sábado, 4 de março de 2023

A democracia por um triz- Luís Francisco Carvalho Filho, FSP

 Quando a turba bolsonarista destruiu o Supremo Tribunal Federal, a Câmara dos Deputados, o Senado e o Palácio do Planalto, alimentada pela estratégia golpista do ex-presidente da República, havia duas alternativas.

Ou as autoridades não fariam nada, omitindo-se criminosamente, como aconteceu nas depredações de 12 de dezembro, data da diplomação de Lula, ou tomariam as providências para identificar, prender e processar os envolvidos.

Vândalos golpistas invadem a praça dos Três Poderes e depredam os prédios; o congresso é tomado com os dizeres "Intervenção" - Gabriela Biló-08.jan.2023/Folhapress

A prisão em massa gera problemas logísticos: são centenas de depoimentos, de autos de apreensão e de levantamentos periciais. Mas a máquina se movimenta. Dez dias depois, tinham sido realizadas, por magistrados, 1.459 audiências de custódia. Desde então, centenas de presos deixaram a Papuda, em regime de liberdade provisória, adotadas medidas restritivas como a tornozeleira eletrônica.

Bolsonaro e seguidores radicais apostam na narrativa do estado de exceção. É a continuidade lógica do discurso que se apropriava (indebitamente) de valores como liberdade de expressão, legalidade, para atacar viés autoritário do Supremo e do TSE –tribunais que, em vários momentos, resistiram a seus devaneios fascistas.

Nos EUA, Bolsonaro defende os presos, manda sinais de solidariedade: são "chefes de família, senhoras, mães, avós" e com eles não foi encontrado nem mesmo um "canivete". Parlamentar aliado fala em "pessoas de bem".

Representantes do Congresso em ato pela democracia no dia em que a invasão ao Congresso completou um mês - Gabriela Biló - 8.fev.2023/Folhapress

Jornalista antigo e proeminente trata os bolsonaristas despirocados de 8 de janeiro como "cidadãos", não como delinquentes, e assevera, com cinismo, que nunca houve na história da república o "massacre da legalidade que está sendo cometido contra os acusados".

No Brasil de hoje, sob a mão de ferro de Alexandre de Moraes, não tem DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), não tem tortura, não tem desaparecido político, tem a garantia constitucional do habeas corpus, mas o jornalista reclama: nem as "ditaduras mais abjetas do mundo fazem coisas parecidas".

Há queixas em relação à prisão. E elas procedem.

O próprio Supremo já declarou (sem maiores consequências práticas, é verdade) que vigora no sistema penitenciário brasileiro um "estado de coisas inconstitucional", algo que, aparentemente, se perpetuará.

A Papuda está superlotada, a coabitação é insuportável. O banho é gelado. A alimentação é ruim.

Mas a marmita dos presos de 8 de janeiro não é pior do que a marmita dos presos pobres e pretos. A falta de assistência jurídica, monitorada pelo sempre zeloso Ministério Público do Distrito Federal, não difere da realidade imposta a milhares de detentos espalhados pelo país: "grande parte" não tem advogado constituído ou "recebeu atendimento apenas em alguma fase da apuração".

A tentativa de golpe, além das dificuldades processuais resultantes da prisão em massa, põe em pauta outra questão institucional relevante: a competência para o julgamento dos oficiais militares envolvidos.

A Justiça Militar é corporativa e tende a ser condescendente ao cuidar de altas patentes. Serve para questões criminais de natureza estritamente militar ou em caso de guerra. Crimes contra a democracia e crimes praticados contra civis são graves e deveriam ser apurados pela justiça comum.

O desafio é a punição criminal do ex-presidente Jair Bolsonaro e do balaio golpista que o cerca. Por aquilo que fizeram, não por aquilo que pensam.

Bolsonaro perdeu por pouco. A democracia venceu, mas foi por um triz. Se o Brasil vacilar, aquilo volta.


Dívida é vida, Rodrigo Zeidan ,FSP

"A minha empresa não tem nenhuma dívida. Não devo nem a fornecedores", contou orgulhoso o CEO de uma empresa de médio porte.

"Hã? Como assim?", retruquei, espantado. "Assim que bate um boleto, mando pagar na hora, mesmo que vença em dois meses." Com suas filhas, executivas da empresa, fizemos umas contas: se a empresa passasse a pagar os boletos no dia do vencimento, liberaria R$ 1,2 milhão para ser usado em investimentos, pagar dividendos extras ou o que mais que fosse.

A ideia de que dívida é ruim é algo vivo na cultura brasileira, mesmo para empresários bem-sucedidos que têm todos os incentivos a tomar decisões racionais sobre endividamento.

Cédulas de real - Gabriel Cabral/Folhapress

O problema de viver no país com os juros reais mais altos do mundo e com memória recente da hiperinflação é que temos gerações de brasileiros traumatizados com endividamento. Mas, para empresas que estão no lucro real, há um significativo benefício tributário para o endividamento: os valores de juros pagos podem ser descontados da base de cálculo do Imposto de Renda. O resultado é um desconto de 34% na taxa de juros; se uma empresa pega recursos a 10% ao ano, acaba pagando somente 6,66%.

Há dívidas ruins (muitas) e boas (poucas), mas o que não deveria haver é recusa peremptória a pegar empréstimos, como acontece com muita gente. Um amigo estava louco para quitar a dívida do imóvel. Mas os juros da sua dívida eram de somente 6% ao ano. Expliquei que ele poderia aplicar no Tesouro Direto e receber isso mais a inflação. Ou que poderia comprar títulos prefixados ou Tesouro Selic. Nada o convenceu.

Mas, quando disse que, se ele não quitasse o imóvel, mantivesse o dinheiro e algo acontecesse com ele o filho receberia o imóvel quitado e o dinheiro em títulos públicos, uma lâmpada acendeu acima da sua cabeça. Somente o argumento de herança para o filho o convenceu de que manter uma dívida barata e dinheiro em outros ativos era melhor do que quitá-la.

Não estamos mais no início da década de 1990. Não há mais hiperinflação. E, exatamente por termos os juros mais altos do mundo, quando aparece uma dívida boa, deveríamos segurá-la e não largá-la de jeito nenhum. Dívida ruim afoga, mas dívida boa é vida.

Banco Central finalmente aprovou a utilização do WhatsApp Pay. No resto do mundo esse tipo de pagamento já ocorre há mais de 15 anos, com bastante sucesso.

WeChat e Alipay já cobrem mais que 90% da população da China. São bilhões de transações diariamente. A plataforma WeChat tem mais de 3,5 milhões de miniprogramas (muitos, lojas ecommerce), que transacionam mais de 3 trilhões de ienes (R$ 2,25 trilhões) por ano.

Enquanto a receita do WhatsApp por usuário é de menos de US$ 1, a Tencent arrecada mais de US$ 7 por cada uma das contas, que são mais de 1 bilhão.

Moro na China, e há anos não preciso sair com carteira pelas ruas. De balas até carros, tudo pode ser pago com várias plataformas de pagamentos digitais. A grande questão para o sucesso do WhatsApp Pay no Brasil é a segurança. Na China, também há preocupação grande com fraudes, e essa é a grande barreira para ainda maior penetração de serviços digitais.

Mas uma coisa é certa. A democratização dessas plataformas bancarizou grande parte do país, onde quase 500 milhões de pessoas vivem em áreas rurais. A qualidade de vida de quem mora no interior aumentou sobremaneira. Esse vai ser o efeito no Brasil? Difícil saber, mas antes tarde do que nunca.