeiro. Uma coisa é certa: os bilionários das big techs sabiam que a DeepSeek existia e que não era coisa de chinês em fundo de garagem.

Desde 2023 ela publica seus códigos. Desde maio de 2024 ela mostrava que fazia muito, gastando menos. No mundo a inteligência artificial corria o murmúrio de que a DeepSeek tinha uma "arma secreta". Em setembro, ela soltou a versão V2.5, que, em poucos dias, ficou entre os aplicativos líderes de inteligência artificial com códigos abertos. A primeira versão do R1 é de novembro de 2024.

Os bilionários americanos acreditaram na própria superioridade. Erraram. Diante da ameaça dos avanços tecnológicos da China, acreditaram na imposição de barreiras comerciais e, durante o governo de Biden, embargaram as vendas de chips. Erraram de novo.

No dia 20 de janeiro, exibiram-se mostrando-se próximos do poder. Violaram a regra da discrição dos magnatas dos verdadeiros tempos dourados dos Estados Unidos. John D. (Standard Oil) Rockefeller, Andrew (U.S.Steel) Carnegie e J.P. Morgan, o do banco, nunca enfeitaram festas de posse de presidentes em Washington.

(Perguntado sobre quais bilionários estavam na posse de Trump, o DeepSeek disse que não tinha informações sobre eventos futuros, esclarecendo que seu conhecimento se estende "até outubro de 2023". Feita a mesma pergunta ao Google, ele ofereceu dezenas de links e o primeiro dizia: Musk, Bezos e Zuckerberg: bilionários na posse de Trump.)

Momento Sputnik

Na tarde de domingo passado, o guru tecnológico Marc Andreessen descreveu o impacto da DeepSeek sobre o mercado americano: momento Sputnik.

O comentário de Andreessen refletiu o pânico que tomou conta dos Estados Unidos em 1957, depois que a União Soviética colocou em órbita o primeiro satélite artificial, pesando 83 quilos. Em 1961, veio a humilhação. Yuri Gagarin entrou em órbita e revelou: "A Terra é azul".

Pelo menos nove foguetes americanos haviam explodido, mas o presidente John Kennedy anunciou que os americanos iriam à Lua antes do fim da década.

Na outra ponta, o regime russo não revelava que havia perdido sete foguetes, um astronauta e mais de cem pessoas mortas numa explosão em seu centro espacial, inclusive um marechal. Em 1966, Sergei Korolev, pai do programa espacial russo, morreu durante uma cirurgia. Meses depois o astronauta Sergei Komarov foi carbonizado ao retornar à Terra.

Americanos e russos faziam maravilhas no espaço, mas o jogo virou em 1969. Os foguetes soviéticos continuavam com eventuais falhas e no dia 3 de julho o N-1 explodiu no Cazaquistão, destruindo parte da base de lançamentos.

Duas semanas depois, três astronautas partiram de Cabo Kennedy. No dia 20 de julho, Neil Armstrong fincou a bandeira americana no Mar da Tranquilidade.

A corrida espacial estava terminada e o Sputnik tornou-se coisa do passado.

Começava outra competição, com os americanos na frente. Três meses depois, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos criou, em segredo, a primeira rede de computadores, chamava-se Arpanet. Era o embrião da internet.

Quem ouviu os bips do Sputnik e acreditou no declínio americano perdeu seu tempo.

2015 x 1936

Em maio de 1936, o matemático inglês Alan Turing publicou na revista da London Mathematical Society seu artigo intitulado "Sobre Números Computáveis". Nele, prenunciava a "máquina universal".

Um ano depois, escrevia à mãe, queixando-se de que a revista havia recebido apenas dois pedidos de cópias do artigo. A "máquina universal" de Turing era o computador. Homossexual, ele foi condenado a submeter-se a um tratamento hormonal e matou-se em 1954. Em 2013, um raro exemplar de seu artigo de 1936 foi comprado por 205 mil libras (R$ 1,5 milhão na cotação de hoje). Desde 2024 seu retrato está no verso da nota de 50 libras.

