quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Sorriso (MT) e São Desidério (BA) têm maior valor de produção agrícola no Brasil; veja ranking, FSP

 Leonardo Vieceli

Rio de Janeiro

Pelo quinto ano consecutivo, o município de Sorriso (MT), a cerca de 400 km de Cuiabá, apresentou o maior valor de produção agrícola do Brasil, indicam dados de 2023 divulgados nesta quinta-feira (12) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No ano passado, o montante obtido com a atividade local foi de R$ 8,3 bilhões. O valor, contudo, caiu 27,6% na comparação com 2022 (R$ 11,5 bilhões).

A redução, diz o IBGE, está associada ao recuo dos preços de grãos em meio à ampliação da oferta de mercadorias com a safra recorde no país.

Máquina é usada na colheita de soja em Sorriso (MT)
Máquina é usada na colheita de soja em Sorriso (MT) - Christiano Antonucci - 15.fev.19/Divulgação/Secom-MT

Em 2023, o valor da produção de Sorriso (R$ 8,3 bilhões) correspondeu a 1% do total brasileiro de diferentes culturas (R$ 814,5 bilhões). O município de Mato Grosso é o principal produtor nacional de soja e milho.

No Brasil, o valor da produção agrícola (R$ 814,5 bilhões) caiu 2,3% no ano passado, se comparado ao de 2022 (R$ 833,3 bilhões), aponta o IBGE.

Os dados integram a PAM (Pesquisa Agrícola Municipal), que investiga 64 produtos de lavouras temporárias e permanentes, incluindo grãos. O levantamento começou em 1974.

"Tivemos uma queda de 2,3% no valor da produção em termos nominais [no Brasil], muito por conta do excesso de produção no mercado, do reflexo da valorização do real frente ao dólar em 2023 e da correção de preço", disse Winicius Wagner, supervisor nacional da PAM.

No ano passado, a safra brasileira de grãos chegou ao recorde de 316,4 milhões de toneladas, conforme o instituto. Trata-se de um volume 19,6% maior do que o registrado em 2022.

Depois de Sorriso, o município baiano de São Desidério (a 870 km de Salvador) registrou o segundo maior valor de produção agrícola do país em 2023: R$ 7,8 bilhões. A cifra local caiu 12,4% ante 2022.

Sapezal (MT), a 500 km de Cuiabá, aparece na sequência do ranking. O valor da produção agrícola do município foi calculado em R$ 7,5 bilhões no ano passado. Houve baixa de 5,9% ante 2022.

"Sorriso, assim como São Desidério e Sapezal, tem a maior parte do valor da produção pautada nos grãos, principalmente milho e soja, e algodão", afirm ou Wagner.

"Os três produtos tiveram queda de preço em 2023 e impactaram diretamente o valor da produção desses três municípios", completou.

Das 10 cidades com as maiores cifras obtidas a partir da atividade agrícola, 6 ficam em Mato Grosso. Dois municípios da Bahia (São Desidério e Formosa do Rio Preto) e dois de Goiás (Rio Verde e Jataí) completam a lista.

O valor da produção de Mato Grosso (R$ 153,5 bilhões) respondeu por 18,8% do total do país em 2023 (R$ 814,5 bilhões). A cifra local recuou 12,2% ante 2022.

São Paulo (R$ 112,5 bilhões) vem na sequência do ranking dos estados, com 13,8% do valor da produção nacional.

A receita paulista avançou 9%, sob impacto do crescimento da safra de cana-de-açúcar e dos preços em patamares ainda elevados, indicou Wagner.

Neste ano, porém, canaviais do estado sofrem com o registro de queimadas. O fogo deixou um rastro de destruição em parte das lavouras.

Ainda de acordo com o IBGE, o Paraná (R$ 90,5 bilhões) apareceu na terceira posição do ranking do valor de produção agrícola dos estados em 2023, com 11,1% do total do Brasil.

O montante paranaense aumentou 8,7% devido a uma recuperação das plantações após perdas causadas por estiagem em 2022, indicou Wagner. Com a retomada, o Paraná ultrapassou Minas Gerais no ranking.

Soja responde por 42,8% da receita total no Brasil

O levantamento do IBGE voltou a destacar o peso da soja na atividade agrícola do país. Em 2023, o valor da produção do grão (R$ 348,7 bilhões) correspondeu a 42,8% do total das diferentes culturas no Brasil (R$ 814,5 bilhões).

