quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Governo Lula escolhe ex-comandante da PM de SP para chefiar Força Nacional, FSP

 Rogério Pagnan

SÃO PAULO

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu o ex-comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo Fernando Alencar Medeiros como novo diretor da Força Nacional de Segurança Pública. A nomeação foi publicada nesta quarta-feira (11) no Diário Oficial da União.

À frente da Força Nacional, seu primeiro desafio será encerrar a crise gerada pelas invasões golpistas aos prédios dos Três Poderes em Brasília. Nesta terça (10), Flávio Dino, ministro da Justiça, autorizou a mobilização de 611 policiais militares de oito estados para a Força Nacional.

Medeiros tem atuado como superintendente do serviço funerário de São Paulo desde maio de 2022.

Em seu período como comandante-geral da PM de SP, entre março de 2020 e abril de 2022, ele foi um dos responsáveis pela implantação do programa de câmeras nos uniformes dos policiais, que fez com que a letalidade e outros índices de violência caíssem significativamente.

Também pesou a favor da escolha de Medeiros o fato de a PM de SP ser considerada a que tem mais controle sobre a tropa, diferentemente do que ocorre em Brasília, onde os policiais têm sido acusados de omissão diante dos atos de extremistas.

Outro fator avaliado como positivo na nomeação de Medeiros é a boa relação de Alexandre de Moraes com a PM de SP. O ministro do Supremo Tribunal Federal, que está à frente da reação aos golpistas no Judiciário, foi secretário de Segurança Pública no estado.

Coronel Fernando Alencar Medeiros, ex-comandante-geral da Polícia Militar de SP
Coronel Fernando Alencar Medeiros, ex-comandante-geral da Polícia Militar de SP - Divulgação/Governo de São Paulo

As Fundações e os Tribunais de Contas, Dimas Ramalho, OESP

 Há celeuma quando se indaga sobre a obrigatoriedade de as fundações de natureza privada prestar contas aos órgãos de controle externo, notadamente os Tribunais de Contas.

Com o patrimônio colocado a serviço de um propósito lícito e útil à sociedade, as fundações estão vocacionadas à consecução do interesse comum. Sob esse aspecto, não se percebe dissonância nas vozes dos que defendem a existência dessa peculiar pessoa jurídica, uma vez que os benefícios advindos de suas atividades são positivos e capazes de transformar a realidade social.

Mas, sob a perspectiva dos alicerces que sustentam o Estado Democrático de Direito, em que deve haver prestação de contas perante um órgão público de controle externo sobre os bens e valores públicos, a questão que se põe é a seguinte: as fundações de natureza privada, que já são veladas pelo Ministério Público, consoante art. 66 do Código Civil, estariam obrigadas a prestar contas aos Tribunais de Contas?

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo essa questão tem sido analisada e aprofundada, com estudos que remontam a abril de 1989 (TC-A 044913/026/89, TC-028.901/026/91 e TC-34.749/026/03). Deles emanaram orientações que definiram quais seriam as fundações jurisdicionadas: a típica, a de apoio e a conveniada. Atualmente, os estudos mais recentes estão insertos no Manual de Autoria do TCESP; Manual Básico - O Tribunal e as Entidades Municipais da Administração Indireta - Autarquias, Fundações, Consórcios e Empresas Estatais do Município; Manual Básico - O Tribunal e a Administração Indireta do Estado - Autarquias, Fundações e Empresas Estatais do Governo do Estado de São Paulo, (disponíveis em http://www4.tce.sp.gov.br/manuais-basicos).

Assinale-se que o TCE-SP fiscaliza 187 fundações: 27 fundações estaduais de apoio; 33 fundações estaduais conveniadas; 31 fundações municipais de apoio; 01 fundação municipal conveniada; 27 fundações estaduais típicas; e 68 fundações municipais típicas.

Para escaparem da obrigação de prestar contas, tornou-se recorrente a alegação, por parte das fundações de apoio e das conveniadas, de que não são fundações de direito público. E, como fundações de caráter estritamente privado, não seriam alcançadas pela jurisdição do órgão público de controle externo, tampouco pelos princípios e legislação aplicáveis à Administração Pública, sobre elas recaindo, por força do art. 66 do Código Civil, exclusivamente a fiscalização do Ministério Público.

