domingo, 2 de janeiro de 2022

Reitor Cancellier, da UFSC, tornou-se o desencanto da Lava Jato, Elio Gaspari, FSP


Está nas livrarias "Recurso Final" do repórter Paulo Markun. Conta a vida e a morte de Luiz Carlos Cancellier, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina que foi preso em setembro de 2017 pela Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal.

Nunca fora ouvido e tinha domicílio certo e sabido. Passou dois dias na cadeia, foi algemado e colocado numa espécie de jaula. Libertado, foi proibido de entrar na universidade.

Semanas depois, matou-se, aos 58 anos, pulando do sétimo andar de um shopping. No bolso, deixou um bilhete: "A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade."

Quando Cancellier foi publicamente humilhado, a operação Lava Jato estava no seu esplendor. Passados quatro anos, "lava-jatismo" tornou-se um neologismo da língua portuguesa (ele originou-se há poucas semanas, quando a Polícia Federal cancelou uma entrevista coletiva que daria moldura espetaculosa a uma operação contra os irmãos Ciro e Cid Gomes, no Ceará).

Hall da sala do conselho da reitoria da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), com o retrato de Luiz Carlos Cancellier, em Florianópolis. (Foto: Caio Cezar/Folhapress)
Hall da sala do conselho da reitoria da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), com o retrato de Luiz Carlos Cancellier, em Florianópolis. (Foto: Caio Cezar/Folhapress) - Caio Cezar - 8.mai.08/Folhapress

Cancellier e seis outros professores da UFSC foram presos sob a suspeita trombeteada de terem desviado R$ 80 milhões de um programa de ensino a distância (as trombetas tocavam de ouvido, porque nas partituras documentais essa cifra nunca existiu).

Markun ouviu dezenas de pessoas e atravessou uma papelada de mais de 20 mil páginas. Seu livro tem três histórias, a da vida de Cancellier, a da futrica acadêmica que levou à sua prisão e a da ruína a que o professor foi submetido.

Nessa parte, esteve a lição dos presos da penitenciária para onde os professores foram levados. Eles anunciaram a todos os encarcerados: "Salve, barraco 18, 19, 20 não é pra mexer. Tudo professor da UFSC!" Como se sabe, o "salve" designa as mensagens das facções criminosas.

Naquela noite de setembro de 2017 o crime estava com a cabeça no lugar. Já a ação do Estado era definida por Cancellier, com roupa de preso: "As pessoas estão ficando loucas".

Markun ficou nas quatro linhas do caso e mostrou como futricas acadêmicas anabolizadas por uma denúncia anônima produziram o que seria um escândalo, matou um professor e acabou como começou, em futricas acadêmicas.

As irregularidades apuradas ao longo de quatro anos pouco ou nada tinham a ver com Cancellier e muito menos justificavam o circo montado para demonizar os professores. Coisa parecida já havia sido feita no Paraná e no Rio Grande do Sul. Era o clima da época e o valor da "Recurso Final" está na sua exposição.

Todos os personagens desse drama eram servidores públicos conceituados. Além do caso em si, havia o clima instalado no país. Hoje, ninguém acusa Cancellier. As trombetas de setembro de 2017 guardam silêncio. Por essa razão nenhum deles foi citado nominalmente neste texto. Que vivam em paz.

Em tempo: O juiz Sergio Moro, detonador do lava-jatismo, nada teve a ver funcionalmente com o episódio.

CESAR ASFOR ENSINA

Há dias o advogado Cesar Asfor Rocha, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, escreveu um artigo intitulado "A investigação Contra Luiz Carlos Cancellier: Um Caso Para Não Esquecer". Nele, ensinou:

"A espetacularização da investigação, nesses alienados tempos do devido processo legal midiático, enseja o surgimento desses juristas de arrebiques que, movidos por uma loucura furiosa, expõem o investigado à mídia e à execração pública, transformando-o em réu antes da abertura do devido processo, antecipando o julgamento e punindo e condenando com frieza e crueldade típicas dos regimes de exceção.

Sob o pretexto de fazer justiça, fazem justiçamento, ou justiça com as próprias mãos. Desconstroem um dos principais pilares da democracia, que é a garantia dos direitos individuais. Como a observância das fases do processo legal foi desrespeitada, prevaleceu uma equivocada visão particular e subjetiva de um grupo de agentes públicos.

Essa tragédia precisa ser permanentemente relembrada por oferecer uma valiosa e triste oportunidade de refletirmos sobre o desespero de um inocente que veio a pôr cobro à sua própria vida, depois de sofrer a desgraça de ter a sua honra aguda e injustamente destroçada, revelando o que pode acontecer a uma pessoa quando a democracia e seus freios deixam de existir para ela.

(...)

Caiu sobre o reitor —sendo ele uma autoridade em um país onde é grande a percepção de impunidade— um tipo de vingança não declarada, não assumida, travestida de 'rigorosa defesa da lei, doa a quem doer', como se o cumprimento da lei fosse um gesto de heroísmo.

