Imagine um aplicativo que é utilizado por 50 milhões de pessoas no Brasil. Esse aplicativo tem acesso a todas as informações mais íntimas que uma pessoa pode ter: suas fotos, vídeos, mensagens, rede de contatos, nome, bem como sua localização em tempo real.
Além disso, guarda nos seus servidores todas as suas mensagens enviadas, fotos, vídeos e documentos. Nesse mesmo aplicativo, há relatos de venda de armas, tráfico de drogas, campanhas de desinformação e até mesmo pedofilia.
O nome do app é Telegram, e ele tem um problema: está fora do alcance da lei brasileira. Mesmo com tantas pessoas no país engrossando seus números de usuários (e faturamento), a postura da empresa e dos indivíduos que mantêm o serviço é ignorar solenemente qualquer autoridade do país.
Por exemplo, o aplicativo ignora há seis meses uma ordem judicial expedida pelo Supremo Tribunal Federal para remover um conteúdo ilícito. Não só não removeu como não deu nenhuma satisfação sobre essa inércia.
O fato é que, com tantos usuários, o aplicativo tem acesso a uma radiografia em tempo real de tudo que acontece no país, inclusive quanto a autoridades públicas. Mesmo que os juízes do STF não sejam usuários, é certo que muitos dentre os 2.800 funcionários do Supremo usam o app, entram no prédio do Supremo todos os dias com ele instalado e compartilham por ele informações obtidas a partir do seu trabalho na corte.
Em outras palavras, o Telegram não quer saber do Brasil nem do Supremo Tribunal Federal, mas aceita de bom grado as informações colhidas e geradas pelos funcionários que trabalham nele.
O caso do Telegram mostra claramente que as instituições existentes no mundo de hoje falharam ao lidar com um problema que é novo, complexo e de natureza global.
O Poder Judiciário e as leis dos países não evoluíram para tratar do comportamento desviante de um aplicativo como o Telegram.
Minutos após sair do ar nesta segunda (4), em um dos maiores apagões do Facebook, o Whatsapp já se encontrava nos assuntos mais comentados dGabriel Cabral/Folhapress
Esse problema não é só brasileiro. A Alemanha está neste exato momento lidando com a mesma questão. O Telegram tem sido utilizado para planejar atentados no país, inclusive um plano de assassinato de um governador estadual.
Diante desse desafio, a Alemanha está discutindo ao menos duas soluções. A primeira é bloquear o Telegram, ordenando que os provedores de serviço de conexão à internet excluam os endereços que permitem acessar o serviço. Na prática, isso tornaria o serviço indisponível para a maior parte das pessoas do país.
A outra solução estudada pela Alemanha é ordenar que empresas privadas como o Google e a Apple removam o app das suas lojas de aplicativo, tornando-o indisponível para novos acessos. No mundo, vale lembrar que ao menos 11 países já bloquearam o Telegram, incluindo a Índia e a própria Rússia, país de origem do aplicativo.
No entanto, todos compartilham da mesma constatação: as instituições precisam evoluir para dar conta de novos desafios dessa natureza. Um aplicativo de alguns poucos megabytes instalado no celular consegue hoje colocar em xeque o poder dos Estados nacionais construído historicamente. Hegel precisaria rever parte da sua obra se estivesse vivo.
READER
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Já vem Brasil discutindo o que fará com o Telegram
Jack Sweeney, 19 anos, calouro da Universidade da Flórida Central, em Orlando, tem monitorado o Gulfstream G650ER, aeronave que ele identificou como o jato particular de Musk, e publicado mapas de seu paradeiro em uma conta famosa no Twitter desde junho de 2020.
Musk não é a única pessoa famosa sendo acompanhada por observadores inoportunos, que contrariam o esforço do bilionário e de outros para ocultar seus deslocamentos com aplicativos e sites de monitoramento de aeronaves.
Os curiosos também podem saber por onde andam Drake, Mark Cuban, Jeff Bezos e Bill Gates nas demais contas de Sweeney.