A safra de soja alcançou o recorde de 152,1 milhões de toneladas, um aumento de 25,4% ante 2022. Com o resultado, o Brasil se consolidou como principal produtor mundial do grão, ampliando a distância em relação aos Estados Unidos (113,2 milhões de toneladas), aponta o IBGE.

A área plantada de soja, por sua vez, alcançou a máxima de 44,5 milhões de hectares. Isso equivale a 46,2% do total destinado ao cultivo de diferentes produtos no Brasil (96,3 milhões de hectares).

Em 1988, primeiro ano com esses dados disponíveis, a participação da soja era bem inferior, de 18,7%.

Itens tradicionais da mesa do brasileiro mostram um movimento oposto. Em 2023, o arroz e o feijão responderam por 1,6% e 2,7% da área plantada no país, respectivamente. Essas participações eram maiores em 1988: 10,8% e 10,7%.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Câmara retira jabuti que podia pesar R$ 24 bilhões na conta de luz e aprova 'combustível do futuro', FSP

 João Gabriel

BRASÍLIA

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (11), o projeto dos biocombustíveis, apelidado de combustível do futuro, e retirou do texto o jabuti que podia impactar a conta de luz em R$ 24 bilhões na conta de luz.

O dispositivo foi acrescido ao texto pelo Senado Federal no início de setembro e previa a prorrogação de um subsídio para energia solar de 12 meses (como é atualmente) para 30 meses.

Jabuti é o termo usado para designar uma proposta colocada dentro de um projeto de lei que não tem a ver com a sua temática original.

Deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relator do projeto do combustível do futuro - Reinaldo Canato - 27.ago.2018/Folhapress

Relator do projeto na Câmara dos Deputados, Jardim decidiu retirar esse trecho do projeto, e a decisão foi acatada pelo plenário. O texto vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O relator também rejeitou outras mudanças feitas pelo Senado: retornou a previsão original de que os contratos para estocagem de CO2 sejam na forma de "autorização", não de "permissão"; e retirou a previsão de anulação automática do vínculo em caso de descumprimento das normas.

Após a decisão de Jardim, deputados defensores do subsídio se articularam para manter o jabuti no projeto.

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Durante a terça-feira (10), parlamentares afirmavam que havia um acordo, construído pelos deputados Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) e Elmar Nascimento (União Brasil-BA), para que o subsídio às eólicas permanecesse.

Após pressão do governo Lula, no entanto, o destaque para que isso acontecesse foi retirado, nesta quarta, e a matéria terminou aprovada sem obstáculos.

O dispositivo estendia o prazo para que minigeradores de energia solar possam concluir as instalações de painéis solares. Para se enquadrar nessa categoria, os geradores precisam ter capacidade instalada de 75 kW a 3 MW (megawatts) –eles são, em grande parte, empresas que oferecem assinaturas solares, modelo de negócio hoje alvo do TCU (Tribunal de Contas da União).

O Marco Legal da Geração Distribuída, instituído em 2022, determina que esses geradores precisam concluir suas obras em até 12 meses após o projeto ser aprovado pelas distribuidoras de energia elétrica. O jabuti, porém, estendia esse prazo para 30 meses, o que permitiria que aqueles geradores que não conseguiram concluir o prazo anteriormente pudessem ter direito aos subsídios dados à geração distribuída.

Segundo conta do Ministério de Minas e Energia, essa ampliação promovida pode custar R$ 24 bilhões para a conta de luz até 2045.

O projeto dos biocombustíveis, chamado também de PL do combustível do futuro, cria programas nacionais para descarbonização do diesel, do combustível de aviação e do gás natural.

O projeto dos biocombustíveis foi aprovado pela Câmara dos Deputados inicialmente em março, atendendo a demandas do setor de petróleo e gás, e com apoio do agronegócio, que deve se beneficiar com o incentivo à produção do biodiesel e de maiores incentivos ao etanol.

O texto também prevê o marco regulatório da estocagem de CO2, de interesse da Petrobras e que pode beneficiar indústrias poluentes.

O projeto demanda, ainda, que seja estipulada pelo CNPE uma taxa de mistura de diesel verde no diesel comum. Este percentual deve ser de 13% a 25%.

A proposta também determina que a mistura de etanol à gasolina deve ser de 27%, com variação entre 22% e 35% —atualmente esse escopo está entre 18% e 27,5%.