O mundo de 2025 é outro. O artigo acadêmico que descreveu o modelo R1 da DeepSeek saiu no início de janeiro e tinha cerca de 200 autores, todos chineses. Em menos de um mês o aplicativo de inteligência artificial foi baixado mais de 3 milhões de vezes.

LEIA OUTRO TEXTO DA COLUNA DE ELIO GASPARI

Celso Rocha de Barros - E agora, Kassab?, FSP

 Na semana passada, Gilberto Kassab (PSD-SP) se distanciou do governo Lula. Em um desses eventos de rico, disse que Lula não é favorito na próxima eleição presidencial e que Fernando Haddad é um ministro fraco.

Não seria nada de mais, não fosse por dois motivos.

A imagem mostra um homem em destaque, segurando um microfone enquanto aparenta estar em um evento formal. Ele está vestindo um terno azul e gravata clara. Ao fundo, há uma iluminação azulada que parece incluir algumas estrelas ou elementos desfocados.
Gilberto Kassab, presidente do PSD, em homenagem da embaixada da União Europeia no Brasil ao movimento das Diretas Já e à Folha - Bruno Santos - 9.mai.24/Folhapress

Em primeiro lugar, Lula está prestes a oferecer ao PSD, partido de Kassab, ministérios importantes. Ainda não sabemos quais, mas não deve ser coisa pequena. A esperança de Lula é usar a reforma ministerial para fechar alianças para 2026. Se Kassab já estiver fechando com o outro lado, a reforma ministerial já começará meio esquisita.

Em segundo lugar, Kassab tem fama de bússola que sempre aponta para o lado vencedor. Se largar Lula, pode ser sinal de fraqueza do petista.

Kassab também pode estar se aventurando em um jogo que nunca jogou.

Cria da direita paulista, Kassab montou o PSD em um momento em que o governo do PT queria um partido de centro mais disposto a conversar. Só traiu Dilma nos últimos dias antes da votação do impeachment e já saiu dali ministro do Temer. Emplacou gente no governo Bolsonaro e no governo Lula. Como secretário de Governo de Tarcísio, conseguiu atrair para o PSD a rede de máquinas políticas municipais que elegeu o PSDB em São Paulo por mais de 20 anos. No momento, seu PSD é o maior partido do Brasil.

Gilberto Kassab é, sem dúvida, extraordinariamente hábil. Mas parte de sua reputação é originária do tipo de política que Kassab fez a vida inteira: o adesismo.

Seu partido está em todas as presidências porque nunca se preocupou em eleger presidente. O PSD seguiu os passos do PMDB, que deixava PT e PSDB se matarem na presidencial e depois vendia apoio a quem vencesse. No presidencialismo de coalizão brasileiro, é uma das especializações possíveis.

A outra é eleger o presidente. As recompensas são maiores na vitória, mas a derrota significa sofrer na oposição, sem acesso a verbas ou cargos. Para isso é necessária uma certa dose de ideologia.

Kassab se distanciou de Lula porque sonha em ser o "kingmaker" que fará de Tarcísio de Freitas presidente da República. Se Kassab e seu PSD assumirem protagonismo na eleição presidencial, terão mudado de especialidade

Saberão fazer isso? O PMDB, por exemplo, nunca conseguiu.

O PSD sabe ser o partido que vai levar a culpa se os preços subirem? Como o resto do centrão, sua especialidade até hoje foi gastar dinheiro e deixar para o presidente a culpa pelo aumento de preços resultante.

Tarcísio, como Caiado, já declarou que não está satisfeito com os bilhões e bilhões que, nos últimos dez anos, saíram do controle da Presidência e passaram a ser gastos com emendas parlamentares. É óbvio: quer ter o poder que Lula tinha em 2003, não o que Lula tem agora.

Kassab topa comprar essa briga com seus companheiros de centrão?

