quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Entenda a corrida pelo hidrogênio verde e por que o Brasil pode ser uma potência, FSP

 Thiago Bethônico

SÃO PAULO

O elemento mais abundante do universo vive uma espécie de corrida do ouro. Com potencial para reduzir a pegada ambiental de setores intensivos em carbono e alavancar o processo de transição energética, o hidrogênio é visto por muitos como o combustível do futuro, com ares de superstar.

Mas não é todo tipo de hidrogênio que empolga o mercado. O entusiasmo é pela versão sustentável —chamada de hidrogênio verde— e cuja produção o Brasil tem condições de liderar globalmente.

É que embora exista em grande quantidade na natureza, raramente ele é encontrado em sua forma elementar. A extração precisa ser feita a partir de alguma matéria-prima, que hoje é principalmente de origem fóssil, como gás natural, petróleo ou carvão.

O hidrogênio verde (H2V), por sua vez, é derivado da água, num processo de extração que usa energia elétrica renovável para quebrar a molécula e separar o hidrogênio gasoso do oxigênio.

Usina Rephyne, uma das primeiras usinas de hidrogênio verde do mundo, na refinaria da Shell próximo a cidade de Colônia, na Alemanha - Thilo Schmuelgen - 02.jul.21/Reuters

Segundo a Agência Internacional de Energia, apenas a substituição do hidrogênio "cinza" pelo verde ajudaria a economizar cerca de 830 milhões de toneladas de carbono por ano, o equivalente às emissões de Reino Unido e Indonésia somadas.

Se considerar o potencial para substituir outros combustíveis poluentes —na siderurgia e na aviação, por exemplo—, o impacto positivo para o meio ambiente pode ser ainda maior.

O problema é que as tecnologias de produção em larga escala não estão 100% consolidadas. Além disso, transportar hidrogênio é desafiador, pois exige que o armazenamento seja feito em baixas temperaturas e alta pressão, dificultando a logística.

No entanto, como o mercado é promissor, empresas estão apostando no desenvolvimento da indústria de H2V. Num momento em que a crise climática se mistura com a crise energética na Europa, a corrida ganhou senso de urgência.

Para o Brasil, o setor pode ser uma oportunidade. O país tem condições de se tornar um dos principais produtores e exportadores de hidrogênio verde, por apresentar condições climáticas favoráveis à geração de energia solar e eólica.

Atualmente, o Brasil é o terceiro país que mais produz energia renovável no mundo, atrás apenas de EUA e China. A alta oferta também coloca o país entre os mais competitivos em termos de preço.

Um estudo da BloombergNEF projeta o Brasil como um dos únicos capazes de oferecer hidrogênio verde a um custo inferior a US$ 1 por quilo até 2030. Considerando o longo prazo (2050), a cifra pode cair para US$ 0,55/kg.

Mas, para viabilizar esse cenário, o país precisará investir alto na indústria, algo em torno de US$ 200 bilhões (R$ 1,04 trilhão) até 2040, segundo estimativas da consultoria McKinsey.

Franceli Jodas, líder global de energia da consultoria KPMG, diz que o Brasil já começou a se movimentar nessa direção. Os projetos, ela ressalta, ainda são pilotos, mas isso é algo que está acontecendo globalmente.

"O hidrogênio verde é uma tecnologia nova e muito cara. Ainda não é tão competitivo", afirma.

Segundo Jodas, é preciso passar por um período de maturidade não só da tecnologia em si, mas de questões de mercado internacional também. "Todo mundo quer ser o grande exportador de hidrogênio verde, todos querem atender às demandas de energia da Europa, mas o fato é que precisamos de desenvolvimento tecnológico ainda".

Ela lembra que os EUA lançaram em 2022 a chamada "Lei de Redução da Inflação", um pacote de mais de US$ 400 bilhões (R$ 2,08 trilhões) para estimular soluções ambientais, incluindo o hidrogênio. "Estamos falando de uma corrida geopolítica para atender a uma demanda da Europa, que tem uma limitação forte na produção de energia."

A POSIÇÃO DO BRASIL NO MERCADO DE HIDROGÊNIO VERDE

Atualmente, o Nordeste concentra a maior movimentação em torno do H2V no Brasil. A região quer se posicionar como um polo produtor, devido ao alto potencial para geração de energia solar e eólica, além da localização estratégica dos portos em relação ao mercado europeu.

O Ceará é o estado com o maior número de projetos já anunciados, mas Bahia, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte vêm logo atrás.