O público —entre aturdido, uns, e anestesiados, outros— postado e prostrado diante da TV, é incapaz de perceber que a tragédia da morte é capaz de mostrar o tamanho do equívoco que acontece, inevitavelmente, quando a democracia é trocada por uma covarde valentia, quando o processo legal é substituído por uma cega paixão.

A justiça tardou e falhou para Cancellier."

Guimarães Rosa disse que "as pessoas não morrem, ficam encantadas". Desde 2017 sabia-se que Cancellier ficaria encantado no desencanto do lava-jatismo.​

Agro tem recuperação mais veloz do emprego e atrai jovens qualificados, FSP

 


CURITIBA e RIO DE JANEIRO

Filho de produtores de soja, Murilo Ricardo, 32, não se imagina mais morando longe do campo. Ele, que saiu da pequena Anaurilândia (a 368 km de Campo Grande, no MS) para estudar agronomia, voltou para o interior para ajudar a cuidar da propriedade da família.

"As melhores oportunidades de trabalho para mim estão aqui, e os avanços tecnológicos pesaram na decisão de voltar. Em pouco tempo, já consegui implementar na propriedade parte do que aprendi na cidade e estudando no exterior. Agora, usamos tecnologia de ponta para fazer medições. Não me imagino longe do campo."

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sinalizam que a trajetória de Ricardo não é isolada, e que as atividades ligadas ao campo já superaram o nível de empregos do pré-pandemia, levando em consideração vagas formais e informais.

No terceiro trimestre de 2021, a população ocupada na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura chegou a 9 milhões —o número representa um avanço de 574 mil postos frente ao terceiro trimestre de 2019 (8,5 milhões), antes da crise sanitária.

Em termos percentuais, o crescimento no período foi de 6,8%. É o maior na lista de dez atividades analisadas pelo IBGE. Os dados integram a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).

Fora as atividades relacionadas ao campo, apenas o setor de construção e o ramo de informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas tiveram aumento da população ocupada no mesmo período. As altas foram de 2,5% e 2,9%, respectivamente —resultados inferiores aos registrados no campo..

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Além de liderar o ritmo de geração de empregos, o agronegócio também está ficando mais jovem e escolarizado, segundo um levantamento exclusivo da consultoria IDados, também a partir da Pnad Contínua: o total de trabalhadores rurais com até 29 anos é o mais alto desde 2015. No terceiro trimestre de 2021, eles eram 2,2 milhões.

Em número de trabalhadores, o grupo ainda é menor do que o das demais faixas etárias, mas foi o que mais cresceu na comparação com antes da pandemia, com aumento de 16% em relação ao início de 2019.

Apesar de ainda serem minoria, os trabalhadores rurais com ensino superior incompleto ou mais dobraram nos últimos nove anos, em patamar recorde. Eles eram 189,8 mil no terceiro trimestre de 2012. No mesmo período de 2021, já somavam 389,8 mil, ainda de acordo com os dados do IBGE.

Em busca de qualidade de vida e redução de despesas, o veterinário Thomaz Coelho, 31, trocou o Rio de Janeiro pela mineira Palmópolis, de menos de 7.000 habitantes. "Tinha um emprego no Rio, mas estava insatisfeito com a rotina da cidade. Prestei um concurso e hoje atuo em fazendas de Minas", conta.

Ele também avalia que muitos jovens de maior formação acabam se mudando para o interior para fugir da violência e dos problemas das grandes cidades e que a pandemia deve reforçar esse movimento.

Thomaz Coelho, que se mudou do Rio para o interior de MG, ao lado de um dos animais que ele cuida na fazenda
Thomaz Coelho, 32, que trocou o Rio pelo interior de Minas Gerais - Arquivo Pessoal

O pesquisador Felippe Serigati, do centro de estudos FGV Agro, avalia que a criação de vagas no campo reflete um conjunto de fatores. Um dos principais é o fato de atividades como agricultura e pecuária não terem parado de operar durante a pandemia.

Restrições adotadas para frear o coronavírus atingiram mais setores como comércio e serviços, com grande peso em centros urbanos e dependentes da circulação de consumidores.

Além disso, a demanda por alimentos ficou aquecida durante a crise sanitária, incentivando contratações de trabalhadores no campo, diz o pesquisador.

"Em 2021, o Brasil teve seca e geadas e, com isso, houve quebra de safra. Mas o investimento já estava feito. A mão de obra já havia sido contratada", aponta.

A pesquisadora Nicole Rennó, do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), tem opinião semelhante. Segundo ela, a demanda aquecida e os preços em alta por produtos da agropecuária colaboraram para o aumento da população ocupada na pandemia.

"Os preços altos, que são o principal elemento da conjuntura, favorecem os empregos. O avanço superou o que era necessário para uma recuperação", afirma.