Entretanto, consoante reiteradas decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, há obrigatoriedade de tais fundações prestarem contas perante esse órgão constitucional de controle externo, pois, de uma forma ou de outra:

a) são constituídas por patrimônio proveniente de doações feitas por entidades públicas estaduais ou municipais paulistas;

b) são fomentadas por recursos públicos do Estado ou de Municípios paulistas;

c) estão instaladas em imóveis públicos. Ressalte-se, ainda que a única relação com a Administração Pública seja a utilização de imóveis públicos, tais fundações têm a obrigação de prestar contas ao Tribunal de Contas, em razão da origem dos imóveis públicos gerenciados e do interesse público envolvido;

d) se valem do nome ou da marca de excelência de Entidade da Administração Pública no exercício de suas atividades. Assim, utilizam, em verdade, patrimônio público, ainda que intangível, impondo-se a obrigatoriedade de prestação de contas ao órgão de controle externo e/ou;

e) utilizam servidores de Entidade da Administração Pública. Algumas fundações possuem, inclusive, relevante participação - e até mesmo previsão estatutária desta participação - em seus órgãos de cúpula de docentes/diretores/autoridades/servidores de Universidades Públicas, atraindo a obrigatoriedade de prestação de contas à Corte de Contas Paulista. Isso porque, trata-se de situação que indica indissociável relação entre a fundação e a Entidade Pública, na medida em que seus Conselhos e/ou Diretoria são compostos por pessoas ligadas à Entidade Pública e, desta forma, difícil é a desvinculação entre as Entidades, inclusive pelo transcurso do tempo e trajetória histórica.

Portanto, mesmo tendo sido constituídas como pessoas jurídicas de caráter eminentemente privado, essas entidades, pelas razões acima expostas, ficam submetidas ao crivo do controle externo, consoante art. 71, II, da Constituição Federal, o qual preceitua que as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos estão submetidas às atribuições do correspondente Tribunal de Contas, por força do princípio da simetria, expressamente previsto no art. 75 da própria Constituição da República.

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Assim, o gestor de fundação (de apoio ou conveniada), responsável por dinheiros, bens e valores públicos, deve observância a essas diretrizes constitucionais, não lhe sendo concedido substituir, pelas suas, as legítimas e superiores convicções do constituinte originário, porquanto, assenta-se em postulado republicano-democrático a premissa de que, se houver recurso público envolvido, impõe-se que dele se preste contas ao organismo constitucional de controle externo.

*Dimas Ramalho é presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)

Relatos de invasão de javalis e javaporcos triplicam no Brasil nos últimos dez anos, FSP

 Lilian Caramel

SÃO PAULO

O plano nacional de controle do javali (Sus scrofa L.) venceu na virada do ano, e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ainda não anunciou quais medidas serão tomadas.

Dados sobre a ocorrência de javalis e javaporcos (cruzamento com o suíno doméstico) pelo país não são atualizados no Simaf (Sistema de Informação de Manejo de Fauna) desde agosto de 2021, quando foi publicado o último boletim informativo. Enquanto faltam números oficiais, no entanto, sobram relatos de avistamento do porco selvagem, nativo da Ásia, da Europa e do norte da África, e de estragos em lavouras.

Levantamento recente de um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros apontou que a presença do animal triplicou nos últimos dez anos, atingindo estados livres da invasão até então, como Pará e Pernambuco. Conforme o estudo, 1.152 municípios reportaram avistamentos em 2022, com destaque para as regiões Sul e Sudeste. Em 2012, há dez anos, eram 370 municípios.

Corpo de javali na traseira de uma camionete com dois homens ao lado. Só o corpo está iluminado por uma luz branca; as luzes de freio do veículo, vermelhas, também iluminam o lugar no meio do mato
Caça a javali durante a madrugada na zona rural de Monte Azul Paulista (SP); abate do animal, para controle, está liberado pelo Ibama desde 2013 - Avener Prado - 24.ago.2015/Folhapress

No país, a disseminação acelerada da espécie acontece desde o início da década de 1990. O biólogo Carlos Salvador, um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento, lembra que, embora a caça esportiva seja proibida no Brasil, há uma exceção para o abate do javali, autorizado pelo Ibama desde 2013 para o controle da espécie.

Na visão dele, porém, ironicamente, isso vem contribuindo para a difusão do javali, pelo interesse de locais que exploram a caça esportiva. O transporte do animal vivo entre diferentes estados com a intenção de manter populações ao redor para caça recreativa agrava o problema, ele avalia.

