sábado, 5 de dezembro de 2020

Cerco ao carro a gasolina cresce no mundo e pressiona petroleiras, Cleide Silva, OESP

 A Inglaterra anunciou, no mês passado, a antecipação, de 2035 para 2030, da proibição de venda de novos carros movidos a gasolina ou diesel. O Japão também deve anunciar em breve uma proibição parecida, que entraria em vigor em meados de 2030. A China prevê colocar em vigor essa regra em 2035. Nos Estados Unidos, o Estado da Califórnia informou em setembro que, também a partir de 2035, veículos novos movidos a gasolina ou diesel estarão fora do mercado. Com o avanço das discussões ambientais em todo o mundo, as limitações a esses carros deve aumentar cada vez mais. E isso tem colocado grande pressão sobre a indústria do petróleo

 “O cerco está se fechando para que os países reduzam o uso de combustível fóssil”, diz Jaime Andrade, sócio da PwC Brasil. Hoje, a gasolina e o diesel movem cerca de 90% dos novos carros vendidos no mundo. E esses produtos são uma parte muito importante dos ganhos das petroleiras. No caso da Petrobrás, por exemplo, 50% da produção atual é de gasolina e diesel para o transporte rodoviário. 

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Veículos elétricos levaram Tesla a valer mais de US$ 500 bilhões Foto: Tesla

Em outubro, um acontecimento do mercado financeiro acabou se transformando num marco desse novo mundo mais preocupado com questões ambientais. A NextEra, uma das maiores geradoras globais de energia solar e eólica, ultrapassou, em valor de mercado, a ExxonMobil, que já foi a maior empresa privada do mundo (depois, a Exxon voltou a ficar à frente). Em 2007, a petroleira valia US$ 500 bilhões. Nesta sexta-feira, valia US$ 176 bilhões.  

No mercado automotivo, essa diferença fica ainda mais evidente. A fabricante de carros elétricos Tesla valia, na sexta-feira, US$ 567 bilhões. Isso é mais do que o valor, somado, de Toyota, Volkswagen, GM, Ford e Fiat Chrysler – empresas em que o carro movido a combustível fóssil ainda é majoritário. 

Por tudo isso, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, defende que o governo brasileiro deve monetizar de forma rápida os ativos que estão debaixo do mar – o petróleo do pré-sal, “do contrário vai virar mico”. Ele lembra que todas as matrizes das montadoras instaladas no Brasil estão ampliando a produção de automóveis eletrificados e as subsidiárias locais estão atentas a isso. “Sabemos, no entanto, que nossa velocidade (de troca dos carros a gasolina e diesel por elétricos) não será igual à da Europa, por exemplo.”

Futuro

Para analistas, as novas gerações de carros serão movidas a eletricidade ou uma mistura de combustível líquido e energia elétrica. A soma de modelos elétricos e híbridos passarão dos atuais 10% para 51% das vendas globais em uma década, segundo estudo do Boston Consulting Group (BCG) feito neste ano, antes da pandemia da covid-19, responsável pela crise que deve acelerar projetos de carbono zero.

O líder do BCG para a indústria de mobilidade, Regis Nieto, diz que o estudo foi feito com base nas premissas atuais, com vários países adotando normas que proíbem produção e venda de carros movidos a combustíveis fósseis. Leva em conta também o aumento das vendas de modelos eletrificados e a queda de preços desses produtos. Mas ressalta que não se sabe se novos governos vão manter essas legislações no futuro.

Mesmo assim, alguns analistas ressaltam que a sobrevivência dos dois combustíveis fósseis ainda será longa, pois seguirão enchendo tanques de veículos em países em desenvolvimento como os da América do Sul, frotas antigas e uma parcela dos carros híbridos, embora essa versão eletrificada já esteja na mira também. 