Ele disse na quarta-feira que conseguia monitorá-los usando os dados dos transponders de seus aviões – um registro público que inclui a altitude, latitude, longitude e destino da aeronave – com um algoritmo e um bot criados por ele.
Porém, Musk estava bastante irritado com a artimanha para monitorar seus voos, lembrou Sweeney em uma entrevista. Ele disse ter recebido uma mensagem direta do bilionário no Twitter, em 30 de novembro, pedindo que o adolescente desativasse a conta com o nome de usuário @ElonJet.
“Eu fiquei, tipo, meu Deus! Elon Musk acabou de me enviar uma DM dizendo ‘Você poderia desativar essa conta? É um risco de segurança’”, disse Sweeney. “Depois ele me ofereceu US$ 5 mil para desativar a conta e ajudá-lo a tornar mais difícil que ‘gente louca o monitorasse’”.
Sweeney mostrou capturas de tela da troca de mensagens com o New York Times, que não conseguiu verificar sua autenticidade de modo independente.
(Tradução livre: Pousou próximo de Austin, Texas, EUA. Tempo aproximado de voo: 39 minutos)
Musk não respondeu os convites enviados para que ele se posicionasse ou mesmo dissesse se mandou de fato as mensagens.
A troca destacou a tensão entre os registros públicos abertos e a privacidade – e não foi a primeira vez que pessoas famosas foram monitoradas. Jornalistas já usaram aplicativos de rastreamento de voos para acompanhar políticos antes das escolhas para vice-presidentes. Já os investidores os utilizam para ficar a par de fusões de empresas. E os fãs de esportes recorrem a eles para saber quem são os candidatos a comandar seus times favoritos.
Cuban, o bilionário e proprietário do Dallas Mavericks, não quis se manifestar. Os representantes de Bezos, o fundador da Amazon; Gates, um dos fundadores da Microsoft; e Drake, o magnata do hip-hop, não responderam às solicitações de comentário.
Ryan Calo, professor de direito da Universidade de Washington que pesquisa sobre tecnologia e suas implicações legais, disse que a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, na sigla em inglês) exige que os aviões transmitam os dados de localização para impedir colisões e ajudá-los a encontrar aeronaves desaparecidas.
“O que esse adolescente está fazendo é se aproveitar da falta de visão por parte da FAA de que isso poderia se tornar um problema de privacidade para algumas pessoas”, disse Calo.
De acordo com a FAA, o caso estava fora do escopo de autoridade da agência.
(Tradução livre: Decolou de Hawthorne, Califórnia, EUA.)
Calo achou engraçado o adolescente ter sido contactado diretamente por Musk.
“Quase não poderia haver maior assimetria de poder do que entre Musk e esse garoto”, disse Calo. “Isso não é Davi e Golias. Isso é algo como Golias e uma pulga em Davi.”
Sweeney disse que estava adormecendo quando recebeu a notificação da mensagem em seu celular, às 00h19, no dia 30 de novembro. Ele estava em seu dormitório, onde diversos pôsteres de divulgação da SpaceX, a empresa de exploração espacial de Musk, estavam pendurados na parede acima de sua cama, de acordo com uma fotografia compartilhada na conta pessoal de Sweeney no Twitter.
O adolescente fez uma contraproposta a Musk, segundo as capturas de tela da troca de mensagens, dizendo que ele abandonaria a conta se Musk aumentasse a quantia para US$ 50 mil. Ele disse que também aceitaria um Tesla Model 3, um carro elétrico que custa mais de US$ 38 mil, e depois escreveu que estava brincando.
Na troca de mensagens, Sweeney foi questionado a respeito de como conseguia monitorar Musk. Ele explicou que tinha conseguido os dados do transponder do avião. Quando respondeu que pagar para dar fim a uma conta no Twitter não parecia correto, Sweeney fez outra proposta: que tal um estágio?