"Hoje as coisas estão muito misturadas. Ficou difícil diferenciar caça de abate da esportiva. Existem pessoas que atrelam o pedido da autorização de controle à prática do esporte. Na interpretação deste grupo, o governo liberou geral", diz.

Com a prescrição do plano nacional, em 31 de dezembro, embora o abate continue autorizado pelo Ibama, o país fica em um limbo nas práticas de controle. O instrumento organizava mais de 70 ações, com prazos para execução e custos definidos, distribuindo tarefas entre representantes de órgãos públicos federais e estaduais, universidades, sociedade civil e o setor rural. Sem o documento, portanto, o tema fica desorganizado no país.

Considerada uma das cem piores espécies invasoras do mundo, o javali também beneficia-se do baixo número de predadores na natureza.

"Mais carnívoros nativos de grande porte, como onças, ajudariam bastante", explica Salvador, que atuou como consultor do plano federal de manejo.

Fortes e resilientes, os bandos circulam livres por mosaicos agrícolas em busca de grãos, raízes, legumes e tubérculos, danificando lavouras. Milho é um dos alimentos favoritos.

No povoado de Criúva, na serra gaúcha, agricultores que atuam como controladores nas horas livres perderam plantações de milho —e até bezerros— nos ataques.

Ilustração de um javali
Ilustração de javali - Luciano Veronezi/Folhapress

"O javali é o novo rei da selva e não vemos mais luz no fim do túnel. Além disso, os controladores estão caçando menos por falta de tempo e por conta dos custos dos equipamentos, como as munições. A gente tem que arcar com tudo", reclama Fernando Giordani, produtor que perdeu dois hectares de milho durante uma invasão no seu sítio.

Além das perdas agrícolas, o javali representa risco sanitário à suinocultura, já que pode carregar patógenos, como vírus, e transmiti-los aos porcos domésticos, criados em granjas. As pestes suínas (clássica e africana), doença de Aujeszky (pseudoraiva), febre aftosa e brucelose são algumas das patologias com potencial de dizimar plantéis caso haja contato entre uma espécie selvagem contaminada e o porco comercial.

A disseminação descontrolada também representa ameaça à saúde pública. O contato com o sangue no abate ou a ingestão da carne do animal não inspeccionado podem transmitir zoonoses aos humanos.

Um levantamento da Embrapa Suínos e Aves obtido com exclusividade pela Folha detectou densidades de cerca de 8 indivíduos por km2 na região fronteiriça com o Uruguai, no Rio Grande do Sul, e cerca de 5 indivíduos/km2 no oeste catarinense. A Embrapa conduz o projeto de monitoramento sanitário Javali Fase 2 desde 2019.

Para o biólogo Marcos Tortato, pesquisador associado da unidade da Embrapa, os números são relativamente altos, sobretudo se comparados à densidade de queixadas e catetos, os porcos nativos mais comuns do país. Santa Catarina, por exemplo, possui apenas três populações residuais de queixadas.

"Infelizmente, não podemos afirmar se estão declinando ou crescendo nessas regiões porque não temos outras estimativas", explica o pesquisador, ressaltando que a falta de dados dificulta o manejo.

Para ele, a ausência de um plano de contingência é outra limitação do país, assim como a perda da biodiversidade. Já para os controladores, o plano de manejo concentrou a responsabilidade em resolver o problema no grupo, que reclama apoio.

"Só temos despesas e somos poucos para dar conta de tantos javalis", frisa o zootecnista Leonardo Tedesco, de Veranópolis (RS). Apenas entre janeiro e agosto de 2021, o grupo abateu 333 mil indivíduos por todo o país.

Além do Rio Grande do Sul, onde aconteceram as primeiras dispersões do javali, produtores de Mato Grosso do Sul também relatam dificuldades. Um pecuarista do estado que preferiu não se identificar contou que perdeu 80 hectares de milho para silagem, no ano passado, quando varas (bandos) de javalis atacaram o cultivo.

Em Pindamonhangaba (SP), o agricultor Henrique Pereira colheu 29 carretas de milho, quando previa colher 33 no ano passado. Ele calcula a perda de seis toneladas do grão em ataques noturnos à lavoura.

"Não bastasse a falta das chuvas e o preço dos insumos nas alturas, agora vem o porco [o javali]. A gente não pode plantar mais", queixa-se.

Apesar da devastação nos sítios, ataques a humanos são raros, afirmam cientistas. Ocorrem apenas quando o animal é encurralado, ameaçado ou alguém aproxima-se de fêmeas com filhotes.