Segundo Joaquim Rolim, coordenador de energia na Fiec (Federação das Indústrias do Estado do Ceará), o estado possui mais de 24 memorandos de entendimento feitos com empresas nacionais e estrangeiras, o que representa uma sinalização de investimento superior a US$ 29,7 bilhões (R$ 154,9 bilhões).

"Nós temos condições de produzir no Brasil, no Nordeste e, particularmente, no Ceará, o hidrogênio verde mais barato do mundo", diz Rolim, acrescentando que a complementaridade da produção de energia eólica e solar é um fator diferencial da região.

Mas é na Bahia que a primeira fábrica de H2V está sendo construída. Em julho de 2022, a Unigel anunciou o projeto, com investimento inicial de US$ 120 milhões (R$ 626 milhões). A usina ficará no Polo Industrial de Camaçari e deve entrar em operação até o final de 2023.

Luiz Felipe Fustaino, diretor executivo da Unigel, explica que o interesse da companhia na indústria está na amônia verde, que é um dos subprodutos do H2V.

A empresa atua no setor químico e petroquímico, e é grande consumidora do composto, que hoje é produzido principalmente através da sintetização do gás natural.

Após assumir as fábricas de fertilizantes da Petrobras, em 2020, a Unigel passou a ser produtora de amônia e viu que fazia sentido entrar no mercado de hidrogênio verde.

Segundo Fustaino, a usina na Bahia vai converter todo o H2V em amônia, que pode ser usada como fonte de energia, combustível marítimo e para a fabricação de fertilizantes e acrílicos com menor pegada de carbono. No entanto, o produto também pode ajudar a resolver uma dificuldade técnica relevante: o transporte e armazenamento.

"Hidrogênio é um gás extremamente volátil. Para armazená-lo, é preciso que a temperatura esteja na casa de -300ºC ou sob muita pressão. Já a amônia é um produto mais fácil", diz. "Então transporta-se a amônia e o cliente reverte o processo."

A expectativa é que no fim de 2023, a Unigel já tenha a usina pronta para fabricar as primeiras toneladas de hidrogênio verde. A previsão inicial é produzir 10 mil toneladas por ano, que serão convertidas em 60 mil toneladas de amônia verde. A segunda fase prevê expandir a produção em dez vezes.

Além da Unigel, outras empresas já deram os primeiros passos no mercado de H2V. A White Martins, por exemplo, assinou memorandos de entendimento no Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O objetivo é estudar a viabilidade de projetos com foco na exportação, bem como na aplicação na indústria brasileira.

A Shell é outra com interesse no hidrogênio verde. Em setembro de 2022, a petrolífera injetou R$ 50 milhões num projeto em parceria com Raízen, USP e outras organizações para desenvolver uma tecnologia capaz de transformar etanol em hidrogênio verde.

Antes disso, em maio, a companhia havia fechado um acordo para a construção de uma fábrica de H2V no Porto do Açu (RJ), com investimento entre US$ 60 milhões e US$ 120 milhões.

REGULAÇÃO É PRINCIPAL DESAFIO PARA INDÚSTRIA DE H2V

Franceli Jodas, da KPMG, ressalta que, embora o Brasil esteja bem posicionado na corrida do hidrogênio verde, é preciso fazer um planejamento para o longo prazo, tanto no âmbito regulatório quanto em fomentos à indústria.

Ela lembra que, na América Latina, outros países já têm se destacado, como é o caso do Chile, cujo governo aposta fortemente nesta indústria.

Durante a COP 27, conferência da ONU sobre mudanças climáticas em 2022, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou o potencial brasileiro diante das oportunidades criadas pela transição energética, e citou o hidrogênio verde.

Para Jodas, a chegada de um governo mais simpático às causas ambientais ao poder pode ajudar a acelerar esse processo. "O hidrogênio é uma potencial nova capacidade econômica para o país. Poder exportar energia seria extremamente positivo", diz.

Paulo Henrique Dantas, sócio do escritório Castro Barros Advogados, também vê brecha na parte regulatória. "Estamos falando da criação de uma indústria, o que envolve uma política pública, uma lei que esteja coadunada com a política energética brasileira", diz. "Não é uma tarefa das mais simples."

Uma das questões em disputa, por exemplo, é sobre qual entidade será responsável por regulamentar o setor. Segundo ele, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) já regula o hidrogênio cinza e entende que, naturalmente, seria responsável pelo H2V.