Sobre o aumento do número de empregados rurais com ensino superior, o pesquisador da IDados e também da FGV Bruno Ottoni diz que não é possível medir se isso se deve pela atração de universitários ao campo ou pelo aumento da escolaridade dos moradores dessas regiões. Mas é provável que os dois movimentos estejam ocorrendo.

"É importante observar que o campo é um dos setores que mais perderam mão de obra ao longo da história, por causa do processo de mecanização, que vai se acentuar. As novas gerações de trabalhadores rurais terão de ser mais treinadas para essa realidade também."

AUMENTO DO EMPREGO ESBARRA EM DESAFIOS

A enfermeira Greice Cizeski, 31, também deixou para trás a vida na cidade. Em meio aos impactos da pandemia em sua rotina de trabalho, largou o emprego em um hospital na região metropolitana de Florianópolis (SC) no último mês de abril.

Filha de produtores rurais, escolheu voltar para perto da família, no município de Morro da Fumaça, a cerca de 200 quilômetros da capital catarinense. Ela acaba de abrir uma queijaria com os pais na cidade de cerca de 18 mil habitantes.

"Tudo isso aconteceu durante a pandemia. Meu pai me apoiou bastante", conta. "Tinha trabalhado na roça com meus pais até os 17 anos. Lá atrás tudo era mais difícil. Não tinha tecnologia. Hoje é diferente", relata.

O campo vem se destacado na geração de empregos, mas, no horizonte para 2022, há uma combinação entre possíveis estímulos e riscos à expansão da mão de obra.

Por um lado, as previsões indicam um ano mais favorável do ponto de vista climático, na comparação com 2021. Isso pode gerar reflexos positivos no mercado de trabalho.

O movimento de contratações, no entanto, é ameaçado pela alta nos custos produtivos, pondera o Serigati. Itens como fertilizantes, que dependem de importações, dispararam com o dólar elevado durante a pandemia, pressionando o bolso dos produtores.

Nicole também entende que os custos desafiam o setor em 2022, mas projeta um cenário positivo para a geração de empregos nos próximos meses.

"A perspectiva é que essa melhoria no mercado de trabalho continue mais um pouco, pelo menos nos primeiros trimestres de 2022. Há um grande desafio que é o aumento de custos, mas, no geral, ainda esperamos um bom ano para a agropecuária", diz.

"Isso deve continuar a favorecer o mercado de trabalho e ajudar a segurar uma tendência contrária de muitos anos que é a redução da população ocupada na agropecuária", diz a pesquisadora.

Apesar do avanço na crise, as atividades de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura ainda representam menos de 10% da população ocupada no país.

No terceiro trimestre de 2021, os cerca de 9 milhões de trabalhadores nessas atividades correspondiam a 9,7% de um universo de 93 milhões de ocupados.

No mesmo período, o rendimento médio do trabalho, em termos reais, foi de R$ 1.517 na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura.

O número é o segundo menor entre as 10 atividades da Pnad Contínua. Só fica acima da renda média obtida com serviços domésticos (R$ 920).

Hélio Schwartsman Brasil avacalha a matemática, FSP

 A matemática que nos ensinam na escola peca pela abstração. A maioria das pessoas não consegue usar a trigonometria em seu dia a dia. Já a teoria dos jogos, que quase não é ensinada nas escolas, é escandalosamente prática. Ela, afinal, pode ser descrita como o estudo das interações estratégicas entre agentes racionais. Também dá para dizer que ela expande a lógica para todos os domínios da vida.

Não é uma coincidência que, depois que Von Neumann unificou e deu nome à teoria dos jogos, em meados dos anos 40, ela se espalhou como um rastilho de pólvora. Invadiu a biologia, tomou de assalto a economia (onde produziu 11 prêmios Nobel) e deixou marcas em todas as ciências sociais. Tem ainda forte presença na ciência da computação.

A atividade policial não passou incólume. O célebre dilema do prisioneiro ilustra bem o poder que ofertas de barganha penal têm de moldar comportamentos, permitindo que se coloque a matemática a serviço do combate ao crime. Há até quem sustente que, sem mecanismos como o de delação premiada, é impossível desbaratar as quadrilhas organizadas.

O Brasil, sempre chegado a um negacionismozinho, até flertou com a ciência. As delações premiadas usadas na Operação Lava Jato produziram resultados, que se mediram em condenações inéditas e bilhões de reais recuperados para os cofres públicos. Houve, por certo, abusos, como nos processos contra Lula, que cobravam reparos. Mas a forma que o Judiciário escolheu para fazê-los foi, para usar um termo suave, destrambelhada.

O resultado prático, como mostrou reportagem de Felipe Bächtold, é que os réus que firmaram acordos de delação premiada estão hoje em situação penal pior do que aqueles que ficaram em silêncio e depois tiveram seus processos anulados. Não é preciso um Von Neumann para concluir que o recado que o Judiciário passa é: jamais colabore com a Justiça. No Brasil, avacalhamos até a matemática.