segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

ALBERTO ZACHARIAS TORON - Há muito o que se explicar à nação, FSP

 Alberto Zacharias Toron

Advogado e doutor em direito penal (USP), é professor de processo penal (Faap), conselheiro federal da OAB, presidente da Comissão Nacional de Garantia do Direito de Defesa e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)

Desde a proclamação do resultado das eleições presidenciais formou-se uma surpreendente aglomeração de pessoas na porta de diversos quartéis. Todas inconformadas com a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas urnas.

Hinos militares, além do nacional, são entoados inúmeras vezes ao dia. Mas o que causa repulsa são os bordões: "Forças Armadas, salvem o país" ou "Forças Armadas, SOS" ou, diretamente, "Intervenção militar, Bolsonaro no poder".

Forças de Segurança dispersam acampamento de bolsonaristas diante do Quartel-General do Exército, em Brasília - Ricardo Moraes - 09.jan.2023/Reuters

Com a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, depois, com sua posse, esperava-se que tais manifestações cessassem; mas, ao contrário, descambaram na assustadora "noite de vandalismo" em Brasília, com ônibus incendiados e até a colocação de uma bomba em caminhão-tanque de combustível perto do aeroporto da capital federal. Isso é intolerável!

Insatisfeitos com as ações anteriores, organizaram nova expedição golpista à capital do país. Invadiram os prédios do Senado, do Supremo Tribunal Federal e o próprio Palácio do Planalto; essas instalações foram selvagemente depredadas.

Havia pouca polícia para muitos vândalos. Há perguntas que devem ser feitas: por que permitiram que os manifestantes alcançassem a praça dos Três Poderes? Por que o efetivo policial era tão diminuto? Onde estava a Força Nacional, que só apareceu muito tempo depois? Inquietante é a questão de saber por que o Batalhão da Guarda Presidencial não defendeu o Palácio do Planalto? Muitas explicações são devidas à nação.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, como muita competência, deu parte das explicações necessárias para entender o episódio que degradou não apenas os Poderes da República, mas a democracia como um todo.

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A franquia democrática representada pela liberdade de manifestação assegurada pela Constituição no seu artigo 5º permite que se deplore publicamente ações do governo, que se exponham as mazelas da política empreendida e seus malfeitos. Não, porém, que se ataque a própria democracia, as instituições que corporificam e dão vida ao Estado de Direito e, tampouco, que se ataque pessoalmente as autoridades estatais com ameaças de morte ou mesmo insultos. Assim, pouco importa que alguns vejam como manifestação ordeira e pacífica os acampamentos nos quarteis. A questão é de conteúdo.

Há limites imanentes à liberdade de manifestação. Eu não posso xingar ou insultar pessoas em nome da liberdade de expressão e, muito menos, exprimir injúrias raciais contra quem quer que seja porque a lei incrimina tais comportamentos. O discurso de ódio, igualmente, não pode ser tolerado!

Mas o que ocorreu no domingo (8) ultrapassa em muito as fronteiras da liberdade de manifestação. Representa uma sucessão de crimes contra as instituições democráticas. Entre estes, o de tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito. É certo que nas manifestações em frente aos quarteis não há violência ou grave ameaça, mas o clamor para que as Forças Armadas deponham o governo legitimamente constituído outra coisa não é senão o conhecido golpe pela força das armas. Não há nada de sutil nisso; é pura violência.

Não é possível ser ilimitadamente tolerante, como advertia Karl Popper, sob pena de os intolerantes destruírem a própria tolerância e, com isso, a democracia. É preciso pôr fim ao vandalismo que se assemelha ao terrorismo e a esse tipo de manifestação antidemocrática e ilegal nos quartéis para que o país possa sair desse atoleiro. Passou da hora de o Estado democrático agir para impedir a sandice e permitir a normalidade do país.

Presidentes dos Três Poderes chamam atos de golpistas e terroristas e pregam união, FSP

 Marianna Holanda

BRASÍLIA

Os presidentes dos Três Poderes divulgaram nota conjunta na manhã desta segunda-feira (9) repudiando os atos golpistas e de vandalismo que ocorreram em Brasília no dia anterior.

"Os Poderes da República, defensores da democracia e da carta Constitucional de 1998, rejeitam os atos terroristas, de vandalismo, criminosos e golpistas que aconteceram na tarde de ontem em Brasília", diz a nota.

O documento é assinado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelo presidente do Senado em exercício, Veneziano Vital do Rêgo, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e pela presidente do STF (Supremo Tribunal Federal)Rosa Weber.

Policiais enfileirados diante de calçada com tendas e bandeira do Brasil
Forças de Segurança dispersam acampamento de bolsonaristas diante do Quartel-General do Exército, em Brasília - Ricardo Moraes - 09.jan.2023/Reuters

"Estamos unidos para que as providências institucionais sejam tomadas, nos termos das leis brasileiras. Conclamamos a sociedade a manter a serenidade, em defesa da paz e da democracia em nossa pátria", segue o texto divulgado.

Pela manhã, Lula se reuniu com a ministra Rosa Weber e com o deputado Arthur Lira no Palácio do Planalto. Ele divulgou um registro da reunião em seu perfil no Twitter e escreveu "Firmes na defesa da democracia".