“Não imagino que ocorra uma migração radical para o elétrico e, na minha opinião, a gasolina terá vida longa, no mínimo até 2050, em especial no Brasil”, afirma o sócio líder em energia, óleo e gás da KPMG, Anderson Dutra. Para ele, a eletrificação é um caminho sem volta e vai ocorrer em algum momento. Mas, até lá haverá um processo migratório que passará, por exemplo, pelo uso de biodiesel em caminhões e ônibus e de etanol em automóveis híbridos. O Brasil é o primeiro país a ter um híbrido que roda com etanol, o Toyota Corolla produzido na fábrica do grupo em Indaiatuba (SP).


Os andaimes da democracia, Oscar Vilhena Vieira, FSP

 4.dez.2020 às 23h15

Enquanto nosso criptogoverno vai afundando as botas num pântano de obscurantismo, incompetência e hostilidade a padrões mínimos de moralidade, com impacto devastador sobre a vida dos brasileiros e a saúde da própria democracia, a sociedade civil vem recompondo laços esgarçados pela forte polarização política e o estresse institucional em que imergimos a partir de 2013.

Em 1835, Alexis de Tocqueville expressou seu entusiasmo com o papel das “associações civis”, formadas voluntariamente por cidadãos, no florescimento e na sobrevivência da democracia na América. Além de favorecer a solução de problemas concretos da comunidade pela ação coletiva de seus membros, o associativismo contribuiria, por meio “da influência reciproca que uns exerceriam sobre os outros”, para a formação de cidadãos melhores, com ideias “renovadas, corações ampliados e mentes desenvolvidas”.

Desde cedo, portanto, o conceito de sociedade civil adquiriu um sentido positivo, ligado à promoção da liberdade, do pluralismo e da justiça social, não devendo ser confundindo com associações (in)civis, formadas com o propósito de suprimir direitos ou fragilizar a democracia, como a Ku Klux Klan, os Camisas Negras, ou as milícias digitais contemporâneas.

Foi essa sociedade civil, como vetor democrático, que desempenhou um papel central na debacle dos regimes autoritários na América Latina, no Leste Europeu e na África do Sul, no final dos anos 1980. Não deve causar qualquer surpresa, portanto, os ataques que os novos populistas autoritários têm lançado sobre as organizações autônomas que lhes ousem criticar, contestar ou controlar.

O então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, levanta a nova Constituição Federal de 1988
O então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, levanta a nova Constituição Federal de 1988 - Arquivo Agência Brasil

A promessa do presidente brasileiro de acabar com toda a forma de ativismo parece, no entanto, estar gerando o efeito inverso. Centenas de novas iniciativas e coalizões no campo da defesa da democracia, do meio ambiente, da luta antirracista e do litígio estratégico surgiram nestes dois anos.

Por outro lado, a condução criminosa da pandemia fez com que vetustas organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciências e a Comissão Arns de Direitos Humanos, que há muito não se conversavam, retornassem à mesa para lançar o Pacto pela Vida, em abril de 2020.

No próximo dia 10 de dezembro, data em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 72 anos, essas mesmas organizações irão centrar atenção sobre as questões da desigualdade, da democracia e do direito à vida.

Também temos testemunhado uma revolução de veludo no campo da luta antirracista. O assassinato brutal de Beto Freitas tem catalisado, em torno do movimento negro, uma convergência entre organizações e movimentos com missões muito distintas entre si. Exemplo dessa convergência é a ação de diversas lideranças civis e religiosas para a formação de uma aliança contra o racismo. Pastores, rabinos, babas, mães e pais de santo, bispos, padres e líderes de outras denominações querem deixar claro, por meio de atos inter-religiosos, que “quem tem fé preza a vida”.

Como poeticamente lembra o escritor uruguaio Mario Benedetti, a democracia é uma obra sempre inacabada, que exige andaimes para que possa ser constantemente reparada. As organizações da sociedade civil brasileira vêm, mais uma vez, se colocar como esteios de nossa tão maltratada democracia.

Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Rio anuncia shoppings 24 horas como medida para conter coronavírus, FSP

 

RIO DE JANEIRO

O prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e o governador em exercício Cláudio Castro (PSC) indicaram que não vão restringir serviços para conter o aumento de casos de coronavírus ​no Rio de Janeiro, apesar de a fila de espera por leitos estar aumentando nas últimas semanas tanto no estado como na capital.

Em entrevista coletiva nesta sexta (4), ambos anunciaram que shoppings e centros comerciais agora poderão funcionar 24 horas, com a justificativa de evitar aglomerações no transporte para as compras de Natal. Crivella também afirmou que fechará na segunda (7) as escolas municipais, que já vinham registrando baixa adesão.

O governador tem insistido na visão de que a testagem em massa, a fiscalização de eventos e a abertura de leitos (386 na rede estadual e 220 na municipal) são suficientes para conter a pandemia. Ele repete como exemplo a interrupção de cerca de 40 festas que não seguiam as regras no último fim de semana.

"Precisamos abrir leitos e fiscalizar as restrições em vigor. Parece que está tudo liberado, mas há restrições, sim. Neste fim de semana já começou um processo de fiscalização dura. Entendemos que essas medidas bem fiscalizadas com ampliação da base de leitos são suficientes", declarou.

Sobre o fim de ano, Castro afirmou que só vai permitir que o metrô funcione até as 20h na noite do dia 31 para as pessoas não irem à praia e disse que todas as festas que pediram autorização até agora serão sem público. Questionado sobre os eventos não autorizados, que são maioria, ele respondeu: "Nem sempre chegaremos a todos, mas chegaremos ao máximo possível".

Os dois governantes fizeram vários apelos à população. Comércios, bares e restaurantes estão funcionando normalmente no Rio, e praias e transportes têm ficado lotados, com pessoas muitas vezes sem máscara.

"Apelo para que pessoas não façam aglomeração em local onde não se usa máscara. Bares e praias devemos evitar. Vimos um processo eleitoral em que subiu a curva de infecção. O processo eleitoral acabou, mas vamos colher os frutos nos próximos dias, somado com as praias lotadas no fim de semana", declarou Crivella.

A tímida alteração das restrições vai contra recomendações do próprio comitê científico da prefeitura. Como a TV Globo divulgou, especialistas que compõem o grupo sugeriram nesta última quarta (2) que o município proibisse banhistas nas praias e escalonasse o horário de comércio, bares e restaurantes, além de fechar escolas.

O Ministério Público estadual também expediu recomendação ao prefeito nesta quinta (3) para que as regras adotadas sejam compatíveis com os indicadores. "A partir de 20 de novembro, todos os dados ingressaram em um ritmo de piora exponencial, indicando, sob o ponto de vista técnico, a necessidade de regressão de fase. Apesar disso, até o presente momento, os gestores não promoveram tal adequação do plano", diz o órgão.

A Fiocruz foi outra instituição que divulgou nota técnica na quarta afirmando que a capital fluminense está perto de um colapso no sistema de saúde, com a possibilidade de enfrentar um quadro sério de desassistência geral. Uma das preocupações é o aumento no número de casos perto das festas de fim de ano.

A ocupação das UTIs públicas na cidade estava em 93% na manhã desta sexta. Na prática, porém, os cerca de 40 leitos disponíveis (de um total de 564 existentes) não são suficientes para os que esperam por uma transferência.

Essa fila já chega a 117 pessoas no Rio e na região da Baixada Fluminense, de onde muitos saem em busca de leitos na capital. É mais que o triplo do registrado três semanas antes (32 pessoas), quando a ocupação das unidades de terapia intensiva ainda estava em 77%.

Os leitos públicos vinham sendo ​reduzidos nos últimos meses. O único hospital de campanha que restou foi o da prefeitura, já que a gestão do governador afastado Wilson Witzel (PSC) fechou todas as suas unidades. O governo federal também desativou as poucas vagas que existiam no Hospital de Bonsucesso após um incêndio em outubro.