quinta-feira, 30 de junho de 2022

Ronaldo acumula R$ 1 bi em empresas e diz não ser cartola, FSP

 

Ronaldo Nazário de Lima, 45 anos, ia para seu quarto compromisso profissional do dia quando sentou para conversar com a coluna em uma agência de publicidade em São Paulo, na segunda (27). "Ah, que sono me dá depois do almoço", exclamou.

A refeição no meio da tarde tinha sido um combinado de sushis que ele engoliu de pé enquanto conversava com Eduardo Baraldi e Otávio Pereira, sócios e executivos na holding Oddz Network, do ex-jogador.

Há exatos 20 anos, Ronaldo não queria dormir depois do almoço, quando faltavam poucas horas para a partida final da Copa contra a Alemanha.

"Todo mundo comeu e foi para o quarto dar um cochilo", lembra. "Eu não fiz isso, porque seria repetir o mesmo ritual de 1998. Fiquei com medo de ter outra convulsão, imagina?".

O mal súbito antes da decisão do Mundial e a derrota para a França eram cicatrizes na carreira. Outras duas estão marcadas no joelho direito, as lesões que o fizeram parar por mais de um ano e ouvir de médicos que ele nunca voltaria a ser o mesmo no futebol.

Ele ignorou os prognósticos pessimistas e não cochilou antes da decisão do Mundial, naquele 30 de junho. Encontrou no amigo e goleiro Dida a companhia para passar o tempo. Horas depois, fez os dois gols da vitória que garantiu o pentacampeonato.

Vinte anos após abandonar a pecha de acabado para o esporte com a conquista, o ex-atacante tem outras marcas como meta.

Dono do Cruzeiro (não se vê como cartola, apelido dado a dirigentes poderosos do futebol brasileiro), quer subir o time mineiro para a Série A e reduzir as dívidas acumuladas nos últimos anos.

O ex-jogador Ronaldo Nazário, o Ronaldo Fenômeno - Bruno Santos/Folhapress

Não tem mais volta atrás, já assinamos [a compra]. Foram muitos sustos desde que chegamos. Cada gaveta aparece uma dívida, um problema. O que fizeram com o Cruzeiro foi realmente algo criminal.

Ronaldo

dono do Cruzeiro

A compra foi anunciada em dezembro de 2021 e efetivada em abril deste ano, não sem percalços. Ronaldo ficou com 90% das ações do clube, com a promessa de investir R$ 400 milhões. Conselheiros criticaram os termos do acerto e tentaram levar o caso para a Justiça.

"Cada gaveta que abrimos sai uma dívida, um problema", afirma. "Mas agora não tem volta", completa.

Longe, mas nem tanto, do futebol, planeja crescer sua holding, a Oddz, criada em 2021, que concentra os negócios do ex-jogador em mídia e entretenimento. Os clubes Cruzeiro e Valladolid não fazem parte do grupo.

Em 2022, ele prepara uma captação de investimentos no mercado para atrair sócios, que poderão adquirir 15% do negócio. A rodada de conversas com investidores está em andamento e o plano é receber aportes somados de até R$ 200 milhões, o que faria da empresa um grupo avaliado em mais de R$ 1 bilhão.

O modelo que ele e seus executivos criaram replica a experiência de atletas dos EUA, como o jogador de basquete LeBron James. O astro não é apenas garoto propaganda de marcas, mas participa e lucra, claro, com a produção do conteúdo e sua distribuição.

Ronaldo, por exemplo, é sócio de uma produtora que lançará três documentários: um sobre a carreira dele, outro contando os bastidores da temporada do Cruzeiro e um terceiro sobre as mudanças na estrutura do futebol brasileiro.

À coluna, o ex-jogador relata sua rotina como empresário, dono de clube e também garoto propaganda —acertou recentemente acordo com a casa de apostas online Bet Fair. Ele diz acreditar na seleção de Neymar na Copa e relembra a conquista do último Mundial vencido pelo Brasil.

PENTA, 20 ANOS DEPOIS

Eu cheguei com dúvidas na Copa de 2002. Não sabia se podia confiar no meu joelho, na minha força. Tinha muito receio, vinha de uma lesão parcial, depois a rotura completa. O primeiro jogo foi fundamental. Caí, me joguei, fiz gol, tive mais confiança.

Eu estava completamente decidido que tinha que vencer aquele obstáculo. Muitos médicos me condenaram a parar de jogar e eu não queria abrir mão daquilo. Eu faria de tudo para mudar o final da minha história. Me entreguei.

Ronaldo

ex-jogador sobre Mundial de 2002

O momento mais marcante foi a final. Quando o Felipão me substitui, quando estava 2 a 0, era praticamente impossível perder. Ali passava um filme de dois anos na minha cabeça. Até mais, né? Desde 1998, com o trauma da convulsão. Depois, toda a recuperação da lesão, a desconfiança no início e, por fim, uma redenção. Eu chorei porque juntou toda a emoção.

Antes do jogo, tinha um tempo para descansar. Cada um foi para o seu quarto e eu fiquei procurando alguém para uma resenha, para não dormir. Aí vi a porta do quarto do Dida aberta. Entrei e expliquei a situação e ele ficou comigo acordado até a hora de partir para o estádio. Foi bacana o companheirismo dele, de estar junto comigo ali, entender a situação. Eu realmente queria evitar esse trauma.