A troca de mensagens, que continuou durante mais de um mês, foi encerrada em 23 de janeiro.
Sweeney minimizou as preocupações com a privacidade e segurança associadas à sua conta de monitoramento de Musk, que tem mais de 305 mil seguidores.
“É um jato particular, ele vai direto do jato para o carro”, disse, acrescentando que há muito tempo é fascinado por monitorar aviões. “Não acho que isso seja motivo para grande preocupação. Algumas pessoas apenas se interessam em ver para onde ele vai.”
Sweeney disse que conseguiu os dados para suas contas de rastreamento de aeronaves pelo site ADS-B Exchange, que se descreve como a maior fonte do mundo de dados não confidenciais de voos.
Dan Streufert, fundador da empresa ADSBexchange, disse por e-mail que qualquer pessoa com acesso a eletrônicos básicos poderia conseguir os sinais das aeronaves que disponibilizam suas localizações. As informações também estão disponíveis ao se escutar os controladores de tráfego aéreo, acrescentou.
“No entanto, é importante mencionar que nosso site rastreia aeronaves e não indivíduos”, disse Streufert. “Não podemos dizer quem está ou não no avião. A empresa de Musk possui e opera muitas aeronaves – esta é apenas uma delas. Musk talvez considere irritante o que Sweeney faz, algo semelhante aos paparazzi, entretanto, essas informações já são públicas em uma infinidade de fontes.”
Calo disse que contanto que Sweeney não criasse perfis de monitoramento de voos nas redes sociais para pedir dinheiro a Musk ou a outras pessoas, seria difícil tornar isso um caso de crime de extorsão.
“Você precisaria causar esse dano propositalmente e usá-lo contra alguém”, afirmou.
Calo disse que seria difícil para uma figura pública como Musk entrar com uma ação civil contra Sweeney alegando que a privacidade dele havia sido violada.
“Por isso, acho que haveria obstáculos reais para processar esse garoto, em termos de direitos civis”, disse ele.
Ainda assim, ele alertou que Sweeney poderia abrir brechas para uma ação judicial caso levasse isso longe demais.
“Essa é uma experiência e tanto”, disse. “Ele só tem que continuar a ter cuidado daqui para frente”
Depois da última mensagem de Sweeney para Musk em 23 de janeiro, a conversa entre eles teve um fim entediante.
“Você não pode mais enviar mensagens para essa pessoa”, dizia uma mensagem automática do Twitter.
Na casa de Perseu e Zilah Abramo, jantava-se duas vezes. Na primeira, cedo, a mãe comia com os filhos. Na segunda, às 21h ou 22h, quando Perseu chegava da Redação, os filhos acompanhavam o pai.
“Ele punha numa frigideira tudo junto para esquentar, punha azeite de oliva, estourava um ovo e chamava de comidinha”, lembra Helena Abramo. Todos bicavam daquela refeição enquanto conversavam.
E era uma casa na qual se conversava muito. “Eles não tinham essa coisa de que certos assuntos não se falam com criança”, conta ela, que tinha 11 anos em 1970, quando o pai foi trabalhar na Folha. Era a terceira na escadinha: Laís e Mario a precediam; depois dela, vinham Beatriz e Marta, esta um bebê à época.
Perseu chegou ao jornal levado por Cláudio Abramo, seu tio e então secretário-geral de Redação, que uma década antes já havia lhe delegado a reformulação da reportagem de O Estado de S. Paulo.
Alexandre Gambirasio foi um dos contratados naquela ocasião. Perseu, conta ele, “selecionou vários jovens universitários por um sistema de testes criado por ele mesmo”. Entre outros que entraram para o Estadão, estavam Vladimir Herzog e Luiz Weis —como Gambirasio, “absolutamente estreantes”.
Perseu tinha “qualidades raras e valiosas”, diz Gambirasio. Era “grande e minucioso organizador interno de editorias e magnífico produtor externo de coberturas e reportagens”. Era ainda um “líder nato, professor atento e generoso no treinamento dos jovens na Redação”.