Também participaram do encontro, segundo divulgado em agenda oficial do presidente, os ministros do STF Roberto Barroso e Dias Toffoli, além de José Múcio (Defesa), Flávio Dino (Justiça), Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Paulo Pimenta (Secom).

O presidente Lula tem também reunião com os comandantes das Três Forças ainda nesta segunda.

A divulgação da nota ocorreu após encontro das autoridades no gabinete presidencial do Planalto, no qual os vândalos não conseguiram entrar, por ser uma sala blindada.

A ideia é mostrar que, apesar da depredação física do local, as instituições continuam funcionando, segundo Pimenta.

Nesta manhã, o cenário era de destruição no Planalto, em especial o térreo e o segundo andar, onde ocorrem as cerimônias.

Jornalistas se aglomeram nas portas do Planalto para acompanhar agenda de Lula, enquanto funcionários da presidência limpam o local. Uma servidora chegou a passar mal no segundo andar devido ao cheiro de gás lacrimogêneo, que permanece no Salão Nobre.

Mais cedo, a jornalistas, o ministro da Secom disse que vândalos golpistas que invadiram o Palácio do Planalto, além de armas, levaram também HDs e documentos.

Segundo Pimenta, houve cumplicidade com os criminosos, que "conheciam" o Planalto. Outra parcela estava apenas destruindo o local e muitos estavam bêbados.

"Uma parte das pessoas [no Palácio] sabia o que estavam fazendo. Enquanto a horda destruía tudo, uma parte agia com inteligência. Levaram muito HD, levaram armas, documentos", disse a jornalistas na porta do Planalto.

No domingo (8), manifestantes golpistas, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tomaram a sede dos três Poderes, invadindo e depredando os prédios. O episódio levou ao afastamento do governador do Distrito FederalIbaneis Rocha, pelo ministro Alexandre de Moraes. O GDF é responsável pela segurança na região da Esplanada.

Além disso, o então secretário de segurança pública e ex-ministro de Bolsonaro, Anderson Torres, foi exonerado ao longo do domingo e teve a prisão solicitada pela AGU (Advocacia-Geral da União).

Veja a íntegra da nota:

"Nota em defesa da democracia

Os poderes da República, defensores da democracia e da carta Constitucional de 1998, rejeitam os atos terroristas, de vandalismo, criminosos e golpistas que aconteceram na tarde de ontem em Brasília.

Estamos unidos para que as providências institucionais sejam tomadas, nos termos das leis brasileiras.

Conclamamos a sociedade a manter a serenidade, em defesa da paz e da democracia em nossa pátria.

O país precisa de normalidade, respeito, e trabalho para o progresso e justiça social da nação.

Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República

Senador Veneziano Vital do Rêgo
Presidente do Senado em Exercício

Deputado Federal Arthur Lira
Presidente da Câmara dos Deputados

Ministra Rosa Maria Pires Weber
Presidente do Supremo Tribunal Federal"

Ataque à praça do Três Poderes foi delírio que não para em pé, Hélio Schwartsman. FSP

 A frase de Marx sobre a história repetir-se como farsa nunca foi tão exata. Dois anos atrás, extremistas norte-americanos, insuflados pelo ex-presidente Donald Trump, invadiram o Capitólio, com o objetivo de impedir a transmissão do poder para Joe Biden.

Aquela tentativa de golpe nunca teve muita chance de sucesso, mas era, por assim dizer, um delírio que parava em pé. Trump ainda era o presidente e, se uma megacrise institucional tivesse se instalado, havia uma possibilidade ainda que extremamente remota de ele consolidar-se no poder.

Rescaldo da destruição no Palácio do Planalto após invasão de golpistas no domingo (8) - Pedro Ladeira/Folhapress

ataque de domingo (8) à praça dos Três Poderes em Brasília foi um delírio que não para em pé. Os golpistas brasileiros fizeram tudo errado, a começar da escolha da data. Se tivessem agido enquanto Jair Bolsonaro era o presidente, ainda seria possível imaginar a decretação de um estado de sítio que evoluísse para um golpe "old school". Com Bolsonaro já na condição de ex e entocado na Flórida, só o que conseguiram foi reunir todas as forças políticas e institucionais relevantes em torno de Lula e da legalidade.

Se há algo que impressiona, para além das cenas de destruição, é a lista de reveses colhidos pelos golpistas. Eles não só fortaleceram o presidente que desprezam como se meteram numa enorme encrenca jurídica. Podemos esperar muitas prisões e processos, inclusive entre os organizadores e financiadores do ataque. O próprio Bolsonaro corre agora muito maior risco de responder por incitação de golpe e ser preso. Os extremistas também alienaram políticos de direita que ainda os olhavam com simpatia. Mesmo os governadores bolsonaristas não têm agora alternativa que não condenar e reprimir o movimento.

Existem duas categorias de lideranças de extrema direita. Há os inteligentes, como Viktor Orbán, da Hungria, e Binyamin Netanyahu, de Israel, e os burros. O Brasil, felizmente, foi agraciado com espécimes do segundo tipo, não do primeiro.