Depois, o Senado incluiu no texto metas para uso do SAF (sigla em inglês para o combustível aéreo com menor impacto ambiental). E ampliou a cobertura desta legislação para o setor de taxi-aéreo (de voos não regulares).

Pelo texto, os operadores aéreos devem reduzir gradualmente suas emissões de gases de efeito estufa a partir de 2027, por meio do SAF, chegando a 10% em 2037.

O texto também inclui um dispositivo para que as emissões registradas pelo acionamento emergencial de usinas térmelétricas a gás (que costuma ocorrer em tempos de escassez hídrica) não sejam contabilizadas para nas metas gerais de redução de CO2.

O projeto também prevê incentivo à produção de biocombustíveis a partir de matéria-prima da agricultura familiar.

Sérgio Rodrigues - A distopia está no ar irrespirável, FSP

 Enquanto a maior cidade do país é sufocada pela fumaça de queimadas criminosas, como se fosse preciso acelerar o relógio de uma catástrofe ambiental já inevitável, a palavra "distopia" transborda da ficção e paira no ar —aliás, irrespirável.

Então era isso? Se os memes nos lembram que o céu de São Paulo se parece com o da Los Angeles distópica de "Blade Runner", talvez devêssemos ter prestado mais atenção no alerta? O futuro horroroso retratado por Ridley Scott no filme de 1982 já passou: estava situado em 2019.

Gênero de ficção em que se propõe como alerta um futuro imaginário opressivo, decadente ou ambos, a distopia costuma ser assim mesmo, meio apressadinha.

Cena do filme "Blade Runner: O Caçador de Androides"
Cena de "Blade Runner: O Caçador de Androides" - Divulgação

Quando escreveu nos anos 1940 o romance que se tornaria uma matriz do gênero, George Orwell escolheu como título e localização temporal de seu pesadelo totalitário o ano de 1984.

No livro que foi o principal responsável pela revitalização da distopia em nossa paisagem cultural, "O Conto da Aia" (Rocco), de 1985, o futuro teocrático concebido por Margaret Atwood tem coordenadas cronológicas incertas, mas estima-se que se situe cerca de 20 anos atrás.

Se pensarmos bem, só poderia ser assim. Ainda que os escritores fossem profetas juramentados, o que obviamente não são, faria sentido antecipar o futuro desgracento antevisto em suas fantasias, a fim de dar à humanidade tempo para corrigir a rota e evitar o desastre. Claro que alertas ficcionais não corrigem nada na vida real. Somos incorrigíveis.

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É significativo que a palavra usada nesse sentido tenha começado a circular em inglês, como "dystopia", apenas em 1952. Que seja portanto uma filha do pós-Segunda Guerra –posterior tanto a "1984" quanto a "Admirável Mundo Novo", publicado por Aldous Huxley em 1932, livros que só em retrospecto viriam a ser classificados como distópicos.

No momento em que a palavra nasceu –embora só fosse chegar ao Brasil em fins dos anos 1960, segundo o Houaiss–, estava bem viva a memória de um conflito em que morreram 80 milhões de pessoas. Como se isso não bastasse, a Guerra Fria começava a tornar palpável demais a possibilidade de um apocalipse nuclear.

Também é sintomático o fato de "dis-topia", termo composto com elementos gregos e o sentido de lugar ruim, ter nascido de uma incompreensão do substantivo "utopia", este velho de séculos, ao qual se opunha.

Utopia é uma palavra cunhada pelo inglês Thomas Morus (latinização de seu sobrenome de batismo, More) em 1516, ao imaginar uma ilha governada por uma república perfeita.

Também forjada com elementos gregos, "ou" e "topos", a palavra tinha o sentido de "não lugar". Prevaleceu a crença errônea de que sua partícula inicial fosse "eu", bom. E por oposição a isso se forjou a distopia –o lugar do mal, da perturbação.

O mal-entendido criativo já estava presente nos precursores do nome do gênero futurístico. Tanto no uso precoce –e isolado– de "dys-topian" pelo filósofo John Stuart Mill, em 1868, quanto no termo médico distopia, "localização anômala de um órgão".

Vale notar que vai virando fumaça no céu a diferença entre a distopia e o que seria o antônimo "correto" de utopia ­—a realidade. Estamos fritos.