Essas características respaldaram seu retorno ao jornalismo, após oito anos como professor universitário na área de sociologia —primeiro na nascente UnB, a convite de Darcy Ribeiro, experiência de dois anos que terminou com sua prisão, em 1964, ao lado de vários colegas; depois, na Universidade Federal da Bahia, onde fez seu mestrado.
Na Folha, foi editor de Esporte e da Ilustrada antes do novo desafio.
Laís, a filha mais velha, entrou na USP —como os pais, e depois Helena, para estudar sociologia— em 1972, mesmo ano em que Perseu ficou encarregado de pôr no mundo a seção de Educação e recorda os temas à mesa do jantar.
“Ele acabou acompanhando muito o ressurgimento do movimento estudantil”, conta Laís. “Foi um período em que a gente discutia quase todos os dias.”
Perseu abriu espaço para falar de política em meio a um dos períodos mais pesados da ditadura. Os temas da educação eram questões sociais —o surto de meningite, as verbas para o ensino básico, as instalações das escolas.
As listas de aprovados no vestibular passaram a ser publicadas. A reforma do ensino e os pleitos de professores, bem como os encontros da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), mereciam atenção, fosse nos textos da seção ou na coluna que Perseu assinava aos domingos.
Uma seleta desses textos, ao lado de outros que publicou na imprensa antes e depois, está em “Um Trabalhador da Notícia”, livro organizado por sua quarta filha, Bia —o título diz muito sobre como ele via o ofício, sem veleidades intelectuais. Ser jornalista era como ser operário.
Na experiência em Educação, Perseu fez confluir todas as suas atividades —a do jornalista que nasceu ainda adolescente, trocando a escola pelas notícias; a do sociólogo, formado após retomar os estudos por insistência de Zilah Wendel, que conheceu na militância do Partido Socialista Brasileiro; do professor, que no fundo nunca deixou de ser.
O fundo político comum a todas elas desaguaria na atuação sindical. Em 1979, foi uma das lideranças da greve de jornalistas que tomou as Redações.
Passada a paralisação, foi instado a tirar férias vencidas, que emendou com uma licença médica para tratar de problemas que de há muito exigiam cuidado.
No regresso, foi-lhe oferecida a correspondência em Bonn, na Alemanha Ocidental, posto que a situação familiar não permitiria aceitar. Recusou e foi demitido em outubro de 1979.
No ano seguinte, ao lado de Zilah, estaria entre os fundadores do Partido dos Trabalhadores. Não deixou de colaborar para a imprensa, mas não voltou ao jornalismo diário. Abraçou novamente a vida acadêmica, como professor de jornalismo na PUC-SP.
“O jornalismo é uma variante do método científico, uma forma de apreensão do real”, definiria Perseu em 1984, em entrevista ao jornal Porandubas, da universidade.
Para apreender o real, defendia que se perseguisse a objetividade possível, em que o fato aparecesse em sua inteireza e não fosse obnubilado pela forma de sua narração.
Na PUC, elaborou um projeto de pesquisa intitulado “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa”. Publicado como livro, sintetiza com clareza as convicções éticas que perpassam sua trajetória.
RAIO-X
PERSEU ABRAMO (1929-1996)
Nasceu em São Paulo, em 1929. Seu primeiro emprego na imprensa foi em 1946, no Jornal de São Paulo. Terminou os estudos já trabalhando em O Estado de S. Paulo, formando-se em ciências sociais em 1959. Em 1962, deixou o jornal, onde ficou dez anos e foi premiado com o Esso pela cobertura da inauguração de Brasília, para lecionar sociologia na UnB. Deu aulas também na UFBA antes de ser contratado pela Folha, em 1970. Foi um dos fundadores do PT e idealizou o centro de debates e pesquisas do partido —lançada em 1996, dois meses após sua morte, a fundação acabou levando seu nome.