EX-JOGADOR

Eu tento ser acessível a esses caras novos como o Pelé foi comigo. Tem um episódio até engraçado. Em 2009, antes de um jogo Corinthians e Santos, o Elias [ex-volante] começou a falar que em 1970 era mais fácil, que o futebol era mais lento, que o Pelé não jogaria hoje. Aí, eu liguei para o Pelé e passei, sem avisar quem era, o telefone. "Fala com um amigo meu aqui, fala para ele agora aí". O Elias ficou sem graça para caramba (risos).

Ser treinador nunca foi uma opção. Não passou na minha cabeça. Queria seguir no futebol, mas não ter a mesma rotina de jogador. A de treinador é igual e até um pouco pior. Eu excluí por isso."

DONO DE CLUBE

Não sou um cartola, que é um termo adjetivado. Sou um gestor. Eu trabalho para mim, não tenho chefe, não tenho sócio e procuro fazer o que é melhor para os meus clubes.

No meu negócio, o foco são os jogadores. Entrego as melhores condições para eles poderem desenvolver o trabalho. Quando comprei Valladolid, na Espanha, o clube tinha uma infraestrutura precária. A primeira coisa que fiz foi reformar as instalações dos atletas. É o que vai dar resultado no final.

EMPRESÁRIO

Tenho empresas de ramos variados que se conectam. Os meus negócios todos têm sinergia entre si e ligação com a minha história. Tem um trabalho incrível na área de mídia. A empresa está crescendo muito, tem tido uma relevância no mercado espetacular.

Não sei se ganhei mais dinheiro como atleta ou como empresário. Logicamente, eu trabalho para ganhar dinheiro, mas o dinheiro não é o que me move, não é o que me motiva a levantar da cama e fazer as coisas acontecerem. Com certeza, a parte mais importante foi como jogador.

Esse dinheiro [que ganhou como atleta] me possibilitou fazer outros investimentos. Eu não olho para o dinheiro como uma conquista. Eu uso para investir, para criar mais legados. Acho que essa é a minha grande motivação.

CRUZEIRO

A gente está a ponto de chegar num acordo de recuperação judicial. Temos todos os planos desenhados. Espero nos próximos dois meses chegar nesse acordo e aí sim ter tranquilidade para trabalhar e cumprir os prazos.

A gente vai dar um jeito, a gente vai recuperar. A situação financeira continua muito crítica. Eu fiz aportes importantes para pagar as dívidas imediatas que são muitas.

Nós temos desafios gigantes pela frente. É muito bom saber que na área esportiva a gente está indo muito bem. A gente tem que garantir o acesso à primeira divisão e a partir daí começar a diminuir a dívida.

Acredito que clube que não virar empresa vai ficar para trás. Eles vão ter que ter uma gestão profissional. Tem que dar lucro, tem que cortar gastos, tem que ter um controle muito maior tem que ter muitos processos. Esse é o futuro.

Não dá mais para ser amador no futebol. Talvez Flamengo e Corinthians não façam o modelo do Cruzeiro, de SAF [Sociedade Anônima do Futebol], de ter um dono, mas vão ter que mudar. Foi assim com o Barcelona e o Real Madrid. Tem que profissionalizar, melhorar os seus processos internos, diminuir custos. É um caminho sem volta.

COPA DE 2022

Brasil vai ser sempre favorito. É muito difícil jogar contra a seleção brasileira. Aquela camisa amarela assusta.

Acredito que o Neymar vai ser o nosso grande carregador de piano. Se ele tiver voando, bem fisicamente, acho que nós temos uma grande chance de ganhar a Copa. Nós temos uma mistura boa de jovens e experientes. O Neymar tem que ser o carro-chefe, o que carrega o piano.

ELEIÇÃO

Complicado, a política tem sido um desafio também para o brasileiro. O país está completamente polarizado, mas não é exclusividade daqui. Eu morei os últimos quatro anos na Espanha e lá também tem divisão. É o mesmo nos EUA.

O Brasil é especial demais. A gente está sempre nessa esperança de que vai melhorar, vai melhorar, vai melhorar, mas infelizmente a gente não consegue dar um salto de qualidade na sociedade.

Eu acho que tem muita culpa da sociedade em si, cultural. Falta investimento em educação. Acho que deveria ser feito muito mais. Um país que procura uma mudança tem que partir através da educação, não vejo uma outra saída.

Eu faço a minha parte pagando os meus impostos, fazendo o meu trabalho, criando os meus negócios e esperando que outros façam a sua parte também. Tenho esperança de que o Brasil realmente possa evoluir, sair desse lugar arriscado que a gente se encontra.

Eu não vou declarar mais posicionamento político. Já sofri demais com isso.

Ronaldo

sobre voto na eleição em 2022

Em 2014 [quando apoiou o candidato Aécio Neves na eleição presidencial], apanhei demais, como se eu fosse o culpado de tudo. Vou votar, mas não vou me posicionar publicamente sobre o meu voto.