No entanto, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) faz o controle da energia renovável e tem papel importante no xadrez regulatório. Ao mesmo tempo, a utilização da água para a produção de hidrogênio verde traz a ANA (Agência Nacional de Águas) para a discussão.

No nível governamental, o Brasil conta com o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), instituído em junho de 2022, com o objetivo de fortalecer o mercado e a indústria do hidrogênio enquanto vetor energético.

No Congresso o projeto de lei 725/2022 pretende incluir o hidrogênio como fonte energética na matriz brasileira e incentivar o uso do H2V. A proposta é do senador Jean Paul Prates (PT-RN), indicado pelo governo Lula para a presidência da Petrobras.

Segundo Dantas, a urgência de criar a política nacional e os parâmetros de funcionamento do mercado é importante para dar atratividade ao mercado brasileiro e fazer com que mais empresas se interessem em investir nesse segmento. "O Brasil é um player natural. Temos que ver qual papel o país vai se dar neste momento."

O Planalto estava desguarnecido, Elio Gaspari, FSP

 As invasões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal e do Congresso tiveram muitas respostas, todas certas. Como bem lembrou o repórter Guga Chacra, o Judiciário e o Legislativo uniram-se ao Executivo, coisa que não aconteceu em Washington em janeiro de 2021. Sobraram perguntas. A mais óbvia é a do financiamento. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, pelo menos em dez estados já foram identificadas fontes. Pode-se esperar que as investigações deem nomes aos bois. Restam outras, e entre elas há uma: o que aconteceu com o Batalhão da Guarda Presidencial?

Trata-se de um corpo de tropa criado por d. Pedro 1º há exatos 200 anos. Ele existe para proteger o presidente e seus palácios. Jamais aconteceu o que se viu no domingo. Dois imperadores e quatro presidentes foram depostos sem invasões do palácio.

Manifestantes golpistas entraram na Esplanada dos Ministérios na tarde de domingo (8), invadiram áreas do Congresso , do Planalto e do STF (Supremo Tribunal Federal) - Marcelo Camargo - 08.jan.23/Agência Brasil

Com sua experiência de criminalista, o advogado Alberto Zacharias Toron já disse que "inquietante é a questão de saber por que o Batalhão da Guarda Presidencial não defendeu o Palácio do Planalto."

Uma notícia da Agência Brasil, divulgada às 17h02, dava conta de que a tropa do Batalhão da Guarda estava chegando ao Palácio. O Planalto havia sido invadido às 15h10. Entre os invasores havia pelo menos um espertalhão, pois levaram equipamentos de fotografia do onipresente Ricardo Stuckert.

Inquietante é também que o general da reserva Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República e atual senador eleito pelo Rio Grande do Sul, tenha dito que "o controle da anarquia é responsabilidade do Governo do Distrito Federal". Se um capitão dissesse isso ao general quando ele estava no serviço ativo, talvez fosse preso. Em seguida, Mourão foi mais específico: "Repito que o Governo do Distrito Federal é responsável e, caso não tenha condições, que peça ao governo federal um decreto de GLO".

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GLO, são as iniciais das operações de Garantia da Lei e da Ordem, nas quais o governo mobiliza efetivos militares para preservar a tranquilidade pública. A sugestão, vinda de Mourão, ou de qualquer outra pessoa, é mais um motivo de inquietação. Por que o presidente deveria baixar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem se o palácio estava invadido? O Batalhão da Guarda Presidencial não precisa de decreto para guardar o palácio presidencial.

Desde 2018, quando o general Eduardo Villas Boas soltou seu famoso tuíte, é pública a malquerença de uma parte da oficialidade com Lula. Agora mesmo, o comandante da Marinha não passou o cargo ao sucessor, apesar de ter comparecido, em trajes civis, ao almoço que o almirante Marcos Sampaio Olsen ofereceu aos colegas em sua casa.

Lula governou o Brasil por oito anos sem qualquer encrenca com os militares. A oposição ao seu governo jamais flertou com golpes. O mesmo não se pode sequer pensar hoje. Está nas livrarias "Poder Camuflado", do repórter Fabio Victor. Ele reconstitui a origem da malquerença de militares com os governos petistas. Lê-lo ajudará a não repetir erros.

Vivandeiras civis e oficiais pensando em golpe fazem parte da vida nacional desde a segunda metade do século 19. Bolsonaro adicionou a esse prato os ingredientes da indisciplina nas polícias militares e dos cidadãos dispostos a acampar pedindo um golpe militar.