E o que Kassab pretende fazer com os amigos golpistas de Tarcísio? Nikolas Ferreira já fez vídeo dizendo que o PSD é um inimigo tão perigoso quanto o PT. O sonho da família Bolsonaro é tirar Kassab do governo Tarcísio.

Enfim, se Kassab e sua turma conseguirem mudar de especialidade dentro do presidencialismo de coalizão brasileiro, terão sido os primeiros a fazê-lo. Se ninguém fez até hoje, não deve ser fácil.

Reinaldo José Lopes - A carne é mais recalcitrante que o silício, FSP

 Perspectiva histórica é algo que a gente pode adquirir de várias maneiras, mais ou menos dolorosas, mas envelhecer ainda é um dos métodos de eficácia mais comprovada. Por exemplo: faz um quarto de século que comecei a acompanhar publicações científicas sobre clonagem e outras formas radicais de manipulação reprodutiva para esta Folha. E o que mais me chama a atenção é o avanço de centímetros –para não dizer milímetros– de lá para cá.

O leitor mais atento talvez diga que o meu passado recentíssimo, por si só, já me desmente. Afinal, foi nesta semana que abordei um estudo dos pesquisadores chineses responsáveis por produzir os primeiros camundongos "filhos de dois pais". Os animais são resultado da junção do material genético de dois machos. Fêmeas da espécie só participaram do processo por meio da doação de óvulos enucleados (ou seja, dos quais foram extirpados os núcleos celulares, que contêm o DNA).

É lógico que se trata de um feito e tanto. Na natureza, enquanto existirem mamíferos, parece seguro afirmar que jamais algo parecido há de acontecer. Mas não é essa a questão.

À esquerda, o camundongo 'filho de dos pais' e, à direita, um camundongo normal - Li et al, Cell Stem Cell/via Reuters

Lendo os detalhes do processo, é impressionante como foi preciso uma quantidade quase obscena de força bruta laboratorial, uma sequência perdulária de tentativas e erros, para que alguns míseros camundongos sobrevivessem mais do que algumas horas depois do nascimento. Tem gente que usaria o adjetivo "medieval" para descrever os procedimentos (coisa que não faço porque é incorreto estereotipar a Idade Média como a era da ignorância, mas essa é outra história).

Ocorre, por exemplo, que usar DNA oriundo exclusivamente de machos faz com que os roedores se desenvolvam com órgãos supercrescidos. Isso faz sentido se considerarmos que, do ponto de vista da evolução do desenvolvimento, existe um antagonismo entre o material genético de origem materna e o de origem paterna.

Enquanto faz sentido para a mãe preservar seu organismo e seu potencial reprodutivo para a geração de outros filhotes no futuro, interessa ao pai extrair da fêmea grávida a maior quantidade possível de recursos para os bebês que ele gerou —afinal, sabe-se lá se a próxima ninhada será gerada por ele.

Em mamíferos gerados de maneira normal, o cabo de guerra entre genes de origem paterna e materna costuma chegar a um meio-termo aceitável. Nos ratinhos de que falamos, porém, a bagunça do organismo é tamanha que até a língua dos bichos é desproporcional, o que os impede de mamar. E, mesmo quando eram alimentados diretamente pelos pesquisadores, a desproporção dos órgãos internos era tamanha que eles engoliam mais ar do que leite e acabavam morrendo.

Problemas desse tipo aparecem recorrentemente desde os anos 1990. Técnicas descritas na nova pesquisa os contornam, mas nunca eliminando de todo as estranhezas e os riscos.

A verdade é que o desenvolvimento tecnológico pela via computacional nos fez esperar aumentos ilimitados de eficiência em todas as áreas com o passar do tempo.

Mas a carne (as entidades biológicas) é bem menos submissa que o silício. O desenvolvimento de organismos tão complexos como os de camundongos e pessoas depende de interações entre genes e ambiente que talvez sejam incontroláveis por definição. No fim das contas, pode ser que isso não seja tão ruim